Maria Deusa Ferreira da
Silva*
Resolvi escrever esse texto
para expressar minha tristeza com vários aspectos da vida acadêmica que venho
vivenciando/observando, os quais passo agora a pontuar. Primeiro, tenho
observado e constatado (outros colegas também) por meio de testes de sondagem que
os alunos têm chegado à universidade (especificamente os que ingressam para
cursarem a área das Ciências Exatas), cada vez mais despreparados em domínios
básicos da matemática para terem as condições mínimas de cursarem as
disciplinas iniciais dos cursos (Matemática, Física e Ciência da Computação).
Isso tem levado a altos índices de reprovação nas disciplinas básicas Cálculo
I, Fundamentos de Matemática, Geometria Analítica, etc. Assim, a grande maioria
dos alunos desses cursos vai colecionando seguidas reprovações, o que é o
primeiro passo para o abandono do curso (a situação do curso de matemática da
UESB/VC é vexatória). Nesse semestre estou ministrando Cálculo I para alunos do
I Semestre de Física e Ciência da Computação (os calouros) e, se, de fato,
tivesse iniciado o curso pelo que realmente trata a disciplina, boa parte da
turma já teria desistido porque não teria a menor condição de acompanhar o
conteúdo. Ao invés disso, iniciei o curso fazendo uma retomada de conteúdos
básicos que deveriam ser trabalhados e/ou aprendidos no Ensino Médio e, mesmo,
assim, observo que muitos deles continuam sem compreender, sem avançar. Às vezes me sinto como se estivesse falando
algo de outro planeta, alguns termos e situações que deveriam ser bem
corriqueiras dizem nunca ter ouvido falar, não lembram, não sabem. Daí vem o
segundo ponto: em um levantamento feito junto aos alunos constatei que mais de
90% da turma de Física e mais de 60% da de Computação são oriundos de escolas
públicas, de diversas cidades da Bahia e até de outros estados. Desse modo, a
falta de domínio de conteúdos mínimos em matemática vem comprovar o estado
caótico da Educação Pública, das quais os alunos saem do ensino médio e
ingressam no ensino superior. Como resolver esse problema? Desde que essa gama
de alunos tem chegado à universidade (não dá para negar que o acesso ficou mais
fácil) não seria papel desta desenvolver ações para garantir a permanência (com
qualidade) desses alunos? O que fazem os nossos dirigentes máximos? Isso me
leva ao terceiro ponto: muito pouco tem sido feito em nossa instituição para
mudar tal situação. Percebendo as dificuldades dos alunos, montei cursos de
nivelamento e conversei e alertei-os sobre a necessidade de estudarem mais, de
permanecerem mais tempo na universidade, em horários fora do horário de aulas e
formarem grupos de estudos para, quem sabe, juntos superarem as dificuldades na
Disciplina Cálculo. A partir disso, constatei vários problemas graves que
impedem a esses alunos de melhorem sua condição (e mesmo os alunos calouros já
se dão conta disso), como por exemplo, o fato de não se ter onde ficar e
estudar na universidade, a nossa biblioteca não comporta, não tem espaço para
todos, não temos bibliotecas setoriais, os livros são poucos, há décadas a
biblioteca não é ampliada, as salas de estudo individual são poucas,
desconfortáveis e insuficientes para atender à demanda; as salas de aula dos
módulos mal atendem às aulas normais e, quando estão vazias ficam trancadas e
os alunos são proibidos de usá-las. Além disso, ficar na universidade e
depender de alimentação é outro grave problema, pois o valor cobrado é muito
alto, fora dos padrões da maioria dos estudantes, sem contar que o nosso RU é
uma piada em termos de tamanho e oferta de alimentação. Ainda, muitos desses
alunos vêm de cidades vizinhas (não tem condições de residir em Vit. da
Conquista) e os precários ônibus que os transportam geralmente chegam depois do
início da primeira aula e vão embora antes do término da última aula. Assim,
como pedir para que os alunos fiquem na universidade se esta não oferece as
condições mínimas de permanência? A universidade existe para quê e para quem?
Qual é o principal objetivo da universidade? Aqui chego ao quarto ponto: esses
questionamentos me levam também a observar/constatar a visão de universidade
que muitos colegas têm. Uma parte não está nem ai para a instituição, não se
interessa por nada que diga respeito a esta, nem mesmo depende unicamente do
salário que dela recebe. Outra parte, especialmente os doutores (muitos com DE)
não estão preocupados com essas questões. Só olham para o próprio umbigo,
acreditam que a universidade existe para atender às suas necessidades docentes
(de pesquisador), estão apenas preocupados com a famigerada produção acadêmica,
quantos artigos terão que publicar por ano, se o periódico é Qualis A, B e por
aí vai, quantos pontos isso vai render no também famigerado Currículo Lattes;
afinal de contas isso é o que importa para concorrer a financiamentos,
projetos, bolsas, manter os mestrados e doutorados acadêmicos com boa nota (A
CAPES exige e poucos se rebelam, quando fazem são taxados de improdutivos,
incompetentes pelos pares). Ainda vale destacar que para muitos desses colegas
o que vale é a sua pesquisa, é o seu grupo de pesquisa. Portanto, só os
mestrados e doutorados acadêmicos é que prestam, afinal de contas eles vão
formar mestres e doutores para academia (o círculo se fecha). Esses se acham os
“salvadores da universidade”, acreditam que geram produção acadêmica de
qualidade, que são insuperáveis, insubstituíveis, etc. Se esquecem do principal
que é o aluno. Também, sabemos que um currículo recheado vai render muitos
pontos e garantir alguns privilégios, por exemplo, conseguir mais bolsistas,
não preocupados com os alunos bolsistas (sempre os melhores dos cursos), mas
consigo mesmos, afinal de contas serão mais pessoas trabalhando para aumentar
ainda mais a produção acadêmica deles. Assim, muitos dizem que trabalham pela
universidade, dão o sangue pela universidade. Mentira! Trabalham para si
mesmos, estão preocupados consigo mesmos, de alimentarem o próprio ego. Não
passam de um bando de egoístas. Em meio a tudo isso, vem o quinto ponto:
estamos em meio a mais uma possível greve da classe docente. O que esperar de
mais uma greve? Vejo muitos reclamando do salário, da falta disso e daquilo,
mas será que estamos realmente interessados em resolver os graves problemas da
universidade? Em cuidar de quem realmente interessa? Em preservar o papel
essencial da Universidade? Não acredito! Vem mais uma greve e após 2 cortes de
salários e algumas promessas malfadadas retornamos às mesmas condições, movida
pela mesma mediocridade e interesses predominantemente individuais.
*Professora Doutora do DCET/ UESB
/VC
Muito boa a reflexão.
ResponderExcluirExcelente comentário.
ResponderExcluirNão é uma realidade só da UESB.