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por Ceupes Sociais Usp, quarta, 25 de Janeiro de 2012 às 13:08
A atual gestão do Centro Universitário de Pesquisas e Estudos Sociais (CeUPES) da USP vem por meio desta nota repudiar a ação de reintegração de posse promovida pelo governo, pela justiça e pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, no último domingo, dia 22 de janeiro, na bairro do Pinheirinho, localizado em São José dos Campos.
No ano de 2011, os estudantes de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo e o seu centro acadêmico, objetivando aproximar a academia, os movimentos sociais e a sociedade, organizaram a sétima edição da Semana de Ciências Sociais (SeCS), que teve como eixo temático os problemas das cidades brasileiras. Na ocasião, lideranças da ocupação do Pinheirinho foram convidadas, fazendo parte da mesa de debate intitulada “Realidades da habitação”, ao lado do cientista político Prof. Dr. Lúcio Kowarick (USP) e da arquiteta Profa. Lizete Rubano (Mackenzie). A partir das atividades ocorridas nessa semana, pudemos entender melhor uma das grandes questões políticas do nosso país que é a questão da habitação. Com essas reflexões em mente, reconhecemos ser necessário retomar o debate sobre as questões de moradia, encarando-as como um direito básico, e não como um privilégio.
No Brasil, a dinâmica da urbanização opera de uma forma nefasta; a especulação imobiliária responde pela ultravalorização das regiões centrais e assim afasta as famílias mais pobres dos centros das cidades. Por consequência, força a ida para as periferias e subúrbios, onde a infraestrutura é escassa (quando há) e o acesso ao trabalho e ao lazer tem como condicionantes longas jornadas em um transporte público de baixa qualidade.
Nesse cenário de luta por moradia que surgiu o Pinheirinho. Como bairro, o Pinheirinho existe desde 2004, quando passou a ser o lar de quase 2 mil famílias, totalizando cerca de 9 mil pessoas, a partir de um processo de ocupação. Por mais de duas décadas o terreno esteve abandonado, quando da instalação das famílias e com uma história de oito anos, o Pinheirinho - até o cumprimento da trágica reintegração de posse - figurou como a maior ocupação da América Latina. Segundo informações da Folha de S.Paulo de 20 de agosto de 1969, o terreno que atualmente chamamos de Pinheirinho era de propriedade da família de sobrenome Kubizky.
A família Kubizky, composta de quatro irmãos idosos e solteiros, foi assassinada (em um caso não muito bem resolvido até hoje), sem deixar herdeiros. Iniciou-se desde então um longo processo de disputas judiciais, no qual, segundo informações da mesma Folha, até a Universidade de São Paulo poderia ser uma das beneficiadas com a doação do terreno. Desde então, o que ocorreu foi que o terreno acabou sendo “herdado” pelo Estado e, mais para frente, doado pelo Estado a Naji Nahas. Levanta-se, inclusive, a possibilidade de grilagem da terra. Até pouco tempo atrás, o terreno fazia parte da massa falida da Empresa Selecta S.A., propriedade de Naji Nahas – conhecido por escândalos como a quebra da Bolsa do Rio de Janeiro na década de 1980 e pelo seu envolvimento nos escândalos da Operação Satiagraha da PF.
Há algum tempo o governo federal e a CDHU ofereceram à prefeitura de São José dos Campos um plano de regularização da área do Pinheirinho com fins de regularizar a área para fins de moradia, mas a prefeitura de São José dos Campos deixou o plano de lado. Desde o dia 9 de janeiro deste ano, os moradores do Pinheirinho passaram a viver sob forte pressão e temor, com as ameaças e intimidações físicas e morais da Policia Militar do Estado de São Paulo que, por meio de seu comando, estava decidida a pôr em prática a reintegração de posse expedida em um mandado de novembro de 2011, pela Juíza Márcia Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos. Conforme os dias passaram, a ação da PM foi se tornando cada vez mais violenta. As ameaças e intimidações tornaram-se cada vez mais constantes, a exemplo dos panfletos que foram despejados a partir de Helicópteros pela PM que pedia aos “cidadãos de bem” que se retirassem do local o quanto antes.
Do início do ano, até o cumprimento efetivo da reintegração de posse neste último domingo (22), o que vimos foi a queda de braço entre diversas instituições. Entre suspensões e revalidações dos mandados de reintegração de posse, até a branda tentativa do governo federal de mediar o conflito, e a intervenção da justiça federal na questão, até sexta-feira (20) a ordem de reintegração de posse estava suspensa pela justiça federal. A empresa Selecta S.A. também já havia aceitado acordo judicial suspendendo o despejo. Na contramão do acordo que visava solução pacífica e, principalmente, digna para as quase 2.000 famílias que residiam no Pinheirinho, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (ambos do PSDB), a justiça estadual e a Polícia Militar do Estado de São Paulo empreenderam uma operação violenta e desumana sobre a ocupação do Pinheirinho. O episódio foi classificado como ilegal pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, e como um “completo absurdo” pelo Secretário Nacional de Articulação Social, Paulo Maldos.
É compartilhado por diversos setores da sociedade o entendimento de que a ação do poder público no local está sendo absolutamente imprópria, uma vez que está ausente qualquer compromisso das instituições do Estado de São Paulo e de seus comandos com o bem-estar dos moradores e moradoras do Pinheirinho. Além de ilegal, a operação da Polícia Militar de São Paulo se mostra sistematicamente despeitosa com a vida, com a dignidade e com os direitos humanos de milhares de cidadãos que, insistimos, reivindicavam apenas o direito a um teto para suas famílias. Faltou, por parte das instituições do Estado de São Paulo e do Município de São José dos Campos, compromisso público e respeito aos direitos individuais e sociais que a população do Pinheirinho, como plenos cidadãos brasileiros, tem.
Vivemos em meio a um contexto no qual se torna cada vez mais recorrente o uso brutal da força policial e de todo o seu aparato contra grupos desarmados e merecedores do diálogo, e não da violência. Como exemplo, os acontecimentos na USP ao final de 2011, na Cracolândia e na ocupação do Pinheirinho, já em 2012, guardam semelhanças que não são ocasionais. Por um lado, ano após ano, percebe-se a omissão do governo quanto aos problemas latentes na sociedade paulista: educação, transporte, moradia, abuso de drogas, segurança. Enquanto a política é (mal) “administrada”, a população fica jogada à sua própria sorte ao longo do tempo, em detrimento de um olhar social para os grandes problemas do Estado de São Paulo. No Pinheirinho, homens, mulheres, crianças e idosos, além de terem sido alvos de balas de borracha, sprays de pimenta, e diversos outros tipos de violência física e psicológica, tiveram seus pertences e suas casas incendiados e destruídos. Como se não bastasse, depois da reintegração de posse, a Prefeitura de São Jose dos Campos está negligenciando ajuda e, desabrigadas, as famílias já dormem pela segunda noite na Igreja Nossa Senhora do Socorro, próxima das imediações do terreno.
Em sequência, há outra similaridade entre todos estes casos: a violência, a brutalidade contra os já oprimidos e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais como “modo de operar” a política pelo governo estadual. No primeiro sinal de intensificação de um problema – seja pela manifestação dos(as) cidadãos(ãs), seja pelas suas expressões nas ruas das cidades – o governo estadual e a PMSP não hesitam em coordenar verdadeiras operações de guerra. Esta é uma dinâmica que vem se repetindo cada vez com mais frequência no Estado de São Paulo, afastando qualquer possibilidade de tratar a violência e os abusos por parte dessas instituições como “fato isolado”.
Acreditamos ser fundamental que os(as) estudantes levem para a sociedade a luta contra uma política cada vez mais pautada na brutalidade como método para resolver os problemas sociais decorrentes de um sistema econômico injusto, que em nome da “ordem social” reprime os mais fracos e vulneráveis. Assim, repudiamos veementemente a ação brutal de reintegração de posse ocorrida no Pinheirinho, a qual ousamos classificar de política de Estado.
É preciso dizer que nos solidarizamos com as famílias do Pinheirinho, reconhecendo suas lutas pelo direito à moradia e à dignidade, bem como a violação dos mesmos pelas imposições do poder econômico e pela omissão do poder público. Também reconhecemos seus direitos à resistência e à justiça, sistematicamente violados pela opção das instituições do Estado de São Paulo em ignorar os direitos de milhares de cidadãos em prol de interesses privados, especulativos e quiçá até criminosos, quando da promoção de um verdadeiro massacre.
Por fim, colocamo-nos ao lado de tantas outras entidades e personalidades, num amplo arco de indignação que se forma em torno deste repugnante episódio. Sobre ele, esperamos justiça, tanto por parte da sociedade brasileira, reconhecendo que a moradia é condição para a dignidade humana, quanto por parte das autoridades competentes, que não permitam que esse massacre continue, esperando que as violações ocorridas sejam apuradas e seus culpados devidamente condenados.
Gestão Aroeira – CeUPES 2011/2012.
25 de Janeiro de 2012
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