por Giovanni Alves*
O Projeto CineTrabalho, com o
apoio da Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Marília (SP),
produziu recentemente o vídeo-documentário intitulado “Professoras de Marília”,
de Giovanni Alves (Praxis vídeo, 40 min). O Projeto CineTrabalho tem como
objetivo dar visibilidade ao mundo do trabalho, pois no mundo fetichizado do
capital, o mundo do trabalho é invisível. Deste modo, produzimos
vídeo-documentários sobre o mundo do trabalho voltados para a reflexão crítica
sobre a condição de proletariedade de trabalhadores e trabalhadoras
assalariadas. Este pequeno artigo foi elaborado como subsídio analítico para a
reflexão crítica sobre o vídeo-documentário “Professoras de Marília” (vide
abaixo), registro audiovisual da condição de proletariedade de professoras da
rede municipal de educação infantil e ensino fundamental da cidade de Marília
(SP).
O documentário “Professoras de
Marília” apresenta um conjunto de depoimentos das trabalhadoras da educação
pública municipal que discutem suas condições de trabalho e o drama de
adoecimentos de mulheres trabalhadoras. Ao mesmo tempo, é um documento
audiovisual de professoras que expressam orgulho e amor pela profissão. Nosso
objetivo foi expor a “contradição viva” do trabalho assalariado das professoras
de Marília imersas naquilo que denominamos “precarização do
homem-que-trabalha”. Elas não discutem salário ou plano de carreira
profissional, mas sim condições de trabalho e seus impactos na vida pessoal,
desvelando uma dimensão da precarização do trabalho que oculta a desefetivação
do ser genérico do homem.
É curioso que utilizemos o
conceito de “precarização do homem-que-trabalha” ao tratar de relatos de
mulheres trabalhadoras, professoras da rede municipal de ensino da cidade de
Marília (SP). Entretanto, é importante salientar que o conceito de
homem-que-trabalha – expressão utilizada por Georg Lukács – diz respeito ao
homem como ser genérico da espécie humana, incluindo, portanto, homens e
mulheres. Não se trata de homem no sentido particular de gênero, em contraposição,
por exemplo, a mulher. O que significa que o conceito resgata uma dimensão
essencial da espécie humana vista na perspectiva da genericidade. Homens e
mulheres pertencem à espécie humana sob o domínio do capital. A precarização do
homem-que-trabalha diz respeito, portanto, a homens e mulheres trabalhadores
subsumidas às relações sociais de produção capitalista.
É claro que, apesar do mesmo
pertencimento humano-genérico, homens e mulheres se distinguem em sua
implicação subjetiva com o trabalho estranhado. Por isso, exploração da força
de trabalho em sua dimensão concreta implica a determinação de gênero. A
particularidade de gênero na relação-capital é importante. No mundo social do
capital, mulheres trabalhadoras não são apenas mais exploradas, mas oprimidas
pela condição de gênero.
A precarização do trabalho
possui duas dimensões essenciais que se complementam: (1) a precarização
salarial, que diz respeito, por um lado, à precarização das condições salariais
propriamente ditas (contrato, remuneração e jornada de trabalho) e, por outro
lado, à precarização das condições de trabalho por conta das mudanças na
organização da produção com a implantação do novo arcabouço tecnológico
informacional e novo método de gestão de matriz flexível que contribui para a
intensificação das rotinas de trabalho e reforça o controle e envolvimento do
trabalho vivo no processo produtivo do capital. A precarização salarial diz
respeito à morfologia social do trabalho flexível e suas consequências na força
de trabalho como trabalho vivo; (2) e a precarização do homem-que-trabalha, que
diz respeito à precarização do ser genérico do homem por conta das novas
condições salariais de exploração/espoliação da força de trabalho. Nesse caso,
a precarização do homem-que-trabalha ocorre no plano da subjetividade humana,
reverberando-se em desequilíbrios metabólicos das individualidades pessoais de
classe que conduzem, no limite, no caso de singularidades pessoais, às
situações de adoecimentos. É importante salientar que a diferenciação entre
“precarização salarial” e “precarização do homem-que-trabalha” é tão-somente
uma divisão heurística (a precarização salarial tende a ocultar a precarização
do homem-que-trabalha).
A nova morfologia social do
trabalho flexível que emerge com o capitalismo global caracteriza-se por
dinâmicas psicossociais que implicam (1) dessubjetivação de classe, (2) a
“captura” da subjetividade do trabalhador assalariado e (3) redução do trabalho
vivo à força de trabalho como mercadoria.
Portanto, o novo trabalho
flexível e suas formas de controle laboral, na medida em que desmontam formas
contratuais seguras, alteram formas de remuneração salarial convencional e
transtornam jornadas de trabalho previsíveis, conduzem não apenas à
precarização salarial, mas principalmente à precarização do homem-que-trabalha,
pois esta nova morfologia social do trabalho flexível tem um impacto disruptivo
no metabolismo social do homem-que-trabalha, atingindo irremediavelmente a vida
cotidiana de homens e mulheres trabalhadores.
Deste modo, o que o conceito de
“precarização do homem-que-trabalha” salienta são as consequências pessoais do
capitalismo flexível. Consideramos como o impacto crucial da nova morfologia do
trabalho alienado aquilo que denominamos de “redução do tempo de vida a tempo
de trabalho”, isto é, a invasão da vida pessoal pelos requerimentos da
atividade produtiva do capital. Este é o verdadeiro sentido do estranhamento
sob o modo de controle do metabolismo social do capital.
Nas condições de vigência do
espírito do toyotismo, ideologia predominante do trabalho flexível, com a
produção tornando-se totalidade social, o trabalho estranhado assume um caráter
invasivo, corroendo a estrutura familiar e impregnando a vida pessoal com
formas derivadas do trabalho abstrato (é o que analisei, por exemplo, no livro
Trabalho e Subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo
manipulatório, Boitempo editorial, 2011).
Ora, a vigência do espírito do
toyotismo instaura uma nova condição existencial caracterizada pela mudança
abrupta da relação tempo de vida/tempo de trabalho (jornada de trabalho
flexível); relação tempo presente/tempo futuro com a ascensão das incertezas
pessoais (novas formas de contratação flexível) e estratégias de envolvimento
do self (remuneração flexível). Este novo metabolismo social do trabalho
transfigura a troca metabólica entre o homem e outros homens (relações sociais
de trabalho e sociabilidade) e entre o homem e ele mesmo (autoestima e
autorreferência pessoal). Instaura-se, deste modo, o que denominamos de crise
do trabalho vivo, caracterizada pela crise da vida pessoal, crise de
sociabilidade e crise de autorefêrencia pessoal.
O trabalho assalariado é
trabalho estranhado, o que significa que ele implica, mesmo sob as condições da
precariedade regulada, isto é, o dito “trabalho decente” ou trabalho com
direitos (como é o caso, por exemplo, do trabalho das professoras de Marília)
em formas de precarização do homem-que-trabalha que atinge a dimensão da pessoa
humana, corroendo fundamentalmente o desenvolvimento humano. Deste modo, não se
trata apenas da degradação do trabalhador assalariado, mas sim, degradação do
homem-que-trabalha, isto é, a degradação do ser genérico do homem (o que é uma
característica essencial da barbárie social, discutida por nós em artigos
anteriores). Assim, com a precarização do homem-que-trabalha o que se
desvaloriza não é apenas a força de trabalho como mercadoria, mas sim, o
trabalho vivo como atributo ontológico do ser humano.
Em “Salário, preço e lucro”,
Karl Marx dizia que o tempo é o campo de desenvolvimento humano. Por isso, a
redução do tempo de vida a tempo de trabalho – no caso do trabalho capitalista
ou trabalho estranhado – é uma das principais características do estranhamento
da vida social. Parafraseando Karl Marx, que salientou que a acumulação
capitalista implica no aumento da composição orgânica do capital dada pela
equação capital constante /capital variável, podemos dizer que a acumulção do
capital em sua etapa de crise estrutural significa, ao mesmo tempo, a redução
da composição orgânica do ser genérico do homem dada pela equação tempo de
vida/tempo de trabalho estranhado. Na época do capitalismo manipulatório, o
trabalho estranhado invade a vida social, corroendo a delimitação entre “tempo
de trabalho necessário” e “tempo disponível”. Na verdade, o próprio lazer
torna-se extensão do trabalho estranhado enquanto trabalho abstrato.
Na medida em que presenciamos a
crise estrutural de valorização do capital e a exacerbação da produtividade do
trabalho, o trabalho abstrato exaspera-se, tornando-se “afetado de negação”.
Como nos observa Francisco de Oliveira, “avassalada pela Terceira Revolução
Industrial, ou molecular-digital, em combinação com o movimento da
mundialização do capital, a produtividade do trabalho dá um salto mortal em
direção à plenitude do trabalho abstrato.” (Crítica à razão dualista / O
Ornitorrinco, Boitempo Editorial, 2003. p.135). Ao ser “afetado de negação”, o
trabalho abstrato expele formas derivadas (e fictícias) de valor que colonizam,
de modo intenso e ampliado, dimensões da vida humana. A lógica do valor – a
lógica do produtivismo – perpassa não apenas a produção de mercadorias, mas as
instâncias do consumo e da reprodução social. O “espírito do toyotismo”
torna-se o veículo das formas derivadas de valor que impregnam a vida social.
De repente, a linha de produção não está apenas na fábrica ou no escritório, mas
também na repartição pública, escola ou no recôndito do lar estranhamente
familiar. Portanto, trabalho estranhado e valor (como produto do trabalho
abstrato) impregnam as múltiplas atividades vitais do homem.
A condição de proletariedade
não é apenas uma condição operária, no sentido clássico da palavra, mas sim, a
condição existencial de individualidades pessoais de classe cativa da lógica do
valor com seus impactos sociometabólicos. Este é o sentido da modernização
capitalista que, sob o capitalismo global, assumiu dimensões intensas e
ampliadas nos “trinta anos perversos” (1980-2010).
O “espírito do toyotismo”
expressa o desenvolvimento crucial da nova temporalidade histórica do capital.
A produção torna-se totalidade social e ao tornar-se totalidade social, a
produção capitalista – que é processo de trabalho como processo de valorização
– exporta para as múltiplas dimensões da vida cotidiana, a sintaxe existencial
do valor. Enfim, todas as formas de trabalho humano impregnam-se da forma
social do trabalho estranhado – não importa se o trabalho humano é trabalho
produtivo ou trabalho improdutivo. O que é relevante na perspectiva da
ontologia do ser social é a vigência do trabalho estranhado como forma social
de subsunção do trabalho vivo à lógica do trabalho abstrato.
Por exemplo, o “trabalho
criativo” das profissões vocacionadas que exigem abnegação e doação, como o
trabalho do formador ou o trabalho assistencial, são impregnados pela lógica do
trabalho estranhado que cria uma implicação perversa onde, por um lado, o
“trabalho criativo”, pela sua própria natureza, envolve a pessoa humana, pois
implica cuidar de outras pessoas com dedicação e doação pessoal, como é o caso
do trabalho do formador (as professoras de Marília, por exemplo); ou ainda de
outras profissões como médicos, enfermeiros e assistentes sociais; mas, por
outro lado, na medida em que a lógica do capital impregna a relação laboral das
profissões vocacionadas, o “trabalho criativo” estranhado desefetiva o ser
genérico do homem, “intoxicando” a vida pessoal, reduzindo tempo de vida a
tempo de trabalho estranhado, corroendo o campo de desenvolvimento humano. Por
isso, a crescente ocorrência da síndrome de burn-out nas situações de
adoecimentos entre professores e professoras (o termo “burn-out”, que quer
dizer “combustão completa”, caracteriza-se pelo esgotamento emocional,
despersonalização e baixa realização pessoal).
Esta forma de adoecimento
dissemina-se não apenas entre trabalhadores da educação, mas entre todas as
categorias profissionais que executam o que denominamos “trabalho criativo” ou
trabalho que implica por completo a subjetividade humana. Na medida em que o
capital, por um lado, incorpora amplas atividades sociais no rol de trabalho
criativo, tendo em vista a constituição da “sociedade de serviços”, por outro
lado, ele os impregna da lógica do trabalho abstrato, com o processo de
trabalho capitalista adquirindo uma dimensão de perversidade (o trabalho
doméstico ou trabalho do lar pode-se considerar também trabalho criativo com implicação
estranhada não por conta diretamente do estranhamento de classe, mas sim do
estranhamento de gênero, a opressão masculina, forma primordial da opressão do
capital. Indiretamente a opressão de gênero, como a opressão de etnia, compõem
a determinação estrutural da dominação de classe na sociedade burguesa).
A disseminação do toyotismo
como ideologia orgânica da gestão capitalista contribui para a afirmação da
perversidade como característica do ethos da gestão capitalista do trabalho. A
“captura” da subjetividade do trabalho pelo capital, nexo essencial do
toyotismo, é um modo perverso, pois, ao mesmo tempo em que envolve o
trabalhador assalariado, o desefetiva como ser humano-genérico. Ao mesmo tempo
em que o operário e empregado são envolvidos no trabalho capitalista (inclusive
no plano linguístico-locucional ao serem tratados como “colaboradores”), eles
são desefetivados como ser humano-genérico. Eis o sentido de perversidade do
“trabalho criativo” com implicação estranhada que exige, deste modo, na prática
de gestão capitalista, o denominamos de “manipulação reflexiva”, a forma de
manipulação da subjetividade do homem-que-trabalha nas condições do capitalismo
global, o capitalismo flexível sob hegemonia do espírito do toyotismo.
A questão da invasão do tempo
de vida pelo tempo de trabalho é a principal característica do “trabalho
criativo” com implicação estranhada. Primeiro, a natureza do “trabalho
criativo”, trabalho imaterial das profissões vocacionadas ou atividades
laborais que envolvem a subjetividade humana por completo, contribui para a
permeabilidade entre tempo de trabalho e tempo de vida. Na medida em que o
“trabalho criativo” impregna-se da lógica do trabalho abstrato, trabalho
alienado, trabalho heterônomo para outro, trabalho humano subordinado,
constitui-se a invasão (ou redução) do tempo de vida pessoal, tempo para si, em
tempo de trabalho estranhado, tempo para outro. O operário, empregado ou
profissional ao tornar-se “patrão de si mesmo”, tendo em vista que o trabalho
criativo pressupõe uma margem de autonomia (ou “autonomação” no léxico
toyotista), ele torna-se irremediavelmente, por conta da “manipulação
reflexiva”, “carrasco de si mesmo”.
Esta implicação perversa é
bastante visível no caso das professoras como profissionais imersas em sua
“criação pedagógica” (expressão utilizada por uma das professoras de Marília).
Primeiro, o trabalho das professoras é “trabalho criativo”, que, em si, possui
uma dimensão invasiva tendo em vista que o artífice não distingue trabalho de
vida e vida de trabalho. O profissional encontra satisfação na implicação
criativa.
Entretanto, o problema não
reside na implicação criativa do binômio trabalho-vida/vida-trabalho, mas sim,
na impregnação do trabalho criativo pela lógica do trabalho abstrato, com sua
dimensão alienada – trabalho para outro e trabalho subordinado à lógica do
capital com suas personaficações estranhadas (mercado e Estado político).
Mesmo professoras da rede
pública executam um trabalho alienado, pois estão subordinadas à divisão hierárquica
do trabalho que caracteriza o controle do metabolismo social do capital em sua
forma estatal. Na verdade, o trabalho estranhado encontra no trabalho criativo
o veículo ideal para invadir espaços vitais dos artífices.
A série de depoimentos das professoras
de Marília expostas no vídeo-documentário, trabalhadoras públicas da educação,
dão visibilidade à dimensão de perversidade do “trabalho criativo” com
implicação estranhada. Por um lado, elas executam um trabalho de amor e
dedicação profissional; mas, por outro lado, o trabalho pedagógico torna-se um
fardo com o peso das cobranças e outras mazelas da sociedade burguesa em sua
etapa de barbárie social que desefetivam o sentido do oficio de professora (por
exemplo, o peso da responsabilidade das professoras, obrigadas a assumir a
tarefa da família). Nesse caso, trabalho estranhado e estranhamento social com
a crise da instituição familiar, dilaceram o “trabalho criativo” das
professoras.
Na verdade, a crise da família
burguesa impede que aquela dedicação profissional das professoras torne-se
efetivamente “trabalho criativo” com dimensão emancipatória. O mundo do
trabalho estranhado sob a barbárie social avassala a vida familiar (por
exemplo, pais sem tempo para si e sem tempo para filhos); e, por conseguinte, a
crise da família burguesa avassala o trabalho das professoras que incorporam em
sua profissão, o fardo de serem pai e mãe. O fardo perverso da “polivalência”
social não compensa a desvalorização social da profissão e a dimensão do
trabalho estranhado invadindo suas vidas pessoais com as múltiplas tarefas que
se estendem nos finais de semanas.
Este é a caracterização do
trabalho alienado das trabalhadoras públicas da educação, implicados numa
relação perversa entre trabalho criativo com amor pelo ofício e trabalho
estranhado com cobranças por desempenho e produtividade e falta de democracia
nas decisões do processo de trabalho.
Ao mesmo tempo, o estranhamento
social ampliado que caracteriza a sociedade burguesa em sua fase de barbárie
social impregna a atividade profissional da “criação pedagógica” na medida em
que elas assumem responsabilidades por tarefas de formação moral, tarefas
próprias da instância familiar. E o pior: exercem uma profissão com baixa
valorização social e reconhecimento salarial.
O filósofo Friedrich Nietzsche
no livro Humano, demasiado humano disse que, quem não dedica 2/3 do seu tempo
de vida para si, é um escravo. Diz ele: “Todos os homens se dividem, em todos
os tempos e hoje também, em escravos e livres; pois aquele que não tem dois
terços do dia para si é escravo, não importa o que seja: estadista,
comerciante, funcionário ou erudito”.
De fato, na sociedade do
capital, todos nós somos escravos imersos na condição de proletariedade. Esta
condição de escravidão assalariada que pertencia no passado à classe operária
da indústria, o proletariado industrial do século XIX, hoje dissemina-se cada
vez mais pela sociedade burguesa, implicando não apenas operários, mas
empregados e profissionais “criativos” subordinados à lógica do trabalho
abstrato sob o espírito do toyotismo. A precarização das ditas “classes médias”
oculta a ampliação da condição de proletariedade e a explicitação da
precarização do homem-que-trabalha como traço indelével da barbárie social do
capital. Por isso, trabalhadores assalariados do setor privado ou setor público
são verdadeiros escravos assalariados, pois cada vez mais, não têm
tempo-para-si, mas sim apenas tempo-para-o-Outro-estranhado, que pode ser o
capitalista ou entidades impessoais como o Mercado ou o Estado político como
“ente público”. Eis a expressão da desefetivação do ser genérico do homem.
O adoecimento é a expressão
suprema da precarização do homem-que-trabalha, tornando-se elemento compositivo
de sua desrealização humana e pessoal. Entretanto, o adoecimento pessoal é tão
somente a situação-limite do estranhamento que perpassa hoje a sociedade
burguesa, sociedade doente devido ao desequilíbrio estrutural entre homem e
natureza provocada pela propriedade privada e a divisão hierárquica do
trabalho.
Em 1898, V. I. Lênin no seu
artigo “Sobre as greves”, observou: “Mas quando os operários levantam juntos as
suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam
então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu
trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que
permita aos trabalhadores viver como pessoas.” [o grifo é nosso] Naquela época,
a classe operária era a portadora da condição de proletariedade que hoje,
assume dimensão universal entre trabalhadores assalariados da indústria,
serviços e administração pública.
A greve e o movimento operário
eram formas sociais de luta contra a escravidão assalariada, luta por direitos
capazes de permitir aos trabalhadores viver como pessoas humanas. A
dessubjetivação de classe que esvazia a luta coletiva contra a escravidão
assalariada aprofunda a precarização do homem-que-trabalha e a desefetivação da
pessoa humana como sujeito histórico capaz de “negação da negação”.
*Doutor em Ciências Sociais
pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de
Marília.
Fonte: Blog da Boitempo
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