25/09/2014
Em duas décadas, Brasil
multiplicou acesso ao ensino e recursos para financiá-lo. De nada adiantará, se
não enfrentarmos desafios da inovação e qualidade
A política de educação no
Brasil avançou significativamente, nas duas últimas décadas. O acesso à escola
foi praticamente universalizado, na faixa etária compreendida entre 6 e 14 anos (ensino fundamental). Ampliou-se,
também, entre 15 e 17 anos a partir da vigência do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2006. E com a aprovação
da Emenda Constitucional 59, de 2009, que torna obrigatória a etapa da educação
infantil intitulada de pré-escola, a demanda por matrículas entre 4 e 5 anos de
idade terá de ser integralmente atendidas até 2016.
Apesar de ainda termos cerca de
3% de crianças fora da escola, na faixa etária compreendida entre 6 e 14 anos e
um número maior entre 4 e 6 e entre 15 e
17 anos, pode-se dizer que o direito à educação tem sido contemplado, mas
também é preciso perguntar como este direito é atendido.
Precisa-se, então, qualificar o
direito à educação, para atingir o que se denomina por educação de qualidade,
que, de acordo com estudantes de ensino médio do Distrito Federal significa:
“Aquela que fortalece a identidade e estima dos/das estudantes; que é
participativa e coletiva; com pluralismo étnico-racial e combate às
discriminações; que estimula a diversidade de corpos, amores, solidariedade;
que ao invés de conservar, liberta”.
E disseram mais, que para se
ter educação de qualidade necessita-se de “direito à cidade”; ataque aos
preconceitos; “educação para além das escolas”; “ser direito e não ser
comercializada”; “estímulo à cidadania”; “consciência ambiental”. E que
educação de qualidade não existe hoje. Apesar de avanços educacionais,
precisa-se de uma reforma ampla nas formas de ensino e aprendizagem para que se
possa atingir este objetivo.
Para entender os motivos que
levam cerca de 50% dos estudantes que ingressam na escola não acessarem o
ensino médio ou abandonarem esta etapa antes de concluída, o Inesc — Instituto
de Estudos Sócio-Econômicos — realizou, em parceria com o Unicef, oficinas em
quatro escolas de Brasília com o intuito de escutar os próprios adolescentes. E
o que se ouve o tempo todo é que se faz necessária uma reforma do ensino,
outras metodologias, outros currículos, outras abordagens, pois a escola está
ficando na estrada. Há novas maneiras de ver e fazer coisas, novas visões de
mundo e a instituição escola se dá ao direito de não percebê-las.
Nas oficinas, foram utilizados
materiais produzidos pela campanha realizada pelo Unicef, em parceria com a
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “Fora da Escola Não Pode e na Escola
sem Aprender Também Não”. Com base em dados do IBGE, constatou que o perfil de
quem está excluído ou com risco de abandonar a escola é formado majoritariamente
por jovens do sexo masculino, negros, que
vivem em famílias de baixa renda e tem pais ou responsáveis com pouca
escolaridade.
O mais curioso, ou corroborador
desse relatório, é que as pesquisas realizadas nas quatro escolas de ensino
médio do DF encontraram dados semelhantes, com base na percepção de parte da
comunidade escolar das quatro diferentes regiões de Brasília: Plano Piloto,
Gama, Guará (que atende em maioria alunos da Cidade Estrutural) e Paranoá.
E como se pode verificar, os achados
de pesquisa dialogam com as desigualdades brasileiras, de renda, de raça/cor,
de escolaridade, sem falar que quando se olha mais detidamente veem-se
estampadas também as desigualdades regionais. Seja com relação às diferentes
regiões do Brasil, seja nas diferentes regiões das áreas metropolitanas. Por
exemplo, na pequena amostra brasiliense percebe-se as maiores dificuldades de
aprendizagem entre os estudantes da Estrutural, por ser a região que abriga o
lixão do Distrito Federal e sua população ser formada por maioria de catadores
de materiais recicláveis, quase todos negros, com baixíssima ou nenhuma
escolaridade e renda.
Portanto, sem medo das
generalizações, o que ficou claro no processo de formação e pesquisa com os
adolescentes, constatado no relatório gerado, é que o necessário para promover
uma revolução na educação pública, além dos recursos pelos quais se mobilizou durante
o processo de votação do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, é
leveza de alma para mudar. Propor novos currículos, repensar o que se acredita
ser disciplina e a que e a quem ela serve, perceber as mudanças culturais que
estão acontecendo em velocidade máxima e discuti-las no âmbito das mudanças
curriculares.
Além de dialogar com a
sociedade sobre as desigualdades. Ou, assumir as desigualdades para
resolvê-las. Para isso, não bastam ações governamentais, mas algo no âmbito da
própria educação e da cultura. Já há várias iniciativas em curso, como as cotas
raciais, a proposta de criminalização da homofobia (que ainda não se
conseguiu), as cotas universitárias para alunos de escolas públicas, programas
como Prouni, por exemplo. No entanto, isso não basta, é preciso, acima de tudo,
que governos e sociedade, como um todo, revejam princípios e saiam para além de
suas cercanias. Reflitam sobre anos de violações de direitos e queiram outros
modelos e outras práticas.
É preciso tirar o véu que encobre
fatores promotores e reforçadores de novas e velhas formas de desigualdades,
que passam pela manutenção de privilégios para poucos iluminados, que continuam
resolvendo processos eleitorais por meio de financiamento de campanhas
políticas, por exemplo. Ou a coleção de impostos regressivos, que faz com que
aqueles que ganham até três salários mínimos comprometam 50% da renda com
tributação indireta. Com opções de políticas culturais que continuam a
favorecer os mesmos em detrimento das manifestações locais. Ou quando pensam em
dar acesso à cultura propõem levar
cultura até a favela e não em contribuir para que a cultura da favela se
mantenha viva.
Para que a educação se realize
como educação de qualidade é preciso, de fato e não apenas no discurso, que
parte da sociedade que perpetua preconceitos e agudiza desigualdades, se
conscientize de que direitos são para todas as pessoas e não apenas para os
“humanos direitos”.
Fonte: Outras
Palavras