Hipótese pessimista sobre eleições brasileiras: talvez os três principais candidatos estejam interessados, no fundo, em administrar “melhor” os interesses dos poderosos
Por Daniel Bin*
Publicado em 27 de maio de 2014
Imagem: M.C. Escher
É nos andares de cima da
hierarquia social que delineiam-se os movimentos fundamentais, logo decisivos,
na maioria das disputas eleitorais em democracias liberais. No caso brasileiro,
exemplo significativo foi a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, que sinalizava a
manutenção dos principais fundamentos econômicos lançados em 1994 com o Plano
Real. Também este, apesar do discurso acerca do controle da inflação ter como
preocupação os mais pobres, visava aos mesmos andares de cima. Se por um lado
inflação reduz o poder de compra de salários, por outro, reduz preços de ativos
financeiros.
Sem surpresa, a campanha
presidencial já em curso gira em torno de lógica similar. Essa hipótese conduz
a uma segunda, que sugere distinguir de forma pouco convencional as três
principais forças políticas nesta disputa: de um lado, quem já deu mostras
concretas para merecer a confiança do capital financeiro; de outro, quem tenta
se colocar como alternativa por meio da retórica que busca o mesmo tipo de
confiança. Neste, estaria Campos e naquele estariam Aécio e Dilma.
Uma abordagem mais convencional
oporia Dilma a Aécio, o que poderia ser corroborado pelas quedas de intenções
de voto nela acompanhadas de subidas do Ibovespa. Não obstante, aproximar Dilma
de Aécio faz sentido a partir de uma análise do superávit primário, que apesar
de ser apenas um, não é indicador qualquer. Síntese de opções políticas
substantivas, a sua evolução ao longo dos catorze anos do atual modelo
macroeconômico demonstra a “responsabilidade”—perante os credores do estado,
diga-se—tanto dos governos liderados pelo PSDB como dos liderados pelo PT.
Estes, durante 2003-13, entregaram uma média de superávits de 2.14% do PIB ante
a média de 1,93% entregue por aqueles durante 1999-2002.
É certo que diferenças existem,
e elas sugerem que nos andares de cima a tendência é de opção majoritária por
Aécio. É nesse ponto que a terceira força política nestas eleições se coloca,
disputando espaço onde Aécio transita com desenvoltura. Na medida em que
pesquisas de intenção de voto começam a indicar aumento das chances de segundo
turno, com a ocupação da primeira vaga por ora cristalizada, ensaiam-se já os
movimentos da disputa pela segunda vaga.
Campos diz estar à esquerda de
Aécio, mas, ainda que este tenha falado em medidas impopulares, foi aquele quem
falou em meta de inflação de 3% ante os atuais 4,5%. Enquanto o discurso de
Aécio gravita no plano abstrato—ainda que previsível—, a sinalização de Campos
é concreta. Para ele, chegou o momento de mirar potenciais apoiadores de Aécio,
talvez acenando com políticas simpáticas ao setor financeiro, o qual, aliás,
não mais teme o PT tanto quanto outrora.
Estas são apenas algumas
evidências em que as principais forças eleitorais ensaiam diferenças e
sinalizam mudanças com vistas a manter as principais políticas mais ou menos
como estão. Já disse em outra oportunidade que “o máximo que se passou a
esperar das principais forças políticas com chances eleitorais era a
concorrência pelo posto de quem melhor administraria os interesses do capital.”
E quem poderia eventualmente provocar alguma discussão sobre alternativas
políticas substantivas possivelmente não será chamado a fazê-lo, por exemplo,
nos debates televisionados.
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* Daniel Bin é professor da
Universidade de Brasília e pesquisador visitante na Universidade Yale, EUA.
Fonte: Outras
Palavras
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