Federico Mastrogiovanni
Cidade do México
08/10/2014
Mais de 40 alunos de licenciatura da cidade de Iguala estão
desaparecidos há duas semanas; corpos encontrados em fossas clandestinas ainda
não foram identificados.
Oitenta estudantes da escola
rural para professores Raúl Isidro Burgos, da cidade de Iguala, viajavam em
ônibus da empresa Costa Line. No dia 26 de setembro, estavam se organizando
para coletar fundos para pagar a escola, uma das tantas instituições rurais
que, no México, representam a única forma de obter um nível de educação
aceitável para milhares de estudantes.
Quando já iam sair dali, alguns
patrulheiros da polícia municipal quiseram parar a caravana, que não quis
parar. Os policiais, então, segundo o testemunho anônimo de um jovem presente
no local, começaram a disparar em direção aos ônibus. A princípio, os policiais
dispararam contra os ônibus, mas, depois de algumas horas, quando os estudantes
davam uma coletiva de imprensa para denunciar o ataque armados contra eles,
outros homens sem uniforme, que muitas testemunhas reconheceram como policiais
municipais, dispararam outra vez e, mais tarde, encheram de balas outro ônibus
no qual viajavam jogadores da equipe local de futebol Avispones.
O saldo foi de seis mortos,
três dos quais estudantes, e vinte feridos. Cinquenta e sete estudantes
despareceram, sendo que vinte deles, como afirmam testemunhas oculares, foram
levados à força por policiais de Iguala e do Estado de Guerrero.
Quase duas semanas depois, 43
estudantes ainda estão desaparecidos. Graças à pressão da imprensa e da sociedade
civil, as autoridades federais encontraram seis fossas comuns clandestinas, com
28 corpos carbonizados. No entanto, apesar da suspeita de que os corpos sejam
de estudantes desaparecidos, os mortos ainda não foram identificados.
Familiares dos desaparecidos
estão mobilizados e têm feito uma série de protestos pelo desfecho das
investigações
O prefeito de Iguala, José Luis
Abarca, suspeito de ter vínculos com a quadrilha dos irmãos Beltrán Leyva,
fugiu da cidade e permanece foragido. Um depoimento também o acusa de ter
matado um líder camponês de Guerrero.
Além disso, foram expostos nas
últimas semanas os vínculos entre a polícia municipal de Iguala e o grupo
criminoso conhecido como Guerreiros Unidos. Na segunda-feira (06/10), esse
grupo divulgou uma nota pedindo a libertação dos 22 policiais presos, acusados
pelo desaparecimento e o assassinato dos estudantes.
“Governo federal, estatal e a
todos que nos apoiam: exigimos que liberem os 22 policiais que estão detidos.
Damos 24 horas para que os soltem ou esperem as consequências. Começaremos a
divulgar os nomes dos funcionários do governo que nos apoiaram. A guerra já
começou”, era o conteúdo da nota.
Repercussão e outros casos
A repressão brutal do Estado
não é novidade nessa região do país: em 12 de dezembro de 2011, a polícia
assassinou dois estudantes que protestavam contra as condições da escola para
professores de Ayotzinapa, em um tiroteio que deixou mais de 20 feridos.
“Nada mudou” afirma Abel
Barrera, diretor da organização de defesa de direitos humanos Tlachinollan,
ativa em Guerrero, que está cuidando do caso dos jovens estudantes. “É o mesmo
padrão de impunidade das forças policiais que permite que continuem cometendo
os mesmos delitos. Não houve qualquer julgamento político por parte do
procurador de Justiça do Estado, nem do secretário de Segurança Pública”.
Um dos jovens assassinados,
cujo corpo foi encontrado no sábado, dia 27 de setembro, perto da zona
industrial de Iguala, estava difícil de ser reconhecido: esfolaram o rosto dele
e arrancaram os seus olhos. Foi o comitê estudantil da escola rural que informou
que se tratava de Julio César Mondragón, estudante do primeiro ano da
licenciatura, procedente da Cidade do México, ao que apelidavam, por esse
motivo, de “o Chilango.”
Outro exemplo de casos de
agressões de policiais ou soldados contra a população civil ocorreu na ocasião
do suposto massacre de 22 pessoas na localidade de Tlatlaya, no Estado do
México, onde, no último dia 30 de junho, elementos do Exército teriam entrado
em confronto com criminosos. Ou, pelo menos, era essa a versão da Secretaria de
Defesa Nacional. Mas uma testemunha, entrevistada exclusivamente pela revista
Esquire, relatou que os soldados fuzilaram os 22 jovens, entre os quais uma
menor de idade, depois de eles terem se rendido. O caso de Tlatlaya pode ser o
massacre mais grave dos últimos anos no México cometido pelo Exército.
“Pode-se falar de um padrão de
justiça com as próprias mãos”, comenta Abel Barrera a Opera Mundi. “Tanto
Tlatlaya como Ayotzinapa são a demonstração da total falta de controle interno
sobre as forças de polícia e militares. A resposta do Estado é a repressão e a
impunidade total. Além disso, há falta de profissionalismo e um enorme
descontrole interno. Não há nenhuma formação para o uso da força e dão armas
letais para administrar a ordem pública. E esses são os resultados”.
A reação da comunidade
estudantil foi a tomada das ruas da cidade de Chilpancingo e uma greve de
trabalho indefinida, para exigir que os culpados pelo assassinato dos
estudantes sejam castigados. Acadêmicos, trabalhadores administrativos nas
escolas e estudantes preparam ações em todo o Estado e estão prontos para
exigir o julgamento político para o prefeito da cidade de Iguala, José Luis
Abarca, e do governador do Estado de Guerrero, Ángel Aguirre Rivero.
Retratos dos desaparecidos
foram espalhados por diversos pontos da cidade de Iguala
A violência e as execuções
extrajudiciais dos últimos meses no México também tiveram como consequência a
intervenção do secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de
Direitos Humanos), Emílio Álvarez Icaza, que fez um pedido para os casos de
assassinato dos municípios de Tlatlaya e Iguala: “É uma questão que preocupa e
gostaríamos que a mensagem seja poderosa do Estado de Direito. O simples fato
que essa discussão esteja acontecendo, de um cenário possível de execução
extrajudicial ou de justiça com as próprias mãos, é da maior gravidade, e é
extraordinariamente importante que o Estado mexicano mande uma mensagem
poderosa de investigação judicial”.
A organização Tlachinollan,
assim como outras organizações, e a escola Raúl Isidro Burgos exigem conhecer o
paradeiro das vítimas de desaparecimento forçado e a investigação dos
responsáveis pela violência. Nesta quarta-feira (08/10), estão programadas
manifestações em todo o país em apoio aos jovens de Ayotzinapa. A pauta desses
protestos é a renúncia do governador Rivero e o esclarecimento dos fatos em
Iguala.
Fonte: Opera
Mundi
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