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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Tod@s somos Pinheirinho, aqui e agora

Às vezes, os jargões ganham vida. A luta continua.



Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida*

 Os lutadores e lutadoras do Pinheirinho foram desalojados e vivem uma situação muito difícil, extremamente difícil. No entanto, sua luta, que é nossa luta, continua.  Sob certos aspectos, cresce e deve crescer ainda mais.

 Também no Brasil a direita cresce, mas carece, em especial no que se refere a setores da classe média e da burocracia de Estado, de fortes direções políticas, mesmo no plano partidário. O PFL-DEM vive espasmos e os tucanos se atritam o tempo todo, enfraquecendo-se reciprocamente. Já a grande burguesia, se enchendo de lucros, mas em pânico diante de crises no curto prazo, divide-se entre o apoio ao governo e a distância prudente, sempre aberta para quaisquer planos b, c ou z.

A política parafascista de Geraldo Alckmin não é simples sadismo de um tresloucado. Possui certo grau de coerência, desfruta de sólidas bases sociais e expressa uma aposta clara.

Como alguns analistas já observaram, trata-se de apresentar São Paulo como o estado que premia todos os que querem prosperar, dos cidadãos contribuintes, que vencem por seus próprios méritos e possuem o legítimo direito de manter o que conquistaram fora do alcance dos desordeiros e fracassados e, portanto, inimigos do alheio. Caso ganhe, ele se cacifa como o grande paladino da direita brasileira. Neste sentido, incrementa a militarização da cidade de São Paulo, viola direitos de dependentes químicos pobres, suja as mãos com o sangue do Pinheirinho e, se achar que deu certo, continuará na mesma toada. Já anuncia novos e violentos despejos de sem-teto ou, para usar uma linguagem elegante, “reintegrações de posse”.  O pessoal ligado à especulação imobiliária sorri até as orelhas, mas não percebo aplausos entusiásticos de amplos setores da burguesia. É melhor não cutucar o povo com vara curta e, se o governo federal –  na cola do anterior –  sabe como lidar com ele, que dê certo enquanto dure. O neonacionaldesenvolvimentismo não atropela os interesses da grande burguesia (capital imperialista incluso). Por outro lado, caso a situação fuja ao controle, é importante que alguém se apresente para restaurar a ordem.

O governo Dilma não tem qualquer pretensão de mexer na atual correlação intraburguesa de forças, exceto no sentido de se fortalecer gradualmente. A ideia é capturar cada vez mais os segmentos da burguesia que apoiam o tucanato e promover políticas sociais compensatórias. No plano eleitoral, o objetivo tático mais importante é vencer as eleições para a prefeitura de São Paulo, até para, na sequência, ganhar o governo da “locomotiva”. Isto implica, como diziam os antigos, comer pela beirada do prato e apostar no erro do adversário, até porque este se desespera. Aqui se trata mais de expressar sensibilidade social e jamais de estimular a “desordem”. Pode-se até amparar os lutadores e lutadoras do Pinheirinho, desde que... parem de lutar. Dilma declarou no Fórum Social Mundial que o tratamento dado a eles foi “bárbaro”, mas não se solidarizou com a luta deles nem, no calor da chacina, protestou contra o tiro que o representante do governo federal recebeu da PM paulista. Afinal, argumenta Eduardo Cardozo, existe um pacto federativo e “não podemos” nos intrometer nos assuntos paulistas. E hoje, Lula não somente recebeu a visita de Alckmin, nos Hospital Sírio-Libanês, como trocou sorridente abraço com o tucano que mandou atirar contra o povo organizado. Os dois personagens não são aliados partidários nem adeptos das mesmas políticas sociais. Mas a prática é o critério da verdade. Exigimos que o governo federal desaproprie a área e a devolva, em condições adequadas, a seus moradores e moradoras.  Enquanto isso, que lhes assegure, com ou sem participação do governo estadual, condições de moradia digna.

Neste complexo tabuleiro onde a pequena e a grande política se misturam o tempo todo, talvez já seja possível sinalizar alguns elementos de análise.

O primeiro deles é que o Pinheirinho produziu a mais radical e politizada manifestação coletiva de sem-teto, ao menos neste início de século. Depois dos mitos do fim da questão agrária no Brasil; da impossibilidade de articulação de lutas de empregados e desempregados; da inércia final e fatal de amplas categorias de trabalhador@s (como na construção civil, setor bancário, metalúrgicos etc.); cai o lero-lero de que os impactos da presença estatal, da indústria cultural e do narcotráfico tornavam impossível a ação política dos sem-teto nos grandes centros urbanos.

O segundo é que, por mais que a chamada grande imprensa tente ocultar, o assunto é político. Na conjuntura, a linha divisória principal passa entre quem é a favor da vitória ou da derrota do Pinheirinho. É claro que existe um amplo meio de campo dos sem informação, sem posição formada, onde se encontram milhões a serem sensibilizados pelos que ousaram se levantar sem pedir favor aos dominantes. Mas uma coisa é certa: com toda a heterogeneidade deste campo, se alguém é a favor do Pinheirinho e contra a política do governo Alckmin, dá pra conversar. Se for a favor do açougueiro do Morumbi, não tem acordo. Do contrário, com ou sem a presença de Alckmin, esta política parafascista se expandirá rapidamente pelo país.

Enfim, o que pode ser uma boa notícia. Apesar da vitória militar do demotucanato e da cobertura que este, como de praxe, obteve da grande imprensa, a luta do Pinheirinho obtém vitórias onde as classes populares brasileiras perdem todas nos últimos anos: na luta ideológica. A manifestação dos cineastas na cerimônia do Prêmio Governador do Estado para a Cultura em São Paulo (presença do carniceiro do Morumbi) foi fantástica; o ato político unitário do 25 de janeiro teve ótima repercussão; juristas críticos começam a se manifestar inclusive no âmbito internacional; ao menos um respeitável jornal estrangeiro critica o governo paulista e – melhor ainda – os grandes meios de comunicação  brasucas; e vários destes, inclusive na internet, já se reposicionam e fazem uma cobertura mais cautelosa do embate.

Se não atuarmos com toda a persistência e urgência possíveis nesta conjuntura, deixaremos passar uma oportunidade histórica para o avanço da luta política dos dominados neste país.

A urgência se deve ao aspecto contrário: a extrema fragilidade atual dos lutadores e lutadoras do Pinheirinho. Em uma escola e dois dos três centros poliesportivos, continuam cercados e controlados pela polícia. E todos os alojamentos são precários: fervem sob o sol e gelam durante toda a noite; falta água, comida, roupa (fraldas inclusas), material de limpeza  e – o que também é importantíssimo – lazer, especialmente a criançada. É preciso denunciar tudo isso o tempo todo. É preciso encontrar meios políticos de retirar a polícia destes locais. É preciso organizar redes de solidariedade que levem os recursos materiais e culturais necessários. Aqui, de fato, somos tod@s Pinheirinho.

Longe de filantrópicas, estas ações de solidariedade e antibarbárie podem ser políticas e politizadoras, inclusive de nós mesm@s.

Parafraseando Gramsci, abriu-se um momento em que a vontade pode ter razão em seu otimismo.

Ousar vivê-lo é o nosso desafio.

*Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida é professor do Departamento de Política da PUC-SP.

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