Por que lutar contra
mercantilização da USP
Governos neoliberais
provocaram crise e declínio da universidade. Mídia propõe cobrar mensalidades.
Mas para justiça social, saída é Reforma Tributária
Por Paulo Moreira Leite
7 DE JUNHO DE 2014
A descoberta de que duas
décadas de gestão tucana levou a USP a descer a ladeira nas avaliações
acadêmicas levou nossos coxinhas e playboys a acionar sua ideia fixa:
privatizar a maior, mais tradicional e mais influente universidade do país.
O professor Wanderley Guilherme
escreveu certa vez que a elite brasileira só tem um ponto de convergência
política: revogar a CLT.
Poderia acrescentar outro:
cobrar mensalidades de quem estuda na USP e demais universidades públicas.
O argumento é conhecido. Já que
alunos de familias com dinheiro e maior acesso a cultura tem mais facilidade
para ingressar em universidades públicas,
o ensino gratuito nessas instituições nada mais é do que uma forma
inaceitável de privilégio, que deveria ser abolido sem demora. Seria uma
imoralidade.
Houve uma época na qual, para
ilustrar seu pensamento, essa turma costumava contar o número de carros nos
estacionamentos da Cidade Universitária, num exercício vergonhoso de
impressionismo para quem pretende fazer uma discussão séria.
Já lembrei neste espaço, mais
de uma vez, que as estatísticas da FUVEST demonstram que o acesso de famílias
de renda mais baixa à maioria dos cursos
da universidade é muito maior do que se imagina. Se há cursos onde a porta de
entrada é muito estreita – como Engenharia, Medicina – na maioria das
faculdades o determinismo social é menos importante do que se acredita para
definir quem entra e quem fica de fora. Vale o desempenho escolar. Com uma
competência muito maior do que a arrogância presunçosa de muitos habitantes de
bolhas nobres consegue imaginar, os pobres e até muito pobres conseguem seu
lugar.
Este processo, bastante antigo,
foi reforçado em anos recentes pelas políticas públicas que garantem acesso
especial a estudantes da rede pública.
Do ponto de vista político, a
cobrança de mensalidade ajuda a transformar as univer$idade$ num clube onde só
entra quem pode ficar $ocio. Elas perdem o carátér de estabelecimento público,
de todos os cidadãos, para ter ares de um universo à parte, exclusivo. Alguém
acha isso bom para o país?
Ao tentar debater mensalidades,
coxinhas e playboys tentam fugir do debate necessário: será que os habitantes
do patamar superior da pirâmide tem dado sua contribuição — em $$$ — pelo
desenvolvimento do país? Será que retribuem numa medida razoável, quando se
considera aquilo que usufruem do país? Que tal pensar nas grandes fortunas? Nas
heranças? Ou em alíquotas de imposto de renda adequadas, capazes de diferenciar
salários médios e altos de rendas milionárias?
O pior é que, na prática, a
cobrança de mensalidade não gera nenhum benefício social nem ajuda a diminuir
qualquer tipo de privilégio. É uma forma – descarada ou enganosa, conforme o
olhar interessado – de restaurar a elitização do ensino público de qualidade.
Ou seja: já que os pobres estão conseguindo entrar nas universidades do Estado,
é preciso arrumar um jeito de colocá-los em seu devido lugar, isto é, do lado
fora. É disso que se trata.
Vamos aos números:
universidades como a PUC paulista, por exemplo, que tem direito a diversas
formas de auxílio e benefícios do Estado, cobram R$ 2000 mensais de seus alunos
de Direito. Em outras escolas, como a FGV, a mensalidade chega a R$ 4 000. Num
país onde o salário médio encontra-se em torno de R$ 1900, pode-se imaginar
quem poderá pleitear uma vaga. E se você acredita na fantasia das bolsas para
os mais carentes, lembre-se que, por definição, elas são limitadas pelo valor e
pelo volume de beneficiados, sob o risco de comprometer o orçamento final. Você
sabe como é.
O argumento de que faltam
recursos para saúde pública e ensino básico,
e por isso seria razoável sacrificar o ensino superior, é tão vergonhoso
que sequer deveria ser pronunciado.
Vivemos num país onde os pobres
pagam a maioria dos impostos e nada mais justo que possam usufruir dos
benefícios que eles podem gerar – como uma universidade pública, de qualidade,
para seus filhos e seus netos. Mesmo que o acesso não seja amplo como o
desejável, a criação de qualquer obstáculo a seu ingresso é vergonhosa e
moralmente inaceitável.
Fonte:
Outras Palavras
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