No dia 04 de
setembro a Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” realizou uma audiência
pública, para marcar a retomada dos trabalhos de investigação e identificação
dos restos mortais resgatados de uma vala clandestina no cemitério Dom Bosco,
no Bairro de Perus, São Paulo/SP.
O Cemitério Municipal Dom Bosco
foi parte integrante do sistema de repressão, durante a ditadura militar. Foi
construído em 1971, na gestão do então prefeito de São Paulo, o Sr. Paulo
Maluf, e utilizado para indigentes e vítimas do regime ditatorial. Fazia parte
do projeto original a construção de um crematório, o que causou estranheza e
suspeitas, pois havia inclusive impedimento legal para cremar cadáveres de
indigentes.
O projeto do crematório foi
abandonado em 1976 e no mesmo ano as ossadas que haviam sido exumadas em 1975 e
amontoadas no velório do cemitério, foram enterradas na vala comum clandestina.
Em 04 de setembro de 1990 essa
vala foi aberta e descobertas 1.564 ossadas de indigentes, presos políticos e vítimas
dos esquadrões da morte. Posteriormente esse número foi reduzido a 1.049, por
serem de crianças, portanto mais frágeis, e que deterioraram muito a ponto de
ser impossível a identificação.
Argumenta-se que essas ossadas
de crianças foram colocadas na vala clandestina por se tratarem de crianças
vitimadas pela meningite em uma epidemia da doença que as autoridades tentavam
esconder. Há também possibilidade de, dentre essas ossadas, estarem a de
adolescentes vítimas do esquadrão da morte.
Estima-se que dentre as 1.049
ossadas restantes possam estar os restos mortais de pelo menos quatro
desaparecidos políticos, cujos nomes estão no livro do cemitério, sendo eles
Francisco José de Oliveira, Grenaldo de Jesus da Silva, Dimas Casemiro e
Hiroaki Torigoi.
Na audiência ficou claro a
desídia com que as autoridades trataram o tema até hoje. Isso porque as ossadas
foram diversas vezes transportadas e acomodadas de forma totalmente indevida, o
que as deixou em péssimas condições. Passaram pela UNICAMP e pela USP, sem que
as investigações fossem concluídas, e em tais locais foram armazenadas de forma
totalmente indevida, em sacos plásticos ou de tecido, sem temperatura adequada,
sofrendo inclusive enchentes, cuja umidade era mantida devido ao armazenamento
em sacos, enfim, não houve nenhum cuidado para que se as ossadas não se
deteriorassem ainda mais, e assim a identificação pudesse de fato ocorrer.
Até esse momento o processo de
busca da identificação das ossadas estava paralisado. Porém a constante luta
dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e dos movimentos sociais
impulsionou a retomada dos trabalhos e a união de esforços da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), da Comissão Especial sobre
Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e
Cidadania de São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da
Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”.
As denúncias com relação à
ausência de iniciativas de resolução da questão da vala de Perus já vinham
sendo feitas pelos familiares há anos e, depois de muita luta, juntamente com a
Comissão da Verdade, foi possível uma parceria com a UNIFESP, e a criação de um
Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, o primeiro do Brasil com
características de multidisciplinaridade, e com a colaboração de sete peritos
de institutos de antropologia forense da Argentina e do Peru.
No ato também foi relembrado o
valor histórico da retomada dos trabalhos da vala de Perus buscando a identificação
dos restos mortais lá encontrados, pois ainda hoje existem valas comuns,
pessoas desaparecendo, grupos de extermínio, principalmente nas periferias, ou
seja, ainda há muitos resquícios da ditadura.
Além disso, é uma dívida que o
Estado Brasileiro tem com os familiares que tiveram seus entes violentamente
torturados e assassinados e jogados numa vala comum, sem sequer a possibilidade
de fazer um sepultamento digno a eles. Além disso, órgãos como o Instituto
Médico Legal não fornecem documentos que tem a posse e que poderiam auxiliar os
familiares na procura pelos restos mortais.
A vala clandestina de Perus é
mais um capítulo tenebroso da Ditadura Militar ainda não esclarecido, e que
reafirma como ainda há muito a se conquistar na luta por memória, verdade e
justiça, como a punição aos torturadores e a imediata abertura de todos os
arquivos!
Assista o documentário MártiresAnônimos e conheça mais da história da vala de Perus.
Raquel Brito, assessora da
Comissão da Verdade Rubens Paiva
Fonte: A
Verdade
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