Por Cláudio Marques*
O anúncio de que a empresa Cabral Mineração, subsidiária da australiana Cabral Resources, vai explorar minério de ferro possivelmente na Serra do Gergelim, próxima ao distrito de Iguatemi, e que ainda terá uma unidade da empresa em Livramento de Nossa Senhora, capaz de gerar 850 vagas de emprego, deixou grande parte dos moradores do município eufóricos e esperançosos em melhorar de vida.
A população vê com bons olhos a chegada da mineradora multinacional na região e acredita que a inércia, a miséria, a pobreza (mais da metade da população), que assolam o município durante décadas, devem chegar ao fim ou ao menos ser amenizadas.
No entanto, é preciso revisitar a história brasileira e perceber que nossas riquezas estão sendo saqueadas desde o período colonial pelos países ricos à custa da exploração do trabalhador brasileiro, com a conivência da oligarquia, dos empresários e do Estado burguês brasileiro, sem retorno social para o nosso povo. O processo de rapinagem pelas empresas estrangeiras tem sido tão violento ao longo do tempo que grande parte de nossa cobertura vegetal fora devastada e os nossos rios e mananciais, contaminados.
Não precisa ser especialista do sistema capitalista para entender que a maior parte da riqueza gerada por mineradoras multinacionais fica concentrada nas mãos de empresários estrangeiros. Como bem sabem os países pobres da África e América Latina, que há mais de cinco séculos veem suas riquezas serem saqueadas, multinacionais ou transnacionais são grandes empresas que se apropriam dos recursos naturais de países pobres e de países em desenvolvimento econômico, mandam para o seu país de origem, depredam o meio ambiente, exploram mão de obra barata e ainda, por consequência, prejudicam a saúde da população.
Historicamente, para o trabalhador brasileiro, que é o grande produtor, por exemplo, de toda a riqueza material do país, não sobra nada a não ser um ou dois salários mínimos, que impede sua ascensão social, e uma jornada de trabalho exaustiva. Desde os índios, passando pelos negros africanos (mão de obra por muito tempo escravizada), o trabalhador brasileiro vem sendo explorado, subjugado e repreendido pelos países imperialistas com a complacência das classes dirigentes brasileiras, que se utilizam da polícia para a manutenção de seus privilégios.
O exorbitante investimento feito pela companhia australiana, na ordem de R$2,2 bilhões, demonstra a grandiosidade da obra e o quanto ela deve lucrar com a exploração de nossas riquezas naturais, sob a subserviência do prefeito de Livramento e do estado burguês baiano, responsável por oferecer um pacote de incentivos, inclusive o financiamento em bancos públicos e redução de tributos estaduais por 72 meses. Esse tributo pago ao governo, é bom lembrar, é irrisório quando comparado à lucratividade da empresa.
Em 2008, movimentos sociais, igrejas, ONGs, Pastorais, Sindicatos e Associações e representantes de vários municípios baianos denunciaram, em manifesto, que as mineradoras chegam à região “trazendo promessas de riqueza com a geração de empregos para os municípios”. Porém, diz o manifesto, “diversos exemplos de empreendimentos do setor em todo o estado comprovam que estes postos de trabalho ocorrem apenas no período de implantação das empresas, sendo posteriormente reduzidos para um número muito pequeno que exigem mão de obra especializada, nem sempre encontrada na região”.
Desse modo, acreditar que o município de Livramento terá progresso social com a chegada de uma mineradora multinacional é o mesmo que acreditar que as extensas propriedades de manga e maracujá geram desenvolvimento social ao município.
Pelo contrário, geram subempregos (diária de cerca de R$12 reais, ausência de recolhimento dos encargos sociais e previdenciários, FGTS), com jornadas de trabalho exorbitantes nos períodos da safra, destroem e poluem o meio ambiente (envenenamento da fauna e flora, decorrente da aplicação desregrada e abusiva de defensivos agrícolas e outros produtos químicos utilizados na indução da frutificação), esgotam o nosso bem maior, que é a água (atualmente o município passa por racionamento), e prejudicam a saúde da população com a contaminação dos alimentos por agrotóxicos.
Estima-se que o faturamento anual da produção obtida com a irrigação gire em torno de R$1 bilhão, mas toda essa riqueza fica concentrada nas mãos da elite agrária. A Prefeitura, por sua vez, tem participação zero no resultado da produção.
Nesse sentido, a disputa entre o prefeito e ex-prefeito de Livramento para provar a paternidade da vinda da empresa de mineração para o município, visando conquistar resultados positivos aos seus candidatos nas eleições municipais deste ano, é tola e impensável. Ao invés de proteger as riquezas de nossas terras e, com elas, sustentavelmente, alavancar o desenvolvimento social do município estão, na verdade, dando-as de mãos beijadas para o capital externo.
Por outro lado, a geração de empregos, discurso propalado por multinacionais a fim de viabilizar sua expropriação das riquezas dos países, não provoca emancipação do trabalhador: ao contrário, ele permanece na sua condição de explorado na sociedade e se perpetua como gerador de riqueza para as classes dominantes.
Não obstante isso, o gestor atual e o anterior, ao defenderem a vinda da mineradora para o município, contribuem com a dilapidação do meio ambiente (desde alterações na paisagem, contaminação da água, a qualidade do ar e do solo, poluição sonora, até a destruição de espécies animais e vegetais) e da saúde dos trabalhadores e moradores da região (o pó da extração mineral suspenso no ar causa, nas pessoas que têm contato permanente com ele, doenças respiratórias gravíssimas).
Em Caetité (embora lá a extração seja de urânio, os impactos ambientais e sociais são bem parecidos com o da exploração de jazida de minério de ferro) um estudo da Plataforma Dhesca Brasil denunciou uma provável contaminação da água que abastece a região ao entorno da mina de urânio no município e impactos no meio ambiente e na saúde dos moradores. Vários poços foram fechados, em 2008, após um estudo solicitado pelo Greenpeace detectar alto índice de radioatividade da água, acusação comprovada pelo Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ).
A população agora teme beber água contaminada, produzir alimentos e não ter como vendê-los e ainda conviver com a iminência de cânceres. O progresso econômico, devido à grande exploração de urânio, ao contrário do que diz a burguesia, não vem acompanhado de progresso social: a riqueza fica concentrada nas mãos de poucos empresários.
A princípio, não se sabe se vai haver reuniões com a população de Livramento para dar esclarecimentos sobre a exploração de jazida de minério de ferro na região. Uma obra dessa magnitude exige, antes de qualquer coisa, uma discussão aprofundada com a participação de especialistas, de órgãos ambientais e de saúde, além do acompanhamento de órgãos de defesa dos direitos humanos, caso haja, por exemplo, remoção forçadas de famílias na região.
Não podemos esquecer que, historicamente, a atividade de mineração é a que tem mostrado o nível mais baixo de compromisso social e ambiental em comparação, por exemplo, com a exploração de petróleo. É um dos setores mais conservadores e mais resistentes a ajustes ambientais. No caso do minério de ferro, o de melhor aproveitamento, como relatou o site O Mandacaru, 60% da produção vira lixo. E todo o descarte, com seu potencial de degradação e danos à saúde é lançado no meio ambiente.
Segundo o professor de Engenharia Ambiental da PUC, do Rio, Carlos Gabaglia, a mineração é a atividade econômica líder de poluição tóxica nos Estados Unidos, responsável por quase metade da poluição industrial relatada no país. No Brasil, de acordo com ele, a participação da mineração na poluição é possivelmente maior, em função da posição relativa dessa atividade na produção econômica nacional e de uma fiscalização mais frouxa. E acrescenta: “quem desejar mesmo ver o intenso grau de degradação ambiental causado por minas de ferro, basta ir a cidades como Itabirito, em Minas Gerais”.
Com base em experiências passadas e presentes, a exemplo de Caetité, não resta dúvida de que a grande beneficiadora dessa exploração de jazida de minério de ferro na região será a mineradora multinacional. Qualquer especialista ambiental sabe que os danos gerados nas áreas onde são desenvolvidas mineração são irreversíveis. A destruição ambiental e, consequentemente, a enfermidade de nossa saúde serão os principais legados deixados por ela.
Portanto, não temos nada a comemorar. A lucratividade oriunda da extração mineral ficará nas mãos de uma minoria e os prejuízos ambientais para toda a população atual e também futura. Sem uma revolta e contestação popular a nível nacional nossas riquezas naturais continuarão sendo usurpadas por grandes corporações capitalistas a troco de dependência econômica, depredação ambiental e perpetuação da pobreza dos trabalhadores.
(*) Graduando do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)
Fonte: Mandacaru da Serra
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