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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Os gritos de gol e as cidades-mercadoria

por Inês Castilho,
11 de maio de 2014

Encontro dos Atingidos pela Copa aponta efeitos destrutivos do esporte quando reduzido a espetáculo e convoca novos protestos. Texto coletivo | Imagem Mídia Ninja.


Cerca de 400 representantes de comunidades atingidas pelas obras da Copa e outros movimentos sociais participaram do Encontro dos Atingidos – Quem perde com os megaeventos e megaempreendimentos, que aconteceu de 1º a 3 de maio em Belo Horizonte. Organizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), o evento mostrou as dificuldades e conquistas da resistência às obras da Copa do Mundo, das Olimpíadas e também de outros processos vividos por negros, índios, pescadores, trabalhadores informais e estrangeiros que estão trabalhando no Brasil.

“A Copa evidenciou problemas que não eram percebidos claramente pelas próprias pessoas atingidas”, disse Ângela Rissi, do Fórum Nacional dos Ambulantes. Para Ângela, em meio à desgraça trazida pelas obras, houve o fortalecimento da luta contra a higienização das cidades, que vem sendo promovida com a desculpa do Mundial.

Exemplos de resistência se sucederam, traçando o quadro das diversas regiões do país. Atingida pelas obras do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, Sheila Mota, moradora na Vila Dique, fez um depoimento emocionante. “Nossa comunidade está sendo removida para um local conhecido como Faixa de Gaza, que tem guerra de facções, e nossos filhos estão sendo mortos”, disse ela, que já perdeu um filho neste processo e acabava de perder mais um familiar. “Meu genro foi assassinado hoje pela manhã. E porque ele foi assassinado? Por conta da Copa!”, disse ela, que recebeu solidariedade num coro de “Gilberto, presente!”, em homenagem ao falecido.

Enriquecer os ricos e criminalizar os pobres


A Copa do Mundo no Brasil é um instrumento para fazer avançar de modo ofensivo o atual modelo de sociedade excludente, concentrador de riquezas e opressor. A economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), Sandra Quintela, recordou que todas as atividades humanas giram em torno de um mercado global sustentado por um sistema capitalista que, por sua vez, é fundamentado no individualismo, na competitividade, no machismo e patriarcalismo, e que exclui todos que não contribuem para ele e não vivem da maneira imposta, como os camponeses, extrativistas e indígenas. “A Copa é uma bela desculpa para este modelo que beneficia os de cima. Seus projetos ganham rapidez e escala”.

Sandra também alertou que as dívidas dos municípios em função do evento poderão resultar em crises, nos próximos três anos. “As cidades foram estimuladas a se endividar”, disse, destacando que durante a preparação do Mundial elas foram autorizadas, pela Lei 12.348, a tomar novos empréstimos, mesmo que sua dívida total já estivesse acima da receita líquida real. Apontou ainda as isenções fiscais concedidas ao Comitê Organizador Local (COL) e demais empresas ligadas à promoção da Copa, assim como a alteração na Lei de Licitações, que passou a permitir a uma empresa executar uma obra sem o projeto definitivo.

A economista acredita que esses gastos com infraestrutura e mobilidade seriam feitos no país, independentemente da realização da Copa. O evento, contudo, contribuiu para que fossem feitos de forma acelerada, sem planejamento ou controle social. “É um modelo todo voltado para o interesse privado. É a cidade-produto, cidade-mercadoria, pensada para os hotéis, os turistas”.

Crescem os lucros e a repressão


Para o representante do Comitê Popular do Distrito Federal (DF), Chico Carneiro, o modelo da Copa serve para aumentar o lucro das grandes empresas a partir da isenção de impostos. Com a Copa, disse ele, os grandes empresários fazem mais rápido o que já faziam, e mais do que já faziam, para avançar o projeto de cidade excludente.


“São 250 mil removidos ou ameaçados de remoção. A violência e a repressão contra a população de rua, os ambulantes, os profissionais do sexo já aumentou sensivelmente, para além dos jovens e dos moradores da periferia. E agora, a repressão é feita com equipamentos de última geração, importados de Israel”, afirmou. Para ele, a proposta de restringir a participação popular e de aumentar a segregação, jogando os pobres para longe, ganha força com as leis de terrorismo e de exceção. Destaca que não se trata de um projeto só para as doze cidades-sede e nem vai terminar com a Copa. “A luta deve ser feita a partir do protagonismo dos atingidos, de quem sofre na pele a opressão, a partir de cada comunidade e de cada setor. Além de local, a resistência é nacional e internacional, mas é na rua que vamos construir a nova política, o novo projeto de sociedade. Por isso é tão criminalizada”, avaliou Chico.


“Não temos direito a nada”


Marilene de Jesus Novaes, do Quilombo Rio dos Macacos, da Bahia, levou para a plenária a experiência de quem sofre diariamente os impactos de um governo que opta pelos “de cima”. “Estamos sendo atingidos por este modelo que viola direitos. Reivindicamos 300 hectares para nossas 67 famílias, mas estão nos pressionando para que aceitemos 86 hectares. Implantaram uma vila militar no meio do quilombo. Não podemos pescar na barragem. Até o direito de ir e vir não está sendo respeitado. A Marinha de Guerra nos desrespeita, não temos mais direito a nada. Derrubam nossas casas. Somos discriminados. Ficamos sujeitas a situações de estupro”, lamenta Marilene. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a autoridade de titular terras quilombolas e demarcar terras indígenas, não pode ser implementada de jeito nenhum, ressaltou.


Presentes, Grécia e África do Sul


O jornalista sul-africano Niren Tolsi e a ativista grega Chará Tzouma participaram da mesa “Copa das mobilizações, como fortalecer lutas”, e falaram sobre os impactos negativos dos megaeventos para a maioria da população de seus países na Copa de 2010 (África do Sul) e nas Olimpíadas de 2004 (Atenas). “Existem muitas semelhanças entre o que está acontecendo no Brasil agora e o que aconteceu na África do Sul. As pessoas estão sendo removidas de suas casas, as crianças e os vendedores ambulantes são expulsos dos seus lugares. E a polícia aumentou sua opressão sobre as pessoas comuns, principalmente quando elas estão mobilizadas e organizadas”, afirmou Niren Tolsi. Chará Tzouma ressaltou as formas de organização política que emergiram em seu país após os movimentos de resistência às Olimpíadas de 2004 e, principalmente, depois das grandes manifestações que aconteceram em resposta à crise econômica europeia.


“Que um grito de gol não abafe a nossa história”


Os movimentos sociais que participaram do encontro planejam mobilizar-se já antes do Mundial. Todos foram convocados para participar do Dia Internacional de Luta contra a Copa, marcado para 15 de maio. O encontro foi encerrado com um ato no centro da capital mineira, denunciando violações de direitos e despejos forçados.

A carta “Que um grito de gol não abafe a nossa história”, aprovada na plenária final, reivindica o fim dos despejos e remoções, o combate ao tráfico de mulheres e à exploração sexual de crianças e adolescentes, a anistia de militantes processados durante os atos do ano passado, o fim da violência policial, a democratização dos meios de comunicação e a gratuidade do transporte público, reconhecido como direito social.

O documento convoca a população a se manifestar: “Estar nas ruas durante a Copa do Mundo é um ato de fortalecimento da democracia e de um novo modelo de país que avance na participação direta do povo e na construção de políticas públicas efetivas em favor da justiça e igualdade social”. A íntegra do documento pode ser acessada em www.portalpopulardacopa.org.br.

Cobertura colaborativa: Katia Marko, Roger Pires, Fidélis Alcântara, Eduardo Amorim, Pedro Rocha, Patrícia Bonilha, Argemiro Almeida, Anna Galeb, Larissa da Silva Araújo, Leandro Anton e Roberto Lopes.

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