Imgem: blog.opovo.com.br |
O
que fazer com os estudantes e cientistas que não conseguem estudar e pesquisar?
Sergio Arthuro*
A imagem de nós cientistas no
senso comum, como estereotipada por Einstein, é que somos meio loucos. De fato,
como revelado recentemente pela revista Nature, parece que realmente não temos
uma boa saúde mental, dada a alta ocorrência de depressão entre pós-graduandos
e pós-doutorandos.
Os pós-graduandos são os
estudantes de mestrado e de doutorado, enquanto os pós-doutorandos são os recém
doutores em aperfeiçoamento, que ainda não conseguiram um emprego estável. Os
pós-doutorandos são comuns há muito tempo nos laboratórios da Europa e dos
Estados Unidos, já no Brasil este é um fenômeno recente.
Segundo o texto, boa parte dos
estudantes de pós-graduação que desenvolvem depressão foram ótimos estudantes
na graduação. Lauren, doutoranda em química na Universidade do Reino Unido,
começou com dificuldade em focar nas atividades acadêmicas, evoluiu com medo de
apresentar a própria pesquisa, e terminou sem nem mesmo conseguir sair da cama.
Felizmente, Lauren buscou ajuda e agora está terminando o seu doutorado, tendo
seu caso relatado no site de ajuda Students Against Depression, cujo objetivo é
“desenvolver a consciência de que a depressão não é uma falha pessoal ou uma
fraqueza, mas sim uma condição séria que requer tratamento”, segundo a
psicóloga Denise Meyer, que ajudou no desenvolvimento do site.
Para os cientistas em início de
carreira, a competição no meio acadêmico pode levar a isolamento, ansiedade e
insônia, que podem gerar depressão. Esta pode ser acentuada se o estudante de
pós-graduação tiver problemas extracurriculares e/ou com seu orientador. Já que
a depressão altera significativamente a capacidade de fazer julgamento
racional, o deprimido perde a capacidade de se reconhecer como tal. Aqui, na
minha opinião, o orientador tem um papel fundamental, mas que na prática não
tenho observado muito: não se preocupar apenas com os resultados dos
experimentos, mas também com a pessoa do estudante.
De acordo com o texto, os
principais sinais de depressão são: a) inabilidade de assistir as aulas e/ou
fazer pesquisa, b) dificuldade de concentração, c) diminuição da motivação, d)
aumento da irritabilidade, e) mudança no apetite, f) dificuldades de interação
social, g) problemas no sono, como dificuldade para dormir, insônia ou sono não
restaurativo (a pessoa dorme muito mas acorda cansada e tem sono durante o
dia).
Segundo o texto, a maioria das
universidades não tem um serviço que possa ajudar os estudantes de
pós-graduação. Não obstante, formas alternativas se mostraram relativamente
eficazes. Por exemplo, mestrandos e doutorandos poderiam procurar ajuda em
serviços oferecidos a alunos de graduação; já os pós-doutorandos poderiam
tentar ajuda em serviços oferecidos a professores, sugerem os autores do texto.
A maioria dos tratamentos requer apenas uma sessão em que são discutidas as
dificuldades dos estudantes, além de sugestões de como manejar melhor a
depressão. Uma das principais preocupações é com relação à confidencialidade,
que deve ser quebrada apenas se o profissional sentir que o paciente tem chance
iminente de ferir a si ou a outrem. Segundo Sharon Milgram, diretora do setor
de treinamento e educação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos,
“buscar ajuda é um sinal de força, e não de fraqueza”.
Devo admitir que o texto chamou
minha atenção por me identificar com o tema, tanto na minha própria
experiência, quanto na de vários colegas de pós-graduação que também
enfrentaram problemas semelhantes. Acho que o sistema atual de pós-graduação
tem falhas que podem aumentar os casos de depressão, como as descritas a
seguir:
1-
O próprio nome “Defesa” no caso do doutorado
Tem coisa mais agressiva que
isso? Defesa pressupõe ataque, é isso mesmo que queremos? Algumas pessoas vão
dizer que os ataques são às ideias e não às pessoas. Acho que isso acontece
apenas no mundo ideal, porque na prática o limite entre as ideias e as pessoas
que tiveram as ideias é muito tênue. Mas pior é nos países de língua espanhola,
pois lá a banca é chamada de “tribunal”.
2-
Avaliações pouco frequentes
Em vários casos, principalmente
no começo do projeto, as avaliações são pouco frequentes, o que faz com que o
desespero fique todo para o final. No meu caso, os últimos meses antes da
“Defesa” foram os piores da minha vida, pois tive bastante insônia, vontade de
desistir de tudo etc. Pior também foi ouvir das pessoas que poderiam me ajudar
que aquilo era “normal” e que “fazia parte do processo”… Isso não aconteceu
apenas comigo, mas com vários colegas de pós-graduação. Acho que para fazer
ciência bem feita, como todo trabalho, tem que ser prazeroso, e acredito que
avaliações mais frequentes podem evitar o estresse ao final do trabalho.
3
– Prazos pouco flexíveis
Cada vez mais me é claro que a
ciência não é linear, e previsões geralmente são equivocadas. Dessa forma,
acredito que não deveria haver nem mestrado nem doutorado com prazo fixo. O
pós-graduando deveria ter bolsa por 5 anos para desenvolver sua pesquisa, e a
cada ano elaboraria um relatório sobre suas atividades e resultados. Uma
comissão deveria julgar esse relatório para ver se o estudante merece
continuar. Como cada caso é um caso, em alguns casos, dois anos já seriam
suficientes para ter um resultado que possa ser publicado num jornal científico
de reputação. Isso daria ao cientista a possibilidade de bolsa por mais 5 anos,
por exemplo, para ele continuar sua pesquisa. Em outros casos, 5 anos de
trabalho não é suficiente, o que pode ser por causa da própria complexidade da
pesquisa, ou outros motivos como atraso na importação de material etc. Nesse
caso, acho que o estudante deveria ter pelo menos mais 3 anos de tolerância
para poder concluir sua pesquisa, caso os relatórios anuais sejam aprovados, e
o estudante comprove que não é por sua culpa que a pesquisa está demorando mais
que o previsto.
*Médico,
doutor em Psicobiologia e Divulgador Científico.
Fonte: coNeCte
Esse é um problema atual e crescente no meio acadêmico,que é ampliado devido ao produtivismo que tem imperado nas instituições de ensino. Os programas de pós-graduação esquecem da humanidade de seus discentes e isso afasta muitos das atividades de pesquisa _ Que contra censo!
ResponderExcluirNão somos máquinas de produzir, somos pessoas na jornada do conhecimento.