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sábado, 29 de junho de 2013

Curso de Licenciatura em Filosofia da UESB lança Revista

O Curso de Licenciatura em Filosofia concluiu o primeiro número da Revista Filosofando: Revista Eletrônica de Filosofia da UESB, a qual pretende promover espaço de diálogo, provocação, reflexão crítica e sistemática do pensamento filosófico e possibilitar aos discentes do Curso de Licenciatura em Filosofia da UESB e de outras Licenciaturas e IES um espaço de publicação de suas reflexões e investigações, de seus resultados de pesquisa de iniciação científica e de seus estudos realizados durante os semestres.
No intuito de comemorar o lançamento do primeiro número da Revista Filosofando, o Colegiado do Curso de Filosofia, promoverá no dia 04/07, das 19:30 às 22:00 h, no Auditório do Módulo IV, Mesa Redonda intitulada “Desafios Filosóficos Atuais: Rousseau e Marx na Contemporaneidade” . O evento contará com a presença dos seguintes debatedores:
Doutor Genildo Ferreira da Silva - UFBA
Doutor Mauro Castelo Branco de Moura- UFBA
Doutor José Jackson Reis dos Santos - Diretor do DFCH/UESB
Doutor Jorge Miranda de Almeida – Diretor Executivo da Revista Filosofando/UESB.


Maiores informações, procurar o Colegiado do Curso de Filosofia da Uesb/Campus Vitória da Conquista

Duas estratégias: Unir a esquerda para avançar as mobilizações, ou para proteger o governo Dilma?

Valerio Arcary

Todos juntos nessa luta pela unidade popular,
Mas, se estamos todos juntos,
contra quem vamos lutar?

                                                   Versos cantados por delegados da esquerda socialista  no Congresso da UNE, em resposta à moção que defendia a estratégia de unidade da toda a oposição à ditadura militar, sob a liderança da burguesia liberal que se expressava através do MDB de Tancredo e Montoro, contra a unidade operária- estudantil.

       O ataque dos fascistas contra a esquerda produziram uma reação extraordinária durante a última semana. A defesa do direito da esquerda de ir às ruas levantando suas bandeiras vermelhas uniu muitos milhares de jovens nos últimos dias, por todo o país, em uma mobilização unitária, entusiasmada, e lúcida.

                          A unidade da esquerda nas ruas foi emocionante
      As fotos da assembléia-monstro no Largo São Francisco no Rio de Janeiro para preparar o dia 27 e a ida ao Maracanã no dia da final da Copa emocionaram a esquerda, profundamente, em todo o Brasil. Processos semelhantes se repetiram, em formas variadas, mas com o mesmo conteúdo, em Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Belém, e Recife, entre muitas outras cidades menores. Surgiu do enfrentamento do dia 20 de junho com os fascistas um poderoso sentimento fraterno de que precisamos nos unir para vencer. Isso foi amgnífico.
       Estamos diante da urgência da política. Os dias agora valem por meses, as semanas por anos. Tudo se acelerou. O debate aberto na esquerda pelas mobilizações das últimas três semanas coloca na ordem do dia um dilema: a esquerda precisa se unir para poder ajudar o movimento da juventude a avançar na direção de novas vitórias, sob pena de perder uma oportunidade histórica de transformação do Brasil. Uma janela de oportunidade que não se abre com facilidade. A divisão da esquerda repercutirá de forma dramática sobre as possibilidades da luta em curso, porque está aberta uma disputa sobre o destino do combate de milhões. Esses milhões estão em luta porque têm pressa.

                         Um debate de estratégia é incontornável
      Não obstante, isso não deve nos inibir de dizer que, infelizmente, existem dois grandes campos políticos na esquerda, hoje no Brasil, que remetem a um dilema de estratégia, e que vai se expressar em polêmicas táticas de todo o tipo. Estes campos têm diferenças irreconciliáveis.
   Sendo assim, é melhor debater as estratégias. Porque é mais educativo. As questões mais de fundo, que remetem ao tema da atitude diante do poder, são inescapáveis. As diferenças não são artificiais, não são produto de exageros sectários. Não são pequenas escaramuças, miúdices, picuinhas, . Estes campos são maiores que os partidos de esquerda. Porque são muitas dezenas de milhares de ativistas que se interrogam sobre qual deve ser o caminho a seguir. A imensa maioria não têm militância partidária. Comprendem a gravidade da situação. Têm boas razões para estar preocupados.

                                  Dois campos em disputa
       Em um campo estão aqueles que compreendem que a mobilização pelas reivindicações deve avançar, tendo a prioridade de unificação com os trabalhadores, ou seja, a preparação de um dia de greve geral para 11 de julho. Este campo afirma que para lutar contra os os empresários do transporte urbano, os banqueiros, os fazendeiros do agro-busness, a FIESP, não é possível dar trégua a nenhum governo.
       A nenhum significa isso mesmo, a nenhum, nem a Dilma. Depois de dez anos, ficou claro que os governos liderados pelo PT em aliança com partidos burgueses estão mais comprometidos com a preservação do pagamento da dívida pública, do que com os transportes públicos, a educação e saúde públicas. Sem romper com o pagamento da dívida pública, de onde viriam as verbas para os investimentos necessários à implantação, por exemplo, do passe livre?
       Os que nos colocamos nesta posição queremos ajudar a juventude nas ruas a continuar ocupando as avenidas com as reivindicações que ela mesma foi forjando pela sua experiência prática: conquistar o passe livre, desmilitarização das PM’s, mais verbas para educação e saúde, punição dos corruptos. E queremos agregar as reivindicações que respondem às necessidades do proletariado: o aumento dos salários e a redução da jornada de trabalho, por exemplo, ou a anulação da reforma da previdência, e a suspensão dos leilões de privatização do petróleo do pré-sal, e tantas outras.
      Os termos do dilema, que é sempre uma escolha difícil são, portanto, terríveis, mas claros: Dilma está disposta a romper com o PMDB? Porque atrás do PMDB estão as empreiteiras com contratos milionários para a construção das grandes obras e estádios, por exemplo. E a esquerda que apoia o governo, ainda que criticamente, como as várias tendências internas do PT, o PCdB, a Consulta Popular, ou o MST, se Dilma não atender às reivindicações, e não romper com o PMDB e os ouros partidos burgueses, estão dispostas a romper com Dilma?
       Em outro campo estão aqueles que consideram que é preciso unir a esquerda para defender o governo Dilma, porque o maior perigo seria a desestabilização do governo liderado pelo PT, ou até do regime democrático. Estão, podemos admitir, comprometidos em fazer exigências ao governo Dilma. Exigências para que Dilma abra negociações com as reivindicações das massa em luta. Exigências para que o PT no governo não capitule diante do PMDB de Michel Temer e Sérgio Cabral. Ou exigências para que o PT fora do governo não capitule aos ministros do PT que aconselham moderação a Dilma. Em resumo, estão engajados em  pressionar o governo Dilma, mas não estão dispostos a romper com ele. E reafirmam que não era possível antes de junho, e continua não sendo possível, mesmo depois de milhões nas ruas, construir uma esquerda à esquerda do governo Dilma.
      
                                      É preciso lutar, é possível vencer
     Qual estratégia é o melhor caminho para vitórias populares? Qual estratégia irá prevalecer? Qual dos dois campos tem uma melhor apreciação do que está em disputa, e a melhor orientação para transformar o Brasil? Seria estupendo, realmente, fantástico, se as mobilizações de jovens e trabalhadores fossem o bastante para exercer uma pressão de classe suficiente para impor uma frente única de toda a esquerda. Essa é a vontade dos ativistas, é a vontade de todos os que sabemos contra quem lutamos. Porque para vencer, o mais elementar é saber contra quem lutamos. Saber quem são os amigos e quem são os inimigos.
      Infelizmente, nunca é assim. A pressão das lutas não é o bastante. Outras pressões políticas que, em uma interpretação de classe, respondem a pressões das classes inimigas dos trabalhadores se abatem, também, sobre a esquerda. Diante de grandes acontecimentos, ensina a experiência histórica, algumas correntes de esquerda, que mantinham posições muito distantes umas das outras, se aproximam. E outras, que estavam próximas, se afastam. Em outra etapa da vida política brasileira se apresentou, dramaticamente, o mesmo dilema para a esquerda. Com quem nos unirmos, para lutar contra quem? Ou, enunciando de outra maneira, independência ou colaboração de classes?

A polêmica do final dos anos setenta e início dos oitenta
     Em 1979/79, quando uma nova situação se abriu no Brasil, colocou-se um problema de estratégia política chave. Qual deveria ser a orientação para acelerar a derrota da ditadura militar? Estava ficando cada dia mais claro, depois das greves metalúrgicas do ABC, das greves de professores, de bancários e outros setores da classe trabalhadora, que era possível construir nas ruas uma mobilização de massas para derrotar a ditadura. A classe dominante estava, crescentemente, dividida, entre uma maioria que aceitava a abertura lenta e gradual, ou seja, uma transição para um regime democrático-eleitoral negociada com os militares, e aqueles que resisitiam, porquee temiam, em função do medo das classes populares, a ampliação das liberdades democráticas. As classes médias tinham rompido, majoritariamente, com o regime. A classe trabalhadora começava a se mexer e a ganhar confiança em sua capacidade de luta.
    A esquerda que vinha se fortalecendo nas lutas estudantis e na reorganização do movimento dos trabalhadores se dividiu em dois campos. De um lado, principalmente, o PCB, o PCdB, o MR-8, defendendo a unidade das oposições. O que significava que o monopólio da liderança política na luta contra a ditadura ficava nas mãos do PMDB. Ninguém deveria disputar com Ulysses e Tancredo a condição de porta voz das oposições. Acontece que a liderança do PMDB temia mobilizar as massas contra a ditadura, e aceitava o calendário eleitoral imposto por Geisel e Figueiredo. O PMDB não estava disposto a mobilizações de massas, porque sabia que o perigo era a entrada em cena dos trabalhadores, com sua força social de choque, seus métodos e suas greves. E o PMDB era um partido com apoio, essencial e primeiramente, empresarial.
    No outro campo estava a esquerda que se uniu em torno do projeto que nasceu das greves operárias, e das manifestações estudantis, e levou à fundação do PT em 1980, e da CUT em 1983. Este campo se posicionava contra uma transição negociada, e lutava pela derrubada da ditadura, não por uma transição negociada. Lutava pela perspectiva de um deslocamento da ditadura pelas lutas, não em conchavos no Congresso Nacional. O PMDB era o partido da oposição institucional, o PT era o partido da independência dos trabalhadores, que não aceitava que a maioria proletária continuasse a ser massa de manobra entre diferentes alas da classe dominante. Os moderados de esquerda argumentavam exatamente como agora: não é possível ultrapassar Ulysses e o PMDB pela esquerda. A luta provou que eles estavam errados. Foi porque o PT chamou às ruas e começou a campanha das Diretas já no Pacaembu que o PMDB, ainda que dividido se mexeu. O drama atual é que a maioria daqueles que foram os radicais em 1980/83, agora são os moderados. De incendiários, viraram bombeiros.

    O dilema de estratégia que se coloca agora, trinta e cinco anos depois, no entanto, é o mesmo. O papel da esquerda deve ser o de ajudar a juventude e os trabalhadores a construir um campo independente? Ou ela deve se resignar a ser um vagãozinho atrelado ao trem que é dirigido por uma ala da classe dominante contra outra ala? Só podemos escolher entre o governo Dima ou um governo da direita? Ou esta onda de lutas pode ajudar a nova geração a retirar conclusões políticas e ir além? Não é possível pensar em um poderoso campo de oposição de esquerda, que permita ir além do reformismo quase sem reformas dos dez anos dos governos Lula e Dilma? Qual o caminho para avançar na direção da revolução brasileira? 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Reunio de Emergncia


Por que Cuba resiste?

Título original: ¿Por qué resiste Cuba?


Por Pablo González Casanova
A Armando Hart Dávalos

Un día, conversando con un amigo en La Habana, nos preguntamos ¿por qué resiste Cuba cuando el capitalismo ya se restauró en Rusia,  China, Vietnam?
Mi amigo dio una respuesta contundente: “Cuba es la mejor prueba de la existencia de Dios”…
Como yo soy lego en  argumentaciones teológicas preferí plantear la pregunta con el rigor de un problema científico. En ese sentido quiero recordar algo que dijo Martí: “Hasta aquello de lo que está cierto hasta allí llega la ciencia del hombre”
Yo tengo algunas respuestas en las que estoy cierto; pero  necesito expresarlas para que otros me ayuden a resolver un problema que quiero plantear en términos científicos, y en el que busco excluir cualquier intención laudatoria.
En el intento mismo de plantear el problema científico, descubro que mi análisis va a ser necesariamente incompleto. Pienso que otros tendrán que completarlo. También advierto circunstancias concretas por las que el Movimiento 26 de Julio triunfó en Cuba, y por las que Cuba resiste hasta hoy, y que no son generalizables. De hecho corresponden a un  tiempo y a una Isla.
Como muchas de esas circunstancias no se dan en todo tiempo y en todo lugar, el movimiento revolucionario cubano ha insistido en que no debe tomársele de ejemplo. Su propuesta resulta razonable si se hace extensiva la famosa expresión   de Mariátegui, y se afirma que ninguna revolución puede ser “calca y copia” de otra.
Eso no quiere decir que todas las experiencias cubanas se limiten a Cuba y que ninguna de ellas tenga carácter universal. Al contrario muchas experiencias de Cuba tienen carácter universal y en ese carácter merecen ser más exploradas.
Cabe otra aclaración y es el peso mayor o menor que algunas de las medidas y circunstancias tienen en el triunfo y la resistencia de Cuba. Pretender calcular el variable peso es imposible. Su alcance corresponde a fenómenos que los matemáticos consideran “extremadamente no lineales”,  con lo que quieren decir que en ellos una acción mínima puede producir efectos colosales, incalculables…
…El triunfo de Cuba es incalculable. Cuba es un pequeño país, que cuando inició la Revolución tenía seis y medio millones de habitantes y como todos saben la Isla se encuentra a unas cuantas millas del imperio más poderoso y agresivo en la historia de la especie humana.
Resulta difícil entender cómo esa pequeña Isla y sus habitantes han resistido el inhumano bloqueo y el permanente asedio de más de cincuenta años, que Washington ha acompañado de constantes amenazas, agresiones, conspiraciones e intentos de magnicidio,  y otros hechos, entre los que  destaca el intento de invasión y el triunfo  en Playa Girón donde Cuba puso en derrota a las fuerzas invasoras, armadas y apoyadas por Estados Unidos. También son de recordar la entereza que mostró la Isla, con su gobierno y pueblo, en “la crisis de los cohetes” que llevó el chantaje nuclear a sus extremos, y –para no extenderme más-- los indecibles sacrificios del  “período especial” en que tras la disolución de la URSS Cuba perdió una inmensa fuente de sus ingresos y la población entera decidió de todos modos continuar en la lucha por la independencia y el socialismo a sabiendas  que eso significaría una grave reducción de los niveles de vida y  consumo durante largo tiempo.
Semejantes hazañas –y muchas más-- obligan a plantearse con la mayor seriedad el problema de saber. ¿Cómo se explica la resistencia de Cuba?
Y evocando a Martí enuncio otros “hechos ciertos” que también caen en el orden del conocimiento científico y que incluyen la herencia del propio Martí, muerto en batalla por su pueblo y su Patria en 1895 a la edad de 42 años: Es más, en estas palabras, me voy a limitar a algunas reflexiones con que Martí contribuyó a esa capacidad de revolución y de resistencia.
José Martí es considerado como “el autor intelectual de la Revolución Cubana” por  quienes al mismo tiempo se identifican como marxista-leninistas. La aparente contradicción entraña relaciones muy precisas entre un pensamiento, un sentimiento y una expresión que enriquecen al liberalismo radical y al marxismo desde la perspectiva de los pueblos coloniales y sus luchas por la independencia. Liberalismo y luchas por la independencia se expresaron desde Martí como luchas contra  el antiguo colonialismo y contra el imperialismo, es decir contra un capitalismo  que se rehizo al impulso de los monopolios y que hizo suya “la renta colonial”.
Expresión de las luchas humanistas del liberalismo radical de su tiempo, Martí es admirador de la gran corriente de la Ilustración que en Cuba tuvo a notables filósofos cristianos impulsores  del pensamiento  ético y crítico y del humanismo más avanzado de fines del siglo XVIII y principios del XIX.  Martí logró ser una de las más altas expresiones de quienes en el siglo XIX latinoamericano forjaron los espacios laicos de la pregunta,  los espacios laicos del diálogo, de la discusión y el consenso y una capacidad reflexiva y poética capaz de comprender y expresar el mundo propio y el ajeno.
En la múltiple lucha por nuestra expresión como expresión universal,  Martí no sólo vivió en las entrañas del imperialismo como colonialismo, sino como reestructuración monopólica de un capitalismo al que se enfrentaban los trabajadores encabezados por Marx… Martí no sólo anunció que “se viene encima amasado por los trabajadores un universo nuevo”, ni sólo hizo ver que Marx “merece honor…por haberse puesto del lado de los débiles”, ni nada más citó en el homenaje póstumo a Marx, una bella frase que dice “La libertad ha caído muchas veces; pero se ha levantado más hermosa de cada caída…”, sino que también hizo otro llamado plenamente válido hoy, en que dijo: “Indigna el forzoso abestiamiento de unos hombres en provecho de otros. Mas se ha de hallar la salida a la indignación, de modo que la bestia cese, sin que se desborde y espante”. (Parece como si estuviera hablando de hoy en que se quiere abestiar al hombre, en que la bestia se desborda y espanta y en que todos estamos buscando salida a la indignación).
Martí no expresó sus afirmaciones sobre la lucha de clases y la lucha por la independencia de las naciones en frías formas filosóficas o en tratados o sistemas teóricos. Las expresó en formas a la vez racionales y emocionales buscando de manera profunda, y con una pasión intensa, la “claridad” y la “sinceridad”, muy fuertes ambas en su vida, y muy vinculadas a su lucha por “la vida nueva” en esa forma a la vez emocional y práctica que expresó con su “fe en el mejoramiento humano” y... en lo que llamó “la utilidad de la virtud”, expresiones ambas que ensamblan  los motivos de una pasión intensa  y las preocupaciones de una lucha en que se piensa cómo ganar, cómo lograr lo que se quiere.
El rico legado de Martí corresponde a una estrecha vinculación entre el concepto, la palabra y la acción. Sin esa vinculación, lo que Martí dice no s entiende bien, se entiende a medias, se entiende mal. El legado, en su versión escrita y vivida, no sólo alcanza una gran belleza sino una gran fuerza. El pensamiento estrechamente vinculado a la acción le da otro sentido a la palabra. Funde la palabra con la cosa. Quien escucha la palabra sabe  quien la dice. Y por quien la dice entiende que como promesa va a ser cumplida, y que como descripción o explicación de lo que pasa corresponde a hechos ciertos sobre lo que ocurre y sobre lo que es necesario hacer para lograr un objetivo. Y si la validez de lo que dice depende tanto de la moral de quien lo dice como de su saber y experiencia, el que oye entiende que lo que dice es en principio válido y confiable.  Y esta junta de moral en la lucha y de la experiencia en el luchar y pensar es base de una fuerza especial: de confianza que integra las acciones colectivas por metas comunes y que se enriquece todavía más con la invitación de quien se expresa a que lo corrijan quienes lo oyen si tienen otra visión  o información…
Martí como fuente de una cultura más que de una ideología, hoy se enfrenta mejor que nadie a seguir luchando en plena crisis de las ideologías tras los procesos de restauración y recolonización del capitalismo. El gran triunfo de los neoconservadores no sólo consistió en la restauración mundial del capitalismo –con  excepción de Cuba- sino en la eliminación de la lucha ideológica (como quería Daniel Bell) y en su sustitución por luchas de grupos de interés y grupos de presión, grupos de corrupción y grupos de intimidación  dentro de la llamada “clase política”. Al  ver cómo todos los partidos políticos votan por la misma política del saqueo y la represión neoliberal, ya sean comunistas, socialistas, populistas, demócratas o conservadores… Al ver tan inusitado espectáculo se da una fuerte crisis de las luchas ideológicas. Y en ese momento la “utilidad de la virtud” y todo el realismo político-moral de la lucha por “la nueva vida” adquieren una importancia enorme.
Es más: “que la palabra sea la cosa” y que se reconozca “la utilidad de la virtud” permiten redefinir y recuperar el pensamiento profundo de Marx y de su crítica creadora. Llevan a  vincular esa otra fuente del pensamiento y la acción con la cultura de un pueblo  en el que se difunde el poder de la virtud como base de la cooperación y la confianza y de la creación histórica. Desde la vida misma de Martí se enriqueció la profunda intuición de lo que en forma sistemática proviene del marxismo. En el Partido Revolucionario del Pueblo Cubano se incluyó a quienes serían fundadores del primer partido comunista, quienes por su parte contarían entre sus herederos con algunos de los teóricos más brillantes del comunismo latinoamericano, y entre ellos, con Julio Antonio Mella.
El éxito de la Revolución Cubana  y su inmensa capacidad de resistencia serían inexplicables sin la fuerza que significan la moral de lucha y el valor en el combate para la construcción de un mundo que se encamine a la justicia y la libertad, practicándolas al andar. Martí planteó la posibilidad de convencer “con el valor sencillo y la palabra franca” a quienes tienen valor y de suyo respetan la franqueza. Anunció así que: “del valor oculto crecen los ejércitos del mañana”. Pero no se quedó en eso: hizo el elogio de Marx como “organizador incansable.”
Y esta es otra razón por la que resiste y triunfa la revolución cubana: el mito del foco guerrillero en que veinte jóvenes valientes pueden cambiar la historia, nada tiene que ver con el carácter de “organizadores incansables” que tuvieron los dirigentes del “26 de Julio” con las organizaciones de base en Santiago a cargo de Frank País, la de La Habana que originalmente promovió y articuló Armando Hart, o las de la sierra y las playas, éstas últimas a cargo de Celia Sánchez, que fueron quienes descubrieron y salvaron a los náufragos del Granma, y entre otros a Fidel.
En la lucha actual, “vaciada de ideologías” por el imperialismo norteamericano con  la política preconizada por Teodoro Roosevelt de “la zanahoria y el garrote”, hoy en todo su apogeo, la moral es arma vital contra la corrupción. Y el valor y entereza son valiosos recursos  contra la intimidación y el terror. Que moral y valor aparezcan entre contradicciones de  corrupción y traición  no es la característica general de la revolución. Si lo fuera ya habría sido derrocada La característica general es la valentía reflexiva y la honestidad incorruptible de los líderes del proceso revolucionario, y de la inmensa mayoría del pueblo cubano, moral, política y militarmente organizado para defender la justicia social y la independencia nacional en una fusión o “complejo” del pueblo que gobierna mediante un inmenso entramado de colectivos y agrupaciones donde el diálogo, la discusión y el consenso convalidan, corrigen, practican y enriquecen las decisiones fundamentales del poder popular nacional y social con su partido y su gobierno, hechos difíciles de entender en el discurso a que estamos acostumbrados. Y si bien “el hombre nuevo” sigue siendo un hombre con contradicciones, se trata sin embargo de un hombre  que aprende a encauzar o contener sus contradicciones y a confluir en  los consensos y las acciones concertadas.
Dicho de otro modo: Cuba ha podido resistir porque su población sabe muy bien lo que significaría perder la independencia y la justicia social que defiende como poder del gobierno-pueblo, un poder que se  enfrenta con éxito al poder articulado del “complejo” militar-empresarial-y-político del imperialismo, con sus asociados y subordinados…
La democracia en Cuba consiste en que el pueblo sabe que si no defiende a su propio gobierno pierde la soberanía y la justicia social que con los servicios de educación, salud, vivienda y trabajo sigue impulsando el pueblo-gobierno día a día, no sin verse obligado a hacer algunas concesiones como la zona de turismo destinada a allegarse divisas, o el incremento de la propiedad privada y los empleos comerciales que buscan disminuir el peso de una excesiva burocracia, reforma en parte limitada y corregida tras una inmensa auscultación que en este año del 2012 frenó en gran medida los proyectos privatizadores excesivos y desestabilizadores, aunque no haya todavía dado el peso y la importancia necesaria a las cooperativas, y más que nada a  los sistemas de cooperativas de actividades múltiples: agrícolas, industriales y de servicios, horno y escuela de culturas solidarias, y freno de la cultura individualista del mercado… Y como de contradicciones se trata, ¿por qué no señalar la redoblada lucha, contra la corrupción que genera la economía informal, o en que han caído algunos altos funcionarios hoy encauzados judicialmente, e incluso aprisionados, medidas que sin dar fin a  esos graves problemas frenan su peso y el peligro que representan por débiles que sean…  Reconocer y enfrentar a las necesarias contradicciones de toda lucha de los pueblos por la independencia y la justicia social forma parte también del legado martiano y explica por qué resiste y avanza Cuba.
Es indudable que en las condiciones señaladas la lectura de los clásicos del pensamiento emancipador cobra una inmensa originalidad  y supera la simple perspectiva del mundo y el capitalismo global visto desde las metrópolis. Las experiencias y percepciones que se dan en  el  mundo colonial o recolonizado siguen reformulando conceptos y viviendo experiencias que enriquecen la lucha ideológica por la independencia, la democracia, la justicia social y el socialismo. Entre las aportaciones más significativas a nivel mundial destacan con las de Cuba, los planteamientos que “desde abajo y a la izquierda” hacen los pueblos mayas del sureste mexicano, conocidos como zapatistas, con sus aportaciones universales a las autonomías de los pueblos discriminados y oprimidos, a la pérdida del miedo como un elemento epistemológico fundamental, al enaltecimiento de la dignidad y la autoestima frente a las “acciones cívicas” de la guerra contrainsurgente que se ha convertido en guerra de recolonización al servicio del capital corporativo. También destacan las aportaciones de los  pueblos indios descendientes de los Incas y su rica filosofía del “buen vivir”, y a ellas se añaden las experiencias y reflexiones que desde fuera y desde dentro del Estado se dan en Bolivia y Venezuela, y cuyo futuro sólo es viable si entre contradicción y contradicción los pueblos van adquiriendo un creciente poder en los gobiernos, que les permita como “complejo de poder popular-gubernamental” resistir al asedio de las corporaciones y sus apoyos del imperio y de las oligarquías.
En la imposibilidad de referirme en este breve espacio a las reestructuraciones de la lucha de clases y las luchas por la independencia y la democracia que se dan en nuestro tiempo, termino con otro legado de Martí que explica la sorprendente capacidad de resistencia y revolución que muestra Cuba; me refiero al nivel cultural y educacional de su población. Escojo uno entre los muchos pensamientos de Martí sobre la educación y la cultura: “Se debe enseñar conversando,  como Sócrates, de aldea en aldea, de campo en campo, de casa en casa”. Así dijo.  Y eso es lo que hace la Revolución Cubana a lo largo de su historia, no sólo en Cuba, sino en África, en América Latina… Sólo que en Cuba  la organización de las conversaciones para enseñar y aprender, para preguntarse y responderse, para informar e informarse se realiza en colectivos de aldeas, de ciudades, campos, fincas, fábricas, casas, y es parte de la compleja trama para la toma de decisiones en el ir y venir de las líneas de mando del pueblo—gobierno. Con un añadido a lo prescrito por Martí, que desde los primeros discursos al triunfo de la Revolución –y aun antes- Fidel Castro le enseña al pueblo a gobernar, le enseña a tomar decisiones para gobernar, y él por su parte aprende y aprende como construir el sistema de actividades varias y de estrategias para una resistencia de “espectro amplio” que hacen de Cuba hoy–con la impresionante participación de su pueblo-- el país más avanzado del mundo en la difícil lucha por la soberanía nacional, por la democracia y por el socialismo.
Estos son algunos de los “conocimientos ciertos” que permiten comprender por qué resiste Cuba. Muchas gracias.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

NPC - NOTA PÚBLICA CONTRA A VIOLÊNCIA POLICIAL

APÓS PROTESTOS POLÍCIA REALIZA CHACINA NA MARÉ


As favelas da Maré foram ocupadas por diferentes unidades da Polícia Militar do Estado do Rio (PMERJ), incluindo o Batalhão de Operações Especiais (Bope), com seu equipamento de guerra - caveirão, helicóptero e fuzis - ontem, dia 24 de junho. Tal ocupação militar aconteceu após manifestação realizada em Bonsucesso pela redução do valor da passagem de ônibus, como as inúmeras que vêm sendo realizadas por todo o país desde o dia 6 de junho. As ações da polícia levaram à morte de um morador na noite de segunda-feira. Um sargento do Bope também morreu na operação e a violência policial se intensificou, com mais nove pessoas assassinadas, numa clara demonstração de revide por parte do Estado.

Diversas manifestações estão ocorrendo em todo o país e intensamente na cidade do Rio de Janeiro. Nas últimas semanas a truculência policial se tornou regra e vivemos momentos de bairros sitiados e uma multidão massacrada na cidade. No ato do último dia 20, com cerca de 1 milhão de pessoas nas ruas, o poder público mobilizou a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), contando com o Choque, Ações com Cães (BAC), Cavalaria, além da Força Nacional. A ação foi de intensa violência contra a população, causando um clima de terror em diversos bairros da cidade.

Não admitimos que expressões legítimas da indignação popular sejam transformadas em argumento para incursões violentas e ocupações militares, seja sobre a massa que se manifesta pelas ruas da cidade, seja nos territórios de favelas e periferias!

Tal ocupação das favelas da Maré evidencia o lado mais perverso deste novo argumento utilizado pelos órgãos governamentais para darem continuidade às suas práticas históricas de gestão das favelas, de suas populações e da resistência popular. Sob a justificativa de repressão a um arrastão, a polícia mais uma vez usou força desmedida contra os moradores da Maré, uma prática rotineira para quem vive na favela. É importante observar que, quando o argumento de combate a um arrastão foi usado contra manifestantes na Barra da Tijuca, não houve a utilização de homens do Bope, nem assassinatos, mostrando claramente que há um tratamento diferenciado na favela e no "asfalto".

Repudiamos a criminalização de todas as manifestações. Repudiamos a criminalização dos moradores de favelas e de seu território. Repudiamos a segregação histórica das populações de favela - negras/os e pobres – na cidade do Rio de Janeiro.

Não admitimos que execuções sumárias sejam noticiadas como resultado de confrontos armados entre policiais e traficantes. Não se trata de excessos, nem de uso desmedido da força enquanto exceção: as práticas policiais nesses territórios violam os direitos mais fundamentais e a violação do direito à vida também está incluída nessa forma de oprimir.

O governo federal também contribui com o que ocorre nas favelas cariocas, não apenas pela omissão na criação de políticas públicas, mas também por manter as tropas da Força Nacional de Segurança dentro da cidade, reproduzindo o mesmo modelo aplicado pelo governo estadual.

As/Os moradoras/es de favelas e toda a população têm o direito de se manifestar publicamente – mas pra isso precisam estar vivas/os. E o direito à vida continua sendo violado sistematicamente nos territórios de favelas e periferias do Rio de Janeiro e de outras cidades do país.

Exigimos a imediata desocupação das favelas da Maré pelas forças policiais que estão matando suas/seus moradoras/es com a justificativa das manifestações. Exigimos que seja garantido o direito à livre manifestação, à organização política e à ocupação dos espaços públicos. Exigimos a desmilitarização das polícias.

Nós do NPC assinamos a nota, junto com diversas outras entidades. Assinaturas de coletivos devem ser enviadas para: contato@enpop.net

terça-feira, 25 de junho de 2013

Indignação e Ressentimento

Jair Pinheiro*

             A campanha para o impeachment do ex-presidente Collor, em 1992, deu ensejo a um movimento que se autodenominou “pela ética na política”. Não era a primeira vez na história que o tema da corrupção pautava a agenda política, mas talvez seja o período mais longevo do fenômeno, pois nesses últimos dezenove anos a corrupção tornou-se tema central da pauta jornalística, das campanhas eleitorais, do proselitismo partidário e das conversas de ponto de ônibus.
            A partir de então, o tema tornou-se o centro do debate político, gerando nos mais crédulos a convicção equivocada e reducionista de que, controlada a corrupção, todo o resto estaria resolvido. Entretanto, tal convicção sempre concorre com a percepção dos problemas sociais, ou da gravidade deles, para a tomada de posição pelos indivíduos em face das alternativas políticas que lhe são colocadas pelos partidos, pelos movimentos sociais e pela mídia. Evidentemente, esses dois temas e as formas de combiná-los têm pesos diferentes para os indivíduos conforme seu lugar e sua posição de classe.
Para o cálculo político de curto prazo (o que não exclui efeitos visados de longo prazo) das campanhas eleitorais ou, como no presente momento, de reação ao crescimento das lutas populares, o tema da corrupção apresenta algumas vantagens sobre o dos problemas sociais, a saber: toca a todos, gerando um consenso espontâneo e abstrato; seu conteúdo é de fácil assimilação; na aparência sua solução depende de medidas simples de rigor investigativo e punitivo; mobiliza o sentimento de indignação (supostamente contra os maus brasileiros) e o de ressentimento (este, inconfesso, por certo) dos excluídos do butim e separa os bons dos maus, ou seja, os patriotas dos impatriotas, como sugerem as imagens veiculadas à exaustão pelos telejornais da última semana. Como a ideia de ordem orienta toda essa construção ideológica, cria-se, assim, uma disposição subjetiva de apoio à repressão dos que lutam por direitos, supostamente provocadores de desordem.
Por oposição, os problemas sociais não tocam a todos, requerem a construção de consenso sobre o concreto vivido; sua assimilação exige habilidade de interpretar informações; não comportam soluções simples com resultados imediatos nem na aparência; seu encaminhamento precisa mobilizar o sentimento de solidariedade e não separa os indivíduos por critérios morais simples, mas por critérios materiais cujas causas, se debatidas aberta e publicamente, tendem a revelar o que a luta anticorrupção tende a ocultar: o mistério da insolúvel desigualdade social. Como a ideia de direito orienta essa perspectiva, ela assusta àqueles cujos privilégios seriam afetados caso as camadas populares conquistem mais direitos.
É este cálculo político de curto prazo (evitar que a periferia ocupe a rua) e esta manobra ideológica (substituir o debate público e aberto dos problemas pela mobilização da indignação e do ressentimento), com vistas a restabelecer as condições de dominação de longo prazo (a fé cega num sistema representativo que não pode representar todos, a não ser como abstração), que explica a mudança de foco da imprensa sobre as manifestações e a presença de pescadores em águas turvas a partir do momento que aumentou a aprovação popular às manifestações e se desmoralizou a ação repressiva da PM.
Se o exposto até aqui é defensável, como penso que é, a corrupção é um privilégio espúrio, ou seja, oposta a direitos, portanto, deve ser denunciada e combatida. Entretanto, a luta anticorrupção como vem se dando é portadora de um enorme potencial obscurantista na medida em que se insinua na retórica da mídia, dos partidos conservadores e dos pescadores em águas turvas como alternativa à luta por direitos, pois temem o potencial esclarecedor (iluminista) desta luta.


* Professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp/Marília e pesquisador do NEILS – Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais.

A Polícia Militar brasileira e o grande capital

Waldir Rampinelli*


A Polícia Militar, criada durante a Época do Império no Brasil, tinha como objetivo fundamental defender os interesses dos imperadores e manter os privilégios dos latifundiários escravistas. Em alguns estados brasileiros, como no Acre, eram requisitados para fazer parte da polícia militar os jagunços e pistoleiros que estavam a serviço dos exploradores e destruidores das florestas. Lembram do coronel Hildebrando, o homem da motosserra!

Portanto, a polícia militar no Brasil, na sua origem, tem servido e defendido o grande capital e massacrado os movimentos de escravos e trabalhadores que reivindicavam liberdade e direitos sociais. Paga com o dinheiro público, a polícia militar servia os interesses privados.

Com o golpe de Estado cívico-militar de 1964, as polícias militares sofreram um processo mais intenso de militarização em sua formação nas academias e passaram a atuar na repressão a qualquer movimento popular que exigisse democracia e liberdade. Por conta disso, ela se tornou o símbolo da repressão no Brasil. Muitos policiais foram aprender nas escolas dos Estados Unidos técnicas e métodos de como enfrentar e desmantelar o povo organizado. Estes policiais vieram de lá imbuídos da ideologia de segurança nacional, isto é, salvar o Estado burguês e proteger o capital privado, baixando o sarrafo no povo.

Como acabar com esta imagem autoritária e repressora que marca a farda da polícia militar, hoje no Brasil? Só há um caminho: extinguindo a polícia militar brasileira e criando em seu lugar a polícia popular brasileira.

A função de uma polícia popular seria a de proteger o povo, a comunidade e todo tipo de organização que lute por seus direitos sociais, políticos e civis. Para tanto, esta polícia deveria estar integrada na comunidade tendo que ser conhecida e reconhecida por esta mesma comunidade.

Uma polícia popular usaria muito pouco a sua arma e as suas algemas e muito mais a sua capacidade de negociação. Ela seria olhada com autoridade pelas pessoas, não por conta de seus instrumentos de repressão, mas pelo treinamento em dirimir conflitos, em apaziguar enfrentamentos e em cooperar na solução dos problemas locais. Assim como você procura o bombeiro para apagar um incêndio, procuraria a polícia para resolver um problema.

Muitos devem pensar que este tipo de policial é impossível de existir. A própria polícia militar justifica sua violência afirmando que a sociedade também é violenta. Na verdade, a polícia popular já existe em várias regiões da América Latina, principalmente nos municípios em que os povos originários decretaram sua autonomia. Ali a polícia popular é composta por pessoas escolhidas pela própria comunidade, sendo que todos se conhecem e todos os problemas são resolvidos sem o uso da violência.
Tanto que este tipo de policial não porta armas, mas tão somente algemas e, principalmente, ele traz os endereços das pessoas para poder se comunicar com elas.

Isto é possível no Brasil, conquanto que haja uma total mudança na formação da atual polícia militar que ainda é preparada para defender a propriedade da classe dominante e atacar os movimentos populares que reivindicam seus direitos.

Lembro que o aumento das manifestações em todo o país se deveu, em parte, à truculência da polícia militar de São Paulo contra as pessoas que pediam pelo passe livre.

Quero para o meu país uma polícia popular que proteja a sua população e não uma polícia militar que reprima e oprima os movimentos de libertação.

* Docente da Universidade Federal de Santa Catarina. Entrevista à Rádio Onda Jovem, Florianópolis, hoje (25.06.2013) pela manhã.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

MPL-SP responde ao convite da Presidente

Título original: Carta Aberta do MPL-SP à presidenta

24 JUNHO 2013
À Presidenta Dilma Rousseff,

Ficamos surpresos com o convite para esta reunião. Imaginamos que também esteja surpresa com o que vem acontecendo no país nas últimas semanas. Esse gesto de diálogo que parte do governo federal destoa do tratamento aos movimentos sociais que tem marcado a política desta gestão. Parece que as revoltas que se espalham pelas cidades do Brasil desde o dia seis de junho tem quebrado velhas catracas e aberto novos caminhos.
O Movimento Passe Livre, desde o começo, foi parte desse processo. Somos um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomou as ruas do país. Nossa palavra é mais uma dentre aquelas gritadas nas ruas, erguidas em cartazes, pixadas nos muros. Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma reivindicação clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia impossível, provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre foi a nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público. É nesse sentido que viemos até Brasília.
O transporte só pode ser público de verdade se for acessível a todas e todos, ou seja, entendido como um direito universal. A injustiça da tarifa fica mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente deixa de ter dinheiro para pagar a passagem. Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e não às necessidades da população. Pagar pela circulação na cidade significa tratar a mobilidade não como direito, mas como mercadoria. Isso coloca todos os outros direitos em xeque: ir até a escola, até o hospital, até o parque passa a ter um preço que nem todos podem pagar. O transporte fica limitado ao ir e vir do trabalho, fechando as portas da cidade para seus moradores. É para abri-las que defendemos a tarifa zero.
Nesse sentido gostaríamos de conhecer o posicionamento da presidenta sobre a tarifa zero no transporte público e sobre a PEC 90/11, que inclui o transporte no rol dos direitos sociais do artigo 6o da Constituição Federal. É por entender que o transporte deveria ser tratado como um direito social, amplo e irrestrito, que acreditamos ser necessário ir além de qualquer política limitada a um determinado segmento da sociedade, como os estudantes, no caso do passe livre estudantil. Defendemos o passe livre para todas e todos!
Embora priorizar o transporte coletivo esteja no discurso de todos os governos, na prática o Brasil investe onze vezes mais no transporte individual, por meio de obras viárias e políticas de crédito para o consumo de carros (IPEA, 2011). O dinheiro público deve ser investido em transporte público! Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V do 16º artigo da Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) que responsabilizava a União por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem políticas de priorização do transporte público. Como deixa claro seu artigo 9º, esta lei prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o ponto de vista das empresas e não o dos usuários. O governo federal precisa tomar a frente no processo de construção de um transporte público de verdade. A municipalização da CIDE, e sua destinação integral e exclusiva ao transporte público, representaria um passo nesse caminho em direção à tarifa zero.
A desoneração de impostos, medida historicamente defendida pelas empresas de transporte, vai no sentido oposto. Abrir mão de tributos significa perder o poder sobre o dinheiro público, liberando verbas às cegas para as máfias dos transportes, sem qualquer transparência e controle. Para atender as demandas populares pelo transporte, é necessário construir instrumentos que coloquem no centro da decisão quem realmente deve ter suas necessidades atendidas: os usuários e trabalhadores do sistema.
Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013 não foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA. A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo. A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em todas as suas esferas.
A desmilitarização da polícia, defendida até pela ONU, e uma política nacional de regulamentação do armamento menos letal, proibido em diversos países e condenado por organismos internacionais, são urgentes. Ao oferecer a Força Nacional de Segurança para conter as manifestações, o Ministro da Justiça mostrou que o governo federal insiste em tratar os movimentos sociais como assunto de polícia. As notícias sobre o monitoramento de militantes feito pela Polícia Federal e pela ABIN vão na mesma direção: criminalização da luta popular.
Esperamos que essa reunião marque uma mudança de postura do governo federal que se estenda às outras lutas sociais: aos povos indígenas, que, a exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos Munduruku, tem sofrido diversos ataques por parte de latifundiários e do poder público; às comunidades atingidas por remoções; aos sem-teto; aos sem-terra e às mães que tiveram os filhos assassinados pela polícia nas periferias. Que a mesma postura se estenda também a todas as cidades que lutam contra o aumento de tarifas e por outro modelo de transporte: São José dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia, entre muitas outras.
Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa é atender às demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de todo o país. Contra todos os aumentos do transporte público, contra a tarifa, continuaremos nas ruas! Tarifa zero já!

Toda força aos que lutam por uma vida sem catracas!
Movimento Passe Livre São Paulo

24 de junho de 2013

De repente, 60 (ou 2x30)*

Regina de Castro Pompeu

Ao completar sessenta anos, lembrei do filme? De repente 30?, em que a adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta, formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que aconteceu nesse intervalo.
Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade.
Pergunto a mim mesma: onde foram parar todos esses anos?
Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola, aquela filha desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela professorinha ingênua que enfrentou sua primeira turma, aquela virgem sonhadora que entrou na igreja, vestida de branco, para um casamento que durou tão pouco! Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho que hoje tem mais de trinta anos.
Acho que é por isso que engordei, para caber tanta gente, é preciso espaço!
Passei batido pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada demais lutando pela sobrevivência.
Os quarenta foram festejados com um baile, enquanto eu ansiava pela aposentadoria na carreira do magistério, que aconteceu quatro anos depois.
Os cinquenta me encontraram construindo uma nova vida, numa nova cidade, num novo posto de trabalho.
Agora, aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu esperava ser nesta idade e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho todas as manhãs.
Tive o privilégio de viver uma época de profundas e rápidas transformações em todas as áreas: de Elvis Presley e Sinatra a Michael Jackson, de Beatles e Rolling Stones a Madonna, de Chico e Caetano a Cazuza e Ana Carolina; dos anos de chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas e empeachment do presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da invenção da pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS. Testemunhei a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e alguns vexames históricos).
Nasci no ano em que a televisão chegou ao Brasil, mas minha família só conseguiu comprar um aparelho usado dez anos depois e, por meio de suas transmissões, vi a chegada do homem à lua, a queda do muro de Berlim e algumas guerras modernas.
Passei por três reformas ortográficas e tive de aprender a nova linguagem do computador e da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que conheci, aos cinquenta e dois anos, meu companheiro, com quem tenho, desde então, compartilhado as aventuras do viver.
Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos, projetos, faço minhas caminhadas matinais com meu cachorro Kaká, pratico ioga, me alimento e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas ao banheiro), gosto de cinema, música, leio muito, viajo para os lugares que um dia sonhei conhecer.
Por dois anos não exerci qualquer atividade profissional, mas voltei a orientar trabalhos acadêmicos e a ministrar algumas disciplinas em turmas de pós-graduação, o que me fez rejuvenescer em contato com os alunos, que têm se beneficiado de minha experiência e com quem tenho aprendido muito mais que ensinado.
Só agora comecei a precisar de óculos para perto (para longe eu uso há muitos anos) e não tinjo os cabelos, pois os brancos são tão poucos que nem se percebe (privilégio que herdei de meu pai, que só começou a ficar grisalho após os setenta anos).
Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas e os quilos a mais, mas também cicatrizes, testemunhas de algumas aprendizagens: a do apêndice me traz recordações do aniversário de nove anos passado no hospital; a da cesárea marca minha iniciação como mãe e a mais recente, do câncer de mama (felizmente curado), me lembra diariamente que a vida nos traz surpresas nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder.
A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu, lembro de coisas que aconteceram há mais de cinquenta anos e esqueço as panelas no fogo.
Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo ou o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de mim...
Mas, do que é que eu estava falando mesmo?
Ah, sim, dos meus sessenta.
Claro que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm essa prerrogativa, talvez porque não são considerados pessoas inteiras), atendimento prioritário em filas exclusivas, sentar sem culpa nos bancos reservados do metrô e a TPM passou a significar? Tranquilidade Pós-Menopausa?
Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, em minha nova condição de mulher muito sex...agenária!




* Texto premiado como terceiro colocado no Prêmios Longevidade Bradesco de Jornalismo, Histórias de Vida.

domingo, 23 de junho de 2013

DA OCUPAÇÃO DAS RUAS À OCUPAÇÃO DA VIDA:

UMA ANÁLISE DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL ATUAL

Nildo Viana*
20/06/2013

Ocupação é o ato de ocupar, tomar conta de um território ou lugar. Esse é o processo que vem ocorrendo na sociedade brasileira atual. A ocupação das ruas através das manifestações foi um processo que acabou se espalhando e generalizando. Jovens, principalmente estudantes secundaristas e universitários, ocuparam as ruas das cidades para realizar protestos. Em Porto Alegre e Goiânia ocorreram as primeiras ocupações através de manifestações contra o aumento da passagem. Em várias manifestações isto se repetiu e a violência estatal através da polícia no dia 28 de maio em Goiânia, bem como no dia 13 de junho em São Paulo, incentivou um processo de adesão popular crescente ao movimento que ganhou força e espaço em todas as discussões, meios de comunicação e nas próprias ruas. Houve uma crescente ocupação das ruas pela população. A questão do preço da passagem de ônibus foi o estopim, mas novas questões surgiram e se desenvolveram. Agora há a perspectiva de ocupar não apenas as ruas, mas também a sociedade como um todo, a vida em sua totalidade. Esse é o tema que abordaremos agora.

As razões da ocupação das ruas
A ocupação das ruas só ocorreu devido ao fato das ruas não pertencerem à população. A onda de protestos que ocorre na sociedade brasileira é derivada da grande insatisfação com o transporte coletivo (preço da passagem, qualidade do atendimento, etc.) e diversas outras questões sociais. As primeiras manifestações focalizam mais a questão do transporte coletivo, que deveria ser estatal, mas é pertencente à iniciativa privada que visa o lucro e não a satisfação das necessidades dos usuários. O capital transportador, um setor do capital que lucra com a exploração do transporte coletivo, obtém lucros que expressam a transferência de renda da população para os seus cofres. Contudo, essa é uma questão que gera insatisfação na vida cotidiana dos indivíduos, e para as classes desprivilegiadas (proletariado, lumpemproletariado, trabalhadores em geral) o preço da passagem pesa no seu bolso e o aumento gera um descontentamento por isso e ainda ser no contexto de um péssimo serviço prestado (superlotação é apenas o exemplo mais visível desse processo). No entanto, a população está insatisfeita com milhares de outras coisas. No fundo, numa sociedade fundada na exploração e dominação, no trabalho alienado, num processo de constante competição, burocratização e mercantilização de tudo, na qual a vida é alienada, então não falta motivo para insatisfação. Contudo, a força da hegemonia cultural da classe dominante, os meios oligopolistas de comunicação, o papel do Estado, o apoio de outras classes sociais privilegiadas (burocracia, intelectualidade, etc.), a repressão policial, e diversos outros elementos constitutivos da atual sociedade, incluindo os escapismos (televisão, internet, drogas, calmantes, consumismo, etc.) ela não se manifestava. E por qual motivo se manifestou agora?
O motivo principal por ter ocorrido foi o processo que essa sociedade que gera milhares de formas de insatisfação ainda vem piorando as condições de vida das pessoas, ampliando assim a quantidade e intensidade das insatisfações. A emergência do regime de acumulação integral (VIANA, 2009; VIANA, 2003), caracterizado pela constituição do toyotismo e reestruturação produtiva, neoliberalismo e neoimperialismo (“globalização”), promoveu um aumento generalizado da exploração, da pobreza, do desemprego, inclusive nos países imperialistas. Nesse contexto, a estabilidade política nestes países foi suplantada e as revoltas e manifestações passaram a aumentar, bem como nos países já caracterizados por uma alta exploração, e as lutas sociais no México e Argentina apontam para isso. Esse processo tende se ampliar e o caso brasileiro é apenas um sintoma disse, pois tal regime de acumulação, a partir de 1999, começou a dar os seus primeiros sinais de esgotamento. Foi, inclusive, nesse contexto, que emergiram várias lutas (nos casos já citados do México e Argentina, mas também as revoltas na França em 2005 e outras manifestações pelo mundo que foram se tornando cada vez mais cotidiano) e o movimento denominado “antiglobalização” foi uma das consequências desse processo. O período do pensamento único e da hegemonia neoliberal quase absoluta é superado e em seu lugar se retoma concepções revolucionárias (anarquismo, conselhismo, situacionismo) e críticas, e as lutas e manifestações se ampliam, com avanços e recuos, fazendo parte da cotidianidade do capitalismo contemporâneo dominado pelo regime de acumulação integral. O “fim da história” propagandeado por Fukuyama (1992) foi recusado nas ruas e nas mentes de muitos indivíduos, e a hegemonia absoluta do neoliberalismo foi suplantado e apenas uma hegemonia relativa passou a existir.
Mas a sociedade brasileira parecia estar vivendo em um “mar de rosas”. Um governo de um partido denominado “dos trabalhadores”, com uma presidenta com popularidade de 73%, aparecendo como uma grande economia, a sexta no mundo, entre outros elementos que reforçavam a imagem de um país com estabilidade. Isso, no entanto, não aboliu o conjunto das insatisfações existentes e nem teve grandes efeitos na vida cotidiana dos indivíduos, principalmente os das classes exploradas. As condições de vida são extremamente precárias, o processo de exploração se intensificou, os níveis de desemprego são elevados, a precarização do trabalho se ampliou, bem como os serviços de saúde, educação, entre outros, também pioraram, graças às políticas neoliberais dos sucessivos governos até chegar ao atual. E as políticas neoliberais são excessivamente repressivas e voltadas para conter as revoltas, manifestações, movimentos sociais, etc. Como já dizia Bobbio, o Estado neoliberal é mínimo (em gastos estatais e políticas sociais) e forte (em repressão). Por isso produziu a política de tolerância zero e foi chamado pelo sociólogo francês, Löic Wacquant (2001) de “Estado penal”.
Porém, isso não ocorreu agora. A situação já está assim há muito tempo. Contudo, o regime de acumulação integral vai se esgotando, bem como desenvolvendo e ampliando seus problemas de reprodução. A crise financeira de 2008 veio reforçar tal esgotamento e os efeitos no Brasil demoraram um pouco mais e apareceu com um impacto menor. Mas as coisas começaram paulatinamente a piorar, desde o chamado “crescimento econômico” que começou a decair, a inflação que vai aumentando paulatinamente, convivendo com a desilusão de amplos setores da sociedade com o governo supostamente socialdemocrata que no fundo é neoliberal, bem como o descontentamento geral da população com os partidos e governos, bem como o sistema eleitoral (basta ver os índices crescentes de voto nulo, branco e abstenções). As lutas político-partidárias perderam o sentido e a corrupção geral, que atinge todos os partidos, provocam uma recusa crescente da democracia burguesa, chamada também de “representativa”, fundada nas burocracias partidárias e no sistema eleitoral. Assim, dentre os setores mais desiludidos e contestadores se encontra a juventude.
A precarização das universidades vem crescendo paulatinamente e a greve que atingiu quase todas as instituições federais de ensino, devido a isso e nova investida do governo que precarizava ainda mais o que já era precário, foi outro sintoma. As greves conseguiram poucos resultados e a insatisfação nos meios estudantis nessas instituições era visível. O mesmo ocorreu nos institutos federais de educação e tecnologia, as antigas escolas técnicas, bem como no ensino público em geral. E novas investidas do governo Dilma, inclusive a ofensiva contra disciplinas como história, sociologia e filosofia, o que recorda o regime militar, é apenas mais um detalhe e motivo para insatisfação.
Nesse contexto todo, as novas ações das empresas capitalistas e do governo aumentam mais ainda o descontentamento popular e da juventude em especial. O aumento dos preços das passagens, no bojo do descontentamento já existente, inclusive com a reivindicação a muito tempo de passe livre para os estudantes, foi apenas a “gota d’agua”, o copo encheu e transbordou. Os jovens, principalmente secundaristas e universitários, mas aglutinando outros setores da sociedade, protestaram, manifestaram. Não obtiveram grandes êxitos e a resposta dos governos foi, novamente, a repressão, inclusive com violência excessiva e truculência. Além disso, tal como se pôde observar nas afirmações de Fernando Haddad, prefeito de São Paulo e que escreve livros sobre “socialismo”, o governo não iria ceder. A política de endurecimento, não negociação e repressão, se apresentou como semelhante ao caso de alguns países europeus com suas políticas de austeridade e repressão. A repressão violenta contra as manifestações provocou o seu fortalecimento e o apoio popular crescente e novas reinvindicações foram realizadas e nesse processo todo novos setores engrossaram as fileiras do movimento e o conjunto das insatisfações começou a se delinear em diversas manifestações. As ruas foram ocupadas.

As ruas ocupadas e as vidas roubadas
Uma vez desencadeado o movimento de ocupação das ruas pelas manifestações estudantis e que posteriormente se tornou da população como um todo, ampliando as reivindicações e o pensamento crítico na sociedade, a estratégia governista foi alterada, bem como a posição de alguns dos meios oligopolistas de comunicação. A estratégia governista era a repressão e criminalização dos protestos e a imprensa em sua maioria acusava os manifestantes de vandalismo. Com o processo de ampliação da ocupação das ruas, o apoio popular crescente e novos setores entrando na luta, a estratégia governista mudou e o discurso da grande imprensa também. Uma nova “interpretação” passou a circular na imprensa e a criminalização das manifestações passou a ser substituída pelo apoio. Claro que os governos passaram a evitar o uso desmedido da repressão e o aumento do contingente de pessoas participando das manifestações fez com que se buscasse influenciar os rumos do movimento, dando-lhe novo caráter. A estratégia passou a ser: defender o direito e legitimidade das manifestações, desde que pacíficas e controladas pelo Estado. No entanto, como isso não convence aqueles que já estavam engajados nessa luta e certos setores da sociedade, então se buscou produzir uma diferenciação no movimento, colocando que alguns produzem atos de vandalismo e esses podem e devem ser reprimidos. Da repressão generalizada passou-se para a repressão localizada.
A questão é que o discurso dos meios oligopolistas de comunicação também foi mudando e se encaixando nessa nova estratégia. A ideia era a de que já que não era possível evitar as manifestações, cujo estopim foi o movimento inicial e mais politizado, então era influenciar esse movimento, principalmente no caso da parte da população que aderiu a posteriori às manifestações, no sentido de lhe dar a direção. Nesse mesmo momento os partidos políticos começaram a tentar realizar o mesmo movimento de influência, buscando apoiar, mas dando-lhe outro sentido, querendo canalizar as manifestações para seus interesses político-partidários. Os partidos assumidamente de direita passaram a usar os protestos para acusar os governos de outros partidos e a nível geral, os partidos fora do governo federal passaram a focalizar a questão do Governo Dilma. Os pequenos partidos que se dizem de esquerda, mas cujas práticas em pouco difere dos demais, por sua vez, apareceram oportunisticamente nas manifestações com suas bandeiras, o que lhe valeram vaias e contestações.
Assim, o que os partidos, imprensa, governo, etc., buscaram fazer, foi, ao invés de reprimir e condenar as manifestações, apoiar e tentar dirigir as mesmas, buscando transformá-las em luta de partidos ao invés de luta de classes. E isso a suposta “esquerda” apoiou e como sempre contribuiu para desvirtuar o movimento. A transformação da luta de classes em luta de partidos acaba provocando algo diferente do momento inicial das manifestações, quando eram predominantemente estudantis, que é a luta pela hegemonia. A intenção da classe dominante e dos governos é redirecionar o movimento e a existência de inúmeras reivindicações acaba facilitando esse processo. A questão da corrupção, que é uma questão de governos e partidos, passa a aparecer com certa evidência. Sem dúvida, existe a corrupção e é um problema que deve ser trabalhado e combatido. Mas é necessário entender que a corrupção é um fenômeno generalizado que atinge todos os partidos e governos. O problema é canalizar a questão para a corrupção de um governo específico, esquecendo a corrupção do outro governo (não somente os anteriores, mas, por exemplo, abordar a corrupção no governo estadual esquecendo da existente no governo federal, a do partido X e não a do partido Y).
Por isso, o movimento corre o risco de ser reorientando numa direção moderada e que nada resolve na vida da população. Isso será resultado da luta que está sendo travada hoje em diversos momentos e lugares. Se isso ocorrer, vai significar uma derrota. E será uma derrota tão grande que além de terem roubado as vidas das pessoas, o que incentiva a população protestar e contestar, agora roubam até a sua contestação. É isso que aqueles que detém o poder estão querendo: roubar, dirigir, desvirtuar a contestação. Para a população, é necessário retomar o controle da sua contestação e não fazer o jogo da classe dominante. As vidas foram roubadas e agora querem roubar o que restou numa sociedade burocratizada, mercantilizada e competitiva que massacra os indivíduos cotidianamente e que os remédios, os calmantes, ajudam a manter intacta. Contudo, isso gera mais insatisfação, mais possibilidade de contestação e talvez, o que é uma das possibilidades, vá gerar a luta para retomar a vida em sua totalidade, com a população buscando se reapropriar do que lhe foi expropriado.

Uma ocupação da vida?
A vida dos indivíduos, da população em geral, foi roubada. O trabalho alienado, o consumo alienado, o lazer alienado, a vida alienada. A vida da população é dirigida, controlada, por outros. A vida não pertence aos indivíduos. Restou para os indivíduos a luta contra essa sociedade que lhe retira tudo e transforma em mero componente de uma grande engrenagem burocrática voltada para a acumulação de capital que beneficia apenas uma minoria, a classe dominante e suas classes auxiliares. A luta é um dos poucos espaços de liberdade, apesar de ser ela mesmo um campo de luta e que os partidos supostamente de “esquerda” buscam se apropriar. A explosão de manifestações e protestos na sociedade brasileira é expressão desse desejo de liberdade e uma primeira forma de sua concretização. As pessoas vibrando nas ruas por ter um pequeno ato de liberdade, uma euforia contagiante, uma efervescência que acompanha todos os processos revolucionários (Decouflé, 1970).
Contudo, o que os governantes e a grande imprensa buscam fazer é tentar se apropriar dessas manifestações, dirigi-las, o que significa abolir a liberdade existente na luta. Ao controlar a luta, ela perde o seu sentido. Mas é preciso controla-la, da perspectiva do poder, da classe dominante. Isso por dois motivos básicos: a sua força e reivindicações são um perigo para quem detém o poder (e a propriedade privada), já que os governantes não querem atender as reivindicações, pois isso afetaria o lucro das empresas capitalistas e teriam efeitos eleitorais, entre outros, bem negativos para os mesmos e o outro motivo, mais profundo e que é um grande temor da classe dominante, o gosto da liberdade pode gerar a reinvindicação de uma liberdade total, a transformação da vida em sua totalidade. Isso significaria, o que é proposta de muitos setores atuantes nas manifestações, a dispensa dos governos e a reapropriação da vida como um todo.
A luta no interior da luta é uma preparação e uma antecipação de uma vida autêntica, fundada na liberdade e na igualdade. As pessoas que se sentiram mais realizadas e livres nas ruas podem querer que isso se torne o seu cotidiano, a sua vida não em um momento delimitado, mas em todos os momentos, não apenas nas ruas, mas no seu local de trabalho, estudo, moradia. É preciso dar o passo seguinte e ocupar não somente as ruas, mas a vida. Ocupar a vida é tomar conta dela e viver de uma forma que não seja fundada na exploração de classe, na dominação, na opressão, e que ao invés de ser mero meio para a aquisição de lucro para outros, ela seja uma forma de satisfação das necessidades humanas e realização das potencialidades dos indivíduos. Nesse sentido, a ocupação das ruas ganha um novo significado: antecipação e preparação para a ocupação da vida. A abolição de uma sociedade desumana e a constituição de uma nova sociedade, humanizada. A passagem de uma sociedade que existe para reproduzir o capital para uma sociedade cujo objetivo é reproduzir a vida humana. Isso significa que o temor da classe dominante está ligado a um processo real, que pode ou não se realizar, que vai ser o resultado de várias lutas, inclusive a luta pela hegemonia no seu interior. A autogestão social é um desejo humano, mesmo que sem utilizar determinadas palavras ou ter uma concepção mais claro que isso seja, e uma possibilidade, uma tendência e por isso devemos reforçá-la para contribuir com sua concretização.
O importante é que essa possibilidade existe, como sempre existiu, mas em determinados momentos se torna mais provável do que em outros. E, no fundo, o que decide isso é a população, são os indivíduos e suas ações, inclusive superando seus medos e compromissos com a sociedade existente, que provocam o seu massacre cotidiano. Então é hora de ocupar as ruas e lutar por isso e assim contribuir com a ocupação da vida.

Referências
DECOUFLÉ, André. Sociologia das Revoluções. São Paulo: Difel, 1970.
FUKUYAMA, Francis. O Fim da História e o Último Homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.
WACQUANT, Löic. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.

*Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília.

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