Familiares
do fundador da Universidade de Brasília entregaram, nessa terça-feira, a
representantes das duas comissões, documentos e depoimentos que reforçam tese
de assassinato
Jairo Macedo
As
circunstâncias da morte do educador Anísio Teixeira, um dos fundadores da
Universidade de Brasília, serão tema de investigação pela Comissão Nacional da
Verdade em conjunto com a Comissão da Memória e Verdade Anísio Teixeira,
instalada na UnB em agosto. Nessa terça-feira, 6 de novembro, em audiência
pública realizada no Memorial Darcy Ribeiro, familiares de Anísio Teixeira
entregaram a representantes das duas comissões uma compilação de documentos que
reforçam a tese de que Teixeira foi assassinado no contexto da repressão
política da ditadura militar. A versão oficial é que o educador faleceu em
decorrência de queda no fosso de um elevador, em 1971.
Na
audiência pública, as duas comissões também assinaram termo de cooperação que
amplia a relação das duas instituições e reforça o poder de investigação da
Comissão da UnB. “O termo de cooperação fortalece o trabalho de parceria entre
as comissões, na linha de acentuar a complementaridade entre elas. Com o apoio
da Comissão Nacional, que tem atributos legislativos para requisitar
depoimentos e documentos, a nossa atuação também ganha muito”, garantiu o
reitor José Geraldo de Sousa Junior.
José
Otávio Guimarães, coordenador de investigação da Comissão Anísio Teixeira,
destaca a importância da cooperação. “O acordo dá à nossa comissão, que tinha
um âmbito mais restrito, uma capacidade de trabalho grande. É um canal que se
abriu para termos acesso ao que é coletado pela comissão nacional e ainda
acrescentarmos dados. Uma vez reconhecida a importância do depoimento de uma
pessoa, por exemplo, enviamos a solicitação à Comissão Nacional. Ela nos
concederá o direito inclusive de ouvirmos, nós mesmos, o depoente”, afirma.
Segundo
ele, a parceria amplia a capacidade de investigação da Comissão da UnB.
"Poderemos encaminhar à Comissão Nacional da Verdade a lista de pessoas
que temos interesse de ouvir e que eventualmente se recusem a atender ao nosso
convite. A Comissão Nacional poderá convocá-las, sob pena, diante da recusa, de
o caso ser encaminhado ao Ministério Público federal", comenta José
Otávio.
Quanto
ao material entregue por familiares de Anísio Teixeira, Cristiano Paixão,
coordenador de relações institucionais da Comissão da UnB, diz que servirá para
subsidiar as duas comissões. "Se for confirmada a hipótese de assassinato,
isso representará um grande crime contra uma pessoa, mas contra um projeto
inovador de educação", afirmou.
Produzido
com participação direta dos familiares, o dossiê foi desencadeado a partir de
pesquisa do professor de engenharia João Augusto da Rocha, da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), autor do livro Anísio em Movimento. Na instalação da
Comissão Anísio Teixeira, em agosto, um depoimento inédito de João Augusto questionou
a versão oficial da morte de Anísio Teixeira. Leia aqui matéria. A iniciativa
de João Augusto criou as bases para que a família do fundador da UnB, antes
reticente quanto ao assunto, se mostrasse aberta ao trabalho das comissões da
verdade.
Para
Haroldo Lima, ex-deputado federal e sobrinho de Anísio Teixeira, a força
agregadora de João Augusto foi mesmo decisiva. “Sua atuação colocou Anísio de
novo no centro das atenções. Familiares e discípulos animaram-se com a
possibilidade de explicar sua morte, isso porque a versão oficial de sua morte
jamais foi aceita pelos que acompanharam de perto o caso ou dos que vieram a
analisá-lo depois. Não tem comprovação técnica e não resolve nada”, afirmou. A
partir daí, João Augusto da Rocha e a família – Babi Teixeira e Carlos
Teixeira, filhos de Anísio, e Mário Celso da Gama Lima, genro – trabalharam na
coleta de informações da imprensa da época, depoimentos e documentos que
resultaram no memorial entregue às comissões na audiência pública dessa terça.
Emília
Silberstein/UnB Agência
Haroldo
Lima, sobrinho de Anísio Teixeira, fala sobre o desaparecimento do fundador da
UnB
“A
família preparou uma cronologia, desde o desaparecimento de Anísio Teixeira até
a descoberta do corpo. Eles incluíram matérias de jornais e depoimentos de
fontes que dizem que o professor Anísio Teixeira esteve preso nas dependências
da Aeronáutica antes de ser encontrado morto”, afirma Cristiano Paixão.
“Um
corpo retirado sem perícia já complica qualquer investigação. Para quem
vivenciou todo o período, é muito discordante”, observou o filho de Anísio,
Carlos Teixeira, hoje médico e professor da UFBA. “João Augusto mostrou como a
versão oficial não se sustenta e apontou sérios indicadores de que morreu
assassinado, não por acidente. O memorial mostra veementes indicadores de
crimes”, disse Haroldo de Lima.
O
conteúdo detalhado do dossiê apresentado pela família não foi divulgado, mas o
sobrinho de Anísio adiantou algumas questões. Em 11 de março de 1971, o
educador saía da Fundação Getúlio Vargas, onde trabalhava, e se dirigia à casa
do lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda. Em seguida, desapareceu. O corpo de
Anísio foi encontrado dois dias depois, no fosso do elevador do prédio de
Aurélio. Paulo Alberto, genro de Anísio, conseguiu a informação de que o sogro
foi levado para dependências da Aeronáutica para “misteriosa averiguação”. O
genro foi informado de que, no dia seguinte, Anísio Teixeira teria condições de
informar pessoalmente onde se encontrava. Foi nesse dia, contudo, que o
educador foi encontrado morto.
Também
chama a atenção um “pormenor importantíssimo”, nas palavras de Haroldo Lima,
quanto à existência de duas grandes vigas dentro do fosso de elevador onde
Anísio teria caído. Abaixo delas, o corpo do educador foi encontrado, sem
sapatos e com os óculos intactos. Não há registros sobre lesões específicas
causadas pelas vigas. Mauro Celso Lima esteve no edifício após o corpo ser
encontrado e relembra o estranhamento que sentiu: “Estive lá junto com um amigo
policial e examinei todos os andares. Tentei abrir as portas do elevador e vi
que era impossível. Além disso, qual não foi minha surpresa ao chegar ao local
em que o corpo dele foi encontrado e ver que a separação entre as vigas e a
parede era de cerca de um palmo. A meu ver, não posso conceber que um corpo
cairia por ali e não se chocaria com as vigas”.
Haroldo
Lima compartilha da perplexidade: “Caindo do quinto ou sexto andar, como foi
dito, como um corpo cai sem passar por essas estruturas de concreto armado sem
sequer tocá-las?”, questiona. Haroldo observa que havia duas portinholas no
fosso e uma delas encontrava-se aberta. Ele também estranhou o desaparecimento
do porteiro do prédio após o corpo de Anísio ser localizado.
O
dossiê preparado por familiares de Anísio registra passagens de jornais no dia
seguinte ao do sepultamento. Haroldo Lima citou matéria do jornal Última Hora,
que diz: “A conclusão da polícia dá como praticamente impossível a hipótese de
acidente. A posição do corpo fere tudo que já foi visto até hoje sobre esse
acidente”. Mais que isso, João Augusto da Rocha já havia afirmado ter ouvido de
Luiz Viana Filho, ex-governador da Bahia, que Anísio tinha sido detido pela
Aeronáutica antes de ser encontrado morto. Veja aqui.
Sobre
a confidencialidade do material repassado pela família de Anísio nessa
terça-feira, Paulo Sérgio Pinheiro, da Comissão Nacional da Verdade, pede
cautela. “O que informamos é nosso trabalho contínuo, que ganha grande
contribuição com o memorial entregue pela família. Não é conveniente ainda
torná-lo público, mas ainda virá o momento. É sempre bom lembrar que a Comissão
da Verdade não é um tribunal nem um ministério público, mas uma entidade que
trabalha para reconstruir uma história perdida”, afirma.
João
Augusto da Rocha pondera: “Não será posto a público por agora porque não quero
ser leviano. O que há no memorial são indícios reunidos e a Comissão Nacional
da Verdade vai investigar se eles fazem sentido ou não. Para nós, o importante
é abrir a questão”, afirma. Desencadeador do memorial, João Augusto passa
adiante a sua atuação. “Quando lancei minha fala no portal da UnB, em agosto, o
fiz pensando em ajudar no processo de favorecer outros depoimentos e
confirmações sobre o que eu tinha falado. Agora, entregue esse material para as
comissões, confio a eles que leiam e investiguem”.
PROTAGONISMO
- A Comissão Nacional da Verdade, instalada pela presidente Dilma Rousseff em
maio deste ano, tem como objetivo principal buscar respostas sobre violações de
direitos humanos ocorridas no regime militar. A Comissão da UnB foi instalada
com a mesma motivação, com foco nas violações ocorridas no âmbito da
Universidade.
Para
o reitor José Geraldo, o exemplo da UnB de criar a sua Comissão da Verdade é um
estímulo para que outras instituições contribuam. “Nesse ponto de resgate da memória,
a UnB tem que ser protagonista do processo e puxar, quem sabe, outras
instituições para seguirmos juntos. Reitores de várias universidades têm sido
contatados, além da Assembléia Legislativa e Ordem dos Advogados, que também já
se mobilizam e são parceiros”.
Claudio
Fontelles, coordenador da Comissão Nacional da Verdade, esteve na audiência e
falou da importância do trabalho das comissões influenciarem uma mudança
cultural no país. “A Comissão Nacional da Verdade, em si e por si, não leva e
não significa nada. Ela funciona como um grande motor propulsor para que o
Brasil crie uma cultura permanente de democracia. Esse termo de cooperação
estimula isso, no sentido de fazer com que universidades públicas como a UnB se
encaixem em nossa grande rede protetora da democracia”, disse. “A comissão não
pode e não quer trabalhar sozinha, por isso esse termo de cooperação. Sete
estados brasileiros tem comissões da verdade que devem, em rede, ter condições
para colaborar conosco”, complementou o cientista político Paulo Sérgio
Pinheiro, também membro da Comissão Nacional da Verdade.
José
Otávio Guimarães, da Comissão da UnB, frisa que a Comissão Nacional tem muito a
ganhar com o relatório a ser produzido pela UnB, previsto para ser divulgado
por volta de fevereiro de 2014. Este será incorporado ao relatório nacional,
agendado para maio do mesmo ano. “Essa união faz com que possamos subsidiar a
Comissão Nacional, inclusive com contribuições técnicas e aplicação de nossos
intelectuais no assunto”, afirmou Roberto Aguiar, presidente da Comissão Anísio
Teixeira de Memória e Verdade e ex-reitor da UnB.
Fonte:
Agência UnB
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