Escolas e professores seguem
pouco preparados para lidar com sexo. Incompreensão e preconceitos religiosos
ampliam violência e sofrimentos. Programa pioneiro enfrenta problema
Por Márcia Acioli
A escola brasileira tem sido
convocada a contribuir para o enfrentamento a diversas formas de violação de
direitos. Organizações da sociedade civil cobram da escola educação em direitos
humanos, acreditando, com isso, fortalecer a capacidade de fala e de
participação de estudantes na conquista de direitos, e por consequência, a
criação de clima favorável ao acolhimento de todos os perfis de estudantes que
nela ingressam. O propósito é assegurar educação de qualidade mudando o
panorama de violência, seja pelo fortalecimento dos sujeitos, seja pelo diálogo
que a escola faz com a sua comunidade. Temas como trabalho infantil, exploração
sexual, Estatuto da Criança e do Adolescente e diversidade entram na pauta das
escolas como proposta das políticas de educação federal, estaduais, municipais
e distrital.
Quando o assunto é sexo e
sexualidade os desafios são maiores e os/as profissionais da educação nem
sempre estão preparados/as. Raras vezes as escolas incorporam no seu dia a dia
o trato com questões referentes à sexualidade ou identidade de gênero.
Mesmo na universidade a
situação é difícil. Segundo Marcelo Caetano “o semestre passado (2012) foi o
semestre que eu tive mais problemas com os professores em relação a isso, eu
fiz sete matérias, eu tive que trancar seis, porque os professores não
aceitavam [o nome social].” Revista Descolad@s, Inesc 2013.
Francisco (nome fictício),
adolescente de 16 anos estuda no Distrito Federal. Seus amigos não sabem que
ele nasceu com sexo feminino. Com muito respeito, seus professores o tratam
pelo nome masculino. Assim mesmo ele tem muito medo de ser descoberto pelos
colegas.
Já a adolescente Ana Luiza
(estudante de escola particular em Fortaleza), sofreu constrangimentos por
ocasião de sua identificação na prova do ENEM. Ao receber total apoio da
família se fortalece para seguir seus estudos. Diferente de uma amiga que,
expulsa de casa, encontrou na prostituição a única oportunidade para a sua
sobrevivência.
Portanto, é impensável a escola
se esquivar da responsabilidade perante temas de tamanha importância que tanto
afetam estudantes quanto profissionais e familiares. A transexualidade (falta
de sintonia entre o corpo biológico e a identidade de gênero) ficou abafada por
muito tempo e muitas pessoas permanecem sofrendo em suas respectivas solidões.
A transexualidade ainda é percebida como aberração; no mínimo, uma patologia.
São ideias equivocadas, vastamente desmentidas pela comunidade acadêmica tanto
das áreas de saúde, quanto humanidades.
O 2º Relatório Sobre Violência
Homofóbica elaborado pela coordenação de Promoção dos Direitos LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais e Transgêneros) da secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República revela que de 2011 para 2012 há um aumento
significativo de violência contra a população LGBT, sendo que o Distrito
Federal lidera o ranking. Os jovens de 15 a 29 anos representam 61% das pessoas
afetadas pela violência homofóbica, de onde se conclui que a maior parte ainda
está na escola; provavelmente no Ensino Médio.
Diante deste cenário, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco —
e o ministério da Educação incorporaram a preocupação com as diversidades na
escola. No entanto, é muito difícil emplacar o tema da transexualidade numa
realidade repleta de pessoas conservadoras. Um dos maiores problemas é a
relação promíscua entre religião e escola, a despeito o fato de o Brasil ser um
estado laico. Os materiais produzidos pelo projeto Escola sem Homofobia, por
exemplo, foram condenados à fogueira pelos fundamentalistas de plantão.
O grau de preconceito e de
discriminação que vivem as pessoas transgênero, transexuais e travestis as leva
a esconder seus sentimentos, suas identidades ou a evadir da escola. Como
aponta Berenice Bento, as pessoas trans “sofrem evasão escolar” por meio de
tecnologias cotidianas de exclusão. Seja pela violência transfóbica ou
homofóbica, seja pela inadequação do trato pedagógico estudantes experimentam
um massacre diário para sobreviverem à escola.
Propostas da Conferência
Nacional de Educação Básica em relação à diversidade sexual são simples e
viáveis como: evitar discriminações de gênero e diversidade sexual em livros
didáticos; ter programas de formação em sexualidade e diversidade; promover a cultura
do reconhecimento da diversidade de gênero, identidade de gênero e orientação
sexual no cotidiano escolar; evitar o uso de linguagem sexista, homofóbica e
discriminatória em material didático-pedagógico; inserir os estudos de gênero e
diversidade sexual no currículo das licenciaturas.
O projeto Eu te desafio a me
amar é um convite amoroso para o aprofundamento no tema com uma abordagem
delicada e séria. O projeto, que consta de uma extensa programação, propõe
pautar o tema pelo olhar sensível e estético da fotógrafa Diana Blok e convida
adolescentes do Ensino Médio de Brasília e professores de todas as modalidades
de ensino a debaterem sexualidade e identidade de gênero a partir do vídeo da
mesma autora.
Enfim, a vida escolar é
decisiva para a formação e o desenvolvimento da criança e pode se dar em
ambiente estimulante, tedioso ou excludente. Portanto, se a escola deseja
ocupar seu lugar privilegiado na promoção de cidadania de crianças e
adolescentes, não pode ignorar nenhum público. Precisa acolher, incluir e
garantir o desenvolvimento pleno de todos os meninos e de todas as meninas,
inclusive de todos os meninos que nasceram meninas e de todas as meninas que
nasceram meninos e de todos os meninos e meninas que flutuam em busca de suas
identidades e jeitos de caminhar na vida.
Fonte: Outras
Palavras, 30/04/2014