por Inês Castilho,
11 de maio de 2014
Encontro dos Atingidos pela
Copa aponta efeitos destrutivos do esporte quando reduzido a espetáculo e
convoca novos protestos. Texto coletivo | Imagem Mídia
Ninja.
Cerca de 400 representantes de
comunidades atingidas pelas obras da Copa e outros movimentos sociais
participaram do Encontro dos Atingidos – Quem perde com os megaeventos e
megaempreendimentos, que aconteceu de 1º a 3 de maio em Belo Horizonte.
Organizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), o
evento mostrou as dificuldades e conquistas da resistência às obras da Copa do
Mundo, das Olimpíadas e também de outros processos vividos por negros, índios,
pescadores, trabalhadores informais e estrangeiros que estão trabalhando no
Brasil.
“A Copa evidenciou problemas
que não eram percebidos claramente pelas próprias pessoas atingidas”, disse
Ângela Rissi, do Fórum Nacional dos Ambulantes. Para Ângela, em meio à desgraça
trazida pelas obras, houve o fortalecimento da luta contra a higienização das
cidades, que vem sendo promovida com a desculpa do Mundial.
Exemplos de resistência se
sucederam, traçando o quadro das diversas regiões do país. Atingida pelas obras
do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, Sheila Mota, moradora na Vila
Dique, fez um depoimento emocionante. “Nossa comunidade está sendo removida
para um local conhecido como Faixa de Gaza, que tem guerra de facções, e nossos
filhos estão sendo mortos”, disse ela, que já perdeu um filho neste processo e
acabava de perder mais um familiar. “Meu genro foi assassinado hoje pela manhã.
E porque ele foi assassinado? Por conta da Copa!”, disse ela, que recebeu
solidariedade num coro de “Gilberto, presente!”, em homenagem ao falecido.
Enriquecer
os ricos e criminalizar os pobres
A Copa do Mundo no Brasil é um
instrumento para fazer avançar de modo ofensivo o atual modelo de sociedade
excludente, concentrador de riquezas e opressor. A economista do Instituto de
Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), Sandra Quintela, recordou que
todas as atividades humanas giram em torno de um mercado global sustentado por
um sistema capitalista que, por sua vez, é fundamentado no individualismo, na
competitividade, no machismo e patriarcalismo, e que exclui todos que não
contribuem para ele e não vivem da maneira imposta, como os camponeses,
extrativistas e indígenas. “A Copa é uma bela desculpa para este modelo que
beneficia os de cima. Seus projetos ganham rapidez e escala”.
Sandra também alertou que as
dívidas dos municípios em função do evento poderão resultar em crises, nos
próximos três anos. “As cidades foram estimuladas a se endividar”, disse,
destacando que durante a preparação do Mundial elas foram autorizadas, pela Lei
12.348, a tomar novos empréstimos, mesmo que sua dívida total já estivesse
acima da receita líquida real. Apontou ainda as isenções fiscais concedidas ao
Comitê Organizador Local (COL) e demais empresas ligadas à promoção da Copa,
assim como a alteração na Lei de Licitações, que passou a permitir a uma
empresa executar uma obra sem o projeto definitivo.
A economista acredita que esses
gastos com infraestrutura e mobilidade seriam feitos no país, independentemente
da realização da Copa. O evento, contudo, contribuiu para que fossem feitos de
forma acelerada, sem planejamento ou controle social. “É um modelo todo voltado
para o interesse privado. É a cidade-produto, cidade-mercadoria, pensada para
os hotéis, os turistas”.
Crescem os lucros e a repressão
Para o representante do Comitê
Popular do Distrito Federal (DF), Chico Carneiro, o modelo da Copa serve para
aumentar o lucro das grandes empresas a partir da isenção de impostos. Com a
Copa, disse ele, os grandes empresários fazem mais rápido o que já faziam, e
mais do que já faziam, para avançar o projeto de cidade excludente.
“São 250 mil removidos ou
ameaçados de remoção. A violência e a repressão contra a população de rua, os
ambulantes, os profissionais do sexo já aumentou sensivelmente, para além dos
jovens e dos moradores da periferia. E agora, a repressão é feita com
equipamentos de última geração, importados de Israel”, afirmou. Para ele, a
proposta de restringir a participação popular e de aumentar a segregação,
jogando os pobres para longe, ganha força com as leis de terrorismo e de
exceção. Destaca que não se trata de um projeto só para as doze cidades-sede e
nem vai terminar com a Copa. “A luta deve ser feita a partir do protagonismo
dos atingidos, de quem sofre na pele a opressão, a partir de cada comunidade e
de cada setor. Além de local, a resistência é nacional e internacional, mas é
na rua que vamos construir a nova política, o novo projeto de sociedade. Por
isso é tão criminalizada”, avaliou Chico.
“Não
temos direito a nada”
Marilene de Jesus Novaes, do
Quilombo Rio dos Macacos, da Bahia, levou para a plenária a experiência de quem
sofre diariamente os impactos de um governo que opta pelos “de cima”. “Estamos
sendo atingidos por este modelo que viola direitos. Reivindicamos 300 hectares
para nossas 67 famílias, mas estão nos pressionando para que aceitemos 86
hectares. Implantaram uma vila militar no meio do quilombo. Não podemos pescar
na barragem. Até o direito de ir e vir não está sendo respeitado. A Marinha de
Guerra nos desrespeita, não temos mais direito a nada. Derrubam nossas casas.
Somos discriminados. Ficamos sujeitas a situações de estupro”, lamenta
Marilene. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do
Executivo para o Legislativo a autoridade de titular terras quilombolas e
demarcar terras indígenas, não pode ser implementada de jeito nenhum,
ressaltou.
Presentes, Grécia e África do Sul
O jornalista sul-africano Niren
Tolsi e a ativista grega Chará Tzouma participaram da mesa “Copa das
mobilizações, como fortalecer lutas”, e falaram sobre os impactos negativos dos
megaeventos para a maioria da população de seus países na Copa de 2010 (África
do Sul) e nas Olimpíadas de 2004 (Atenas). “Existem muitas semelhanças entre o
que está acontecendo no Brasil agora e o que aconteceu na África do Sul. As
pessoas estão sendo removidas de suas casas, as crianças e os vendedores
ambulantes são expulsos dos seus lugares. E a polícia aumentou sua opressão
sobre as pessoas comuns, principalmente quando elas estão mobilizadas e
organizadas”, afirmou Niren Tolsi. Chará Tzouma ressaltou as formas de
organização política que emergiram em seu país após os movimentos de
resistência às Olimpíadas de 2004 e, principalmente, depois das grandes
manifestações que aconteceram em resposta à crise econômica europeia.
“Que
um grito de gol não abafe a nossa história”
Os movimentos sociais que
participaram do encontro planejam mobilizar-se já antes do Mundial. Todos foram
convocados para participar do Dia Internacional de Luta contra a Copa, marcado
para 15 de maio. O encontro foi encerrado com um ato no centro da capital
mineira, denunciando violações de direitos e despejos forçados.
A carta “Que um grito de gol
não abafe a nossa história”, aprovada na plenária final, reivindica o fim dos
despejos e remoções, o combate ao tráfico de mulheres e à exploração sexual de
crianças e adolescentes, a anistia de militantes processados durante os atos do
ano passado, o fim da violência policial, a democratização dos meios de
comunicação e a gratuidade do transporte público, reconhecido como direito
social.
O documento convoca a população
a se manifestar: “Estar nas ruas durante a Copa do Mundo é um ato de
fortalecimento da democracia e de um novo modelo de país que avance na
participação direta do povo e na construção de políticas públicas efetivas em
favor da justiça e igualdade social”. A íntegra do documento pode ser acessada
em www.portalpopulardacopa.org.br.
Cobertura colaborativa: Katia
Marko, Roger Pires, Fidélis Alcântara, Eduardo Amorim, Pedro Rocha, Patrícia
Bonilha, Argemiro Almeida, Anna Galeb, Larissa da Silva Araújo, Leandro Anton e
Roberto Lopes.
Fonte: Outras
Palavras
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