por Flavio Moura
Nas humanidades da USP nos anos
1990, o historiador Nicolau Sevcenko era um superstar. Suas aulas eram famosas
nos corredores de todas as faculdades. Alunos não matriculados oficialmente nos
seus cursos se amontoavam para ver o professor falar.
Ele foi pioneiro numa forma
radical de interdisciplinaridade. É uma das maiores referências em Euclides da
Cunha e Lima Barreto sem ser da área da literatura. É autor de insights
luminosos sobre a experiência nas grandes cidades sem ser urbanista.
Sevcenko praticava “história
cultural”, que era um guarda-chuva amplo o suficiente para situar seus
trabalhos fora de esquemas disciplinares rígidos. Misturava história, ciência e
cultura com rigor de quem dominava a pesquisa de ponta em cada uma das áreas.
Explicava a Primeira Guerra a
partir dos filmes de Stanley Kubrick. Os modernistas da São Paulo dos anos 1920
são vistos num laboratório que mistura mitologia grega, tecnologia e
urbanização.
O physique du rôle contribuía:
um comb-over hediondo feito de mechas brancas presas com grampos; um oclinhos
redondo de armação dourada; um sotaque de engenheiro da Sputnik. Os alunos
vibravam.
Nos anos 1980 e 1990, era
também um intelectual ativo na imprensa. Foi editorialista da Folha de S.Paulo
e durante muitos anos era acionado pelo jornal para analisar temas do
noticiário que exigiam profundidade. Até meados dos anos 2000, manteve uma
coluna na revista Carta Capital. Simbolizava uma convivência possível entre
universidade e grande imprensa que se esgarçou nos últimos anos com a agudização
da crise do jornalismo impresso.
Trazia ainda um verniz cool
para a atividade universitária que se dissolveu com a burocratização da
carreira e o império do homo lattes – o pesquisador pressionado a viver em
função das linhas no currículo.
Sua produção acadêmica se
refreou dos anos 2000 para cá. Centrou foco nas aulas que dava nos Estados
Unidos e Londres. Apareceu na imprensa pela última vez há dois anos, para dar
depoimento sobre a convivência com Eric Hobsbawm, com quem dividiu sala em
Londres e que acabara de morrer. Preparava há anos um ensaio biográfico sobre o
artista Hélio Oiticica.
Sevcenko morreu no mesmo dia
que Eduardo Campos. É importante frisar a importância de seu legado, num
momento em que as atenções, compreensivelmente, estão em outra parte.
Estudiosos de diversos campos
das letras, das ciências sociais, arquitetura, história e até medicina
encontram no seu trabalho fonte importante de pesquisa. Leitores afeitos a
textos escritos com liberdade, que extraíam prazer de levar ao limite as
possibilidades de argumentação e analogia, encontram ali inspiração exemplar.
As aulas abarrotadas de Nicolau
Sevcenko são uma imagem poderosa – a cada greve ou crise financeira da USP,
servem de lembrança sobre o tipo de relação com o conhecimento que vale a pena
cultivar por ali.
Fonte: Blog
do Flávio Moura
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