08/04/2014
(Imagem: Paul Gauguin, Três Haitianos (1899)). Indicador alternativo
desafia ideia essencial ao capitalismo, ao sugerir que riqueza monetária não
equivale a bem-estar. Novos critérios produzem resultados surpreendentes
A divulgação da pesquisa
sobre Indicadores de Progresso Social 2014 (IPS) [leia o relatório principal, o
resumo e a metodologia] vem agregar peso à transformação de como calculamos os
resultados econômicos e o desenvolvimento. Sem ser economistas ou entender de
contas nacionais, muitos já se perguntam há tempos como casam no Brasil os
imensos avanços sociais e econômicos que vivemos, além um desemprego que é o
menor da história, com taxas modestas de crescimento PIB, tão atacado como
“pibinho”. É que a cifra que tanto encanta a mídia, o PIB, simplesmente não
mede o que queremos medir, que é o progresso, ou em todo caso o reflete de
maneira muito parcial.
A iniciativa da ONG
Social Progress Imperative é um refresco, ao medir o que importa, ao fazê-lo de
maneira sistemática, com metodologia clara e que permite comparabilidade.
Depois da edição experimental e limitada de 2013, a de 2014 cobre 132 países,
com correções e ajustes. Publicada em dois volumes, um de resultados e análises
por país, e outro de metodologia, a pesquisa constitui um aporte significativo
para a compreensão das transformações que vivemos.
É verdade que esta
iniciava vem apenas reforçar metodologias como o Happy Planet Index, o Genuine
Savings Indicators, o FIB (Felicidade Interna Bruta) e sobretudo o movimento
Beyond GDP na União Européia. Mas a contribuição de nomes como Michael Porter,
da Universidade de Harvard e de outras instituições de peso, vai materializando
a nossa lenta evolução para medidas que façam sentido. O apelo mundial para
irmos além do PIB, lançado neste sentido há alguns anos por Joseph Stiglitz,
Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, dos quais os autores do IPS se declaram
devedores, está dando frutos.
O teórico da
iniciativa, Patrick O’Sullivan, vai direto ao assunto: “É realmente
indefensável continuar a usar o PIB como se de alguma forma medisse o bem
estar, e é confortante se dar conta que o próprio Kuznets, o pai fundador da
medição sistemática do PIB, já nos tenha alertado que “o bem-estar de uma nação
dificilmente pode ser inferido da medida da renda nacional” (Met.26) Este ponto
de partida define a filosofia do esforço empreendido.
“Tornou-se cada vez
mais evidente que um modelo de desenvolvimento baseado apenas no
desenvolvimento econômico é incompleto. Uma sociedade que deixa de assegurar as
necessidades básicas, de equipar os cidadãos para que possam melhorar a sua
qualidade de vida, que gera a erosão do meio ambiente, e limita as
oportunidades dos seus cidadãos não é um caso de sucesso. O crescimento
econômico sem progresso social resulta na falta de inclusão, descontentamento,
e instabilidade social. Um modelo mais amplo e mais inclusivo de
desenvolvimento requer novas medições, com as quais os que gerem as políticas e
os cidadãos possam avaliar a performance nacional. Temos de ir além de
simplesmente medir o Produto Interno Bruto per capita, e tornar a medição
social e ambiental parte integrante de como medimos os resultados”.(11)
Este enfoque permite
organizar os indicadores em torno aos interesses reais das pessoas. O índice,
no seu conjunto, busca responder a três questões: (26)
1) O país assegura as necessidades mais
essenciais da sua população?
2) Os fundamentos básicos que permitam aos
indivíduos e às comunidades alcançar e sustentar o seu bem estar estão
assegurados?
3) Há oportunidades para todos os indivíduos
alcançarem os seus plenos potenciais?
Para nós no Brasil
este enfoque menos centrado no crescimento econômico e diretamente dirigido ao
bem estar da população é de uma grande ajuda. Em torno a estes três grandes
eixos, o IPS apresenta indicadores básicos, quatro por eixo, que são por sua
vez desdobrados em 54 indicadores mais detalhados. Conseguiram cifras
razoavelmente confiáveis para 132 países, o que torna o IPS um complemento útil
inclusive para o sistema básico das Nações Unidas, os Indicadores do
Desenvolvimento Humano (IDH), que acrescenta aos dados tradicionais da renda
indicadores de educação e de saúde.
Um outro elemento
metodológico importante é que o IPS busca indicadores de resultados, não de
insumos (outcome index, not inputs). Ou seja, um país que investe muito em
saúde construindo hospitais de luxo e priorizando a saúde curativa, em termos
de investimentos está realizando um grande esforço (inputs), mas os resultados
(outcomes) serão pífios em termos de população saudável. E se trata de medir
este último objetivo.(Met.5) A cidade de São Paulo gastou rios de dinheiro em
viadutos, túneis, elevados e automóveis particulares com o resultado de
paralisar a cidade. Esta paralisia, ao gerar mais custos para todos (inputs),
aumenta o nosso PIB. Seguramente não o outcome queremos, que é a mobilidade
urbana. Medir pelo enfoque dos resultados é muito importante.
Em termos
metodológicos ainda, é natural que haja discussões sobre a objetividade na
escolha dos indicadores. Patrick O’Sullivan (Universidade de Grenoble e de
Varsóvia) apresenta aqui, no volume de Metodologia, um excelente artigo teórico
sobre os indicadores e os seus limites. Os vieses são honestamente assumidos:
“Vamos assumir abertamente que esta posição (do relatório) apoia-se em
fundamentos que constituem certos juízos de valor normativos, que deixaremos
explícitos e transparentes, e mostraremos, por mais chocante que este uso
explícito de um discurso normativo possa parecer, a pesquisadores de ciências
humanas orientados para o positivismo, que na realidade toda ciência humana é
irremediavelmente carregada de valores de qualquer modo.” (Met. 25)
No Brasil, este
realismo quanto aos valores implícitos, apoiado nas visões de Gunnar Myrdal,
nos ajudaria bastante, frente à deformação sistemática das análises sobre os
avanços do país na mídia comercial. Mas este alerta deve ser observado
inclusive para os dados do IPS: por exemplo, os dados relativos à propriedade
privada são, neste relatório baseados na fonte da Heritage Foundation, um Think
Tank da velha direita norte-americana, que seguramente consideraria a nosso
Constituição, com a sua visão da função social da propriedade, como subversiva.
O enfoque adotado, por exemplo, permite jogar para baixo o IPS da China, que é
o país que de longe tirou mais pessoas da pobreza no planeta – cerca de dois
terços da redução mundial. Aqui a carga de valores é realmente explícita.(106)
Os resultados da pesquisa
Na parte da análise
dos resultados, uma das tendências mais interessantes mostra uma forte
correlação entre o aumento do PIB e a melhoria na área das necessidades
básicas, (no caso nutrição, água e saneamento, habitação e segurança) mas
apenas para os mais pobres: “As necessidades humanas básicas melhoram
rapidamente quando o PIB per capita aumenta, nos níveis baixos de renda, mas
depois (a tendência) se torna mais horizontal (flattens out) à medida que a renda
continua a aumentar”. (54)
Para nós isto é muito
importante, pois mostra que o aumento de renda nos extratos mais pobres melhora
radicalmente o progresso social em geral. Em outros termos, o dinheiro que vai
para a base da sociedade é muito mais produtivo em termos de resultados para a
sociedade, o que bate plenamente com as pesquisas do IPEA sobre a produtividade
dos recursos. As pesquisas da ONU sobre o IDH chegam à mesma conclusão:
“Rendimentos mais elevados têm uma contribuição declinante para o desenvolvimento
humano”. O New Economics Foundation (NEF) de Londres chega à mesma conclusão,
ao analisar o “retorno social sobre o investimento” (SROI – Social Return On
Investment), e considera que a adoção desta metodologia “é particularmente
oportuna quando as organizações estão buscando tornar cada libra render o
máximo possível”. (NEF, 2009) Estamos aqui no centro do problema da baixa
produtividade econômica gerada pela concentração de renda, confirmando os
efeitos multiplicadores que gera a redistribuição, inclusive para o próprio
PIB.
Centrar-se no
progresso social, ou seja, no resultado que queremos efetivamente para a nossa
vida, e não no PIB, permite por sua vez evitar deformações flagrantes que o IDH
atenua apenas em parte. Assim países exportadores de petróleo, como a Arábia
Saudita, o Kuait e Angola, que pela exportação de recursos naturais aparecem
com uma renda per capita elevada, mas não asseguram o bem estar que estes
recursos deveriam gerar para a população, são aqui avaliados de maneira diferenciada,
como under-performers, ou seja, países com um crescimento distorcido. Por outro
lado, constata-se a alta correlação entre o PIB e o indicador de acesso à
informação e comunicação, “amplamente baseado no fato que o acesso à telefonia
móvel e à internet está ligada à capacidade aquisitiva do consumidor”.(59)
Para nós esta
dimensão é importante para pensar e contabilizar a contribuição das exportações
primárias: qual é a sua produtividade social real, em termos de geração de
empregos, de impactos ambientais, de retenção ou expulsão de mão de obra para
as cidades como por exemplo no caso da pecuária extensiva? A visão geral do
relatório é que “de modo geral, países ricos em recursos têm mais propensão a
ter uma baixa performance em termos de progresso social, relativamente ao seu
PIB per capita”.(53)
Na análise
igualmente, o texto apresenta uma forte correlação entre os indicadores IPS e
outras pesquisas baseadas em avaliações de percepção de qualidade de vida pelas
pessoas: “Há uma relação altamente positiva e significativa entre a satisfação
com a vida e o progresso social, e em particular na dimensão de Oportunidades.”
(69) Outro dado significativo é que “o indicador de sustentabilidade ambiental
é o que menos está relacionado com o PIB.” Os indicadores médios indicam uma
forma de “U”, sugerindo que os pobres ainda não afetam o meio ambiente,
enquanto os países na fase média de avanço econômico tendem a deteriorá-lo,
passando a buscar a sua recuperação ao alcançar níveis de renda mais elevados.
(59)
O Brasil na pesquisa
O Brasil aparece bem
na foto. Importante lembrar que se trata apenas de uma foto, pois o índice é
novo e não permite comparação no tempo, ou seja, a dinâmica da mudança. De
qualquer forma, vale a pena dar uma olhada nos dados.
O Brasil ocupa o 46º
lugar entre 132 países, com um índice médio geral de 69,957. A Colômbia ocupa o
52º lugar, México 54º. O PIB per capita brasileiro utilizado na pesquisa é de
10.264 dólares em valores de 2012. Os dados sintéticos para o Brasil são os
seguintes:
Dados Sintéticos
|
Brasil (46º)
|
EUA (16º)
|
Argentina (42º)
|
PIB per capita (US$) |
10.264
|
45.336
|
11.658
|
Score médio geral |
69,957
|
82,77
|
70,59
|
Necessidades básicas |
71,09
|
89,82
|
77,77
|
Fundamentos do Bem-estar |
75,78
|
75,96
|
70,62
|
Oportunidades |
63,03
|
85,54
|
63,38
|
Para ter uma
referência, os Estados Unidos ocupam o 16º lugar, com um PIB de 45.336 dólares,
e um índice médio geral de 82,77. Os dados sintéticos norte-americanos são
muito desiguais, com respectivamente 89,82 para necessidades básicas, 75,96
para fundamentos de bem estar (praticamente iguais ao Brasil), fruto dos
últimos trinta anos de neoliberalismo naquele país, e 85,54 em termos de
oportunidades – índice puxado em particular pela expansão do acesso à educação
superior, onde o Brasil é, pelo contrário, muito fraco. A Argentina, por sua
vez, que ocupa o 42º lugar, tem um score geral de 70,59, um PIB per capita de
11.658 dólares, e apresenta no geral índices parecidos com os do Brasil.
Detalhando um pouco para os 12 principais grupos de indicadores, temos a
situação seguinte:
Nível dos 12 principais indicadores
|
Brasil
|
EUA
|
Argentina
|
Nutrição e cuidados básicos de saúde |
92,02
|
97,82
|
94,62
|
Água e saneamento básico |
81,64
|
95,77
|
95,65
|
Habitação |
73,20
|
87,99
|
60,75
|
Segurança pessoal |
37,50
|
77,70
|
60,07
|
Acesso ao conhecimento |
95,43
|
95,10
|
94,53
|
Acesso à informação e comunicação |
67,69
|
81,33
|
69,54
|
Saúde e bem estar |
76,05
|
73,61
|
70,56
|
Sustentabilidade |
63,94
|
53,78
|
47,83
|
Direitos da pessoa |
74,94
|
82,28
|
66,55
|
Liberdade pessoal |
69,38
|
84,29
|
73,61
|
Tolerância e inclusão |
61,77
|
74,22
|
64,53
|
Acesso à educação superior |
38,09
|
89,37
|
48,83
|
Impressionante os
Estados Unidos, com um PIB quatro vezes e meia maior do que o Brasil, terem um
indicador de saúde e de bem estar (esperança de vida, morte por doenças entre
30 e 70, taxas de obesidade, mortes por poluição do ar, taxa de suicídios) significativamente
pior do que o Brasil. Situação pior ainda em sustentabilidade, devido em
particular à massa de emissões de gazes de efeito de estufa, uso da água além
das reservas e redução de biodiversidade e habitat natural. A Argentina, aliás,
fica pior ainda neste quesito. Os itens críticos para o Brasil, naturalmente,
são os de segurança, com 37,50 pontos, e de acesso à educação superior, com
38,09 pontos.
Na análise dos
autores, “entre os países dos BRICS, o Brasil apresenta o perfil de progresso
social mais forte e mais “equilibrado” (the strongest and most “balanced”).
Apresenta alguma fraqueza em Necessidades Humanas Básicas (puxada pelo score
muito baixo de 37,50 para Segurança Pessoal), mas apresenta uma performance
consistentemente boa em todos os componentes tanto dos Fundamentos de Bem Estar
como de Oportunidades, com exceção de Educação Superior (38,09, 76º).”(50)
Comparando com o
conjunto dos BRICS, o relatório considera que “quatro dos cinco BRICS fazem
parte do quarto nível, inclusive Brasil (46º) com um score de 69,97, África do
Sul (69º) com 62,96, Rússia (80º) com 60,79, e China (90º) com 58,67. A Índia
fica fora dos 100 primeiros em termos de progresso social, com um score mal
superando 50. Os países da América latina estão bem representados no quarto
grupo. Argentina 42º, Brasil 46º, e Colômbia, México e Peru colocados nos
lugares 52º, 54º e 55º respectivamente”.(45)
No plano propositivo,
ao comentar o Brasil, a análise sugere que “apesar do Brasil apresentar uma
performance relativamente boa no componente Sustentabilidade do Ecossistema,
precisa enfrentar questões ambientais urgentes, tais como a redução do
desmatamento essencialmente frutos da especulação sobre o solo, da pecuária
irregular, e de projetos de infraestruturas; o controle dos gases das emissões
de gases de efeito estufa pelo setor industrial; e o acesso à eletricidade com
tecnologias eficientes em termos de custos e ambientalmente amigáveis. |O
Brasil tem cerca de um terço das florestas tropicais do planeta e pelo menos 20
por cento da biodiversidade do planeta. #Progresso Social Brasil tem focado os
seus esforços iniciais na região amazônica.”(36)
Os dados completos
por país estão nas páginas 85 e seguintes do relatório principal. Vejam a
tabela geral dos indicadores utilizados, disponível na p. 28 do relatório
principal:
NEF – New
Economic Foundation, “Social Return on Investment”
Fonte: Outras Palavras
Nenhum comentário:
Postar um comentário