Sexta, 14 de Março de 2014
O Volume 1: Primeiros Tempos do
livro Revolucionários sem rosto: uma história da Ação Popular, do jornalista
Otto Filgueiras, estará nas livrarias em setembro.
Com um total de 86 capítulos,
divididos em dois volumes, o livro narra a saga dos 18 anos de atuação da Ação
Popular, mas não é um livro-reportagem e muito menos de memórias. Otto não é
personagem. Além de ser cabotinagem, ele diz que sua breve militância não teve
qualquer importância.
O livro é baseado
principalmente na história documental da Ação Popular e também, quando
comprovado pelo autor, no relato oral de antigos dirigentes, militantes,
simpatizantes e familiares dos personagens.
Ele comprovou documentalmente
que, ao longo de sua trajetória, a Ação Popular aglutinou mais de 25 mil
militantes, simpatizantes e pelo menos um milhar deles deslocados para
trabalhar em fábricas e no campo. A organização foi uma das espinhas-dorsais da
resistência ao regime militar.
A pesquisa e entrevistas para o
livro foram iniciadas há 28 anos, em 1986, mas ele só conseguiu concretizá-las
a partir de 2001, quando começou a trabalhar em tempo integral no projeto,
viajou uns 100 mil quilômetros pelo Brasil, principalmente de ônibus,
entrevistou mais de 200 ex-dirigentes, ex-militantes e ex-simpatizantes da AP,
familiares de militantes, advogados e ativistas de outras organizações,
resultando em mais de 700 horas de fitas gravadas e todas transcritas.
Embora as entrevistas sejam
importantes no resgate da história oral, e particularmente para captar a emoção
dos personagens envolvidos com a AP, o jornalista teve o cuidado de checar o
que disseram mais de duas centenas de entrevistados sobre vários episódios, e
só usa as informações apuradas nos relatos orais quando a pessoa de fato
participou dos acontecimentos que narra, mas sempre os subordinando ao contexto
da história do pensamento teórico, ideológico, político e prático da
organização. E, mesmo assim, depois de confirmados os relatos orais por outras
entrevistas e, principalmente, pela história documental, que inclui centenas de
documentos da organização e jornais das várias fases da AP.
Ao longo dos anos, Otto
recolheu material documental dos arquivos dos antigos DOPS de São Paulo, Rio de
Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e de outros estados; pesquisou o arquivo de
Jair Ferreira de Sá (principal dirigente da AP), depositado no Arquivo Público
do Rio de Janei, e recebeu da família dele o arquivo pessoal; examinou o
arquivo de Jean Marc, militante da AP e presidente da UNE; estudou 49 processos
da ditadura contra militantes da AP e outro tanto disponíveis no acervo Brasil
Nunca Mais, depositado no Instituto Edgard Leuenroth, na Universidade de
Campinas (UNICAMP). Percorreu ainda o arquivo do ex-dirigente da AP Duarte
Brasil Lago Pacheco Pereira, também depositado na UNICAMP, onde resgatou e
transcreveu a sua entrevista filmada de sete horas para Armando Boito,
professor daquela universidade. E escarafunchou papéis do Arquivo
Nacional, no Rio de Janeiro.
Afinal, como diz um conto samurai, “o pincel da
escrita é um braço que se alonga da sepultura”.
De origem cristã,
principalmente com influência de pensadores católicos humanistas Emmanuel
Mounier, Teilhard de Chardin, Jacques Maritain, do padre Louis-Joseph Lebret e
do padre brasileiro Henrique Lima Vaz, mas também influenciada por pensadores
teóricos progressistas da igreja presbiteriana, a exemplo do pastor
estadunidense Richard Shaull, a AP começou a ser articulada pela esquerda
católica a partir de 1961, em Minas Gerais, quando surgiu o jornal Ação
Popular.
Inicialmente, a Ação Popular
era considerada apenas um movimento, mas com o tempo seus articuladores
realizaram duas reuniões nacionais em 1962, primeiro em Belo Horizonte e depois
em São Paulo, quando elaboraram os textos Estatuto Ideológico e Esboço do Estatuto
Ideológico. Mas o seu congresso de fundação só aconteceu no carnaval de 1963,
em Salvador (BA), na Escola de Veterinária da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), quando foi aprovado o seu “Documento Base”. Assim, a AP passou a ter um
referencial teórico e se constituiu nacionalmente como organização política,
embora sem registro legal jurídico.
O livro esmiúça toda a história
da Ação Popular, os tantos embates internos que a leva da Igreja ao
marxismo-leninismo. Entre as mais de 200 entrevistas que realizou, Otto
conseguiu depoimentos de personagens históricos, a exemplo do Padre Henrique
Lima Vaz, na época filósofo e principal teórico da esquerda católica, cujas
ideias são decisivas para a fundação da organização e para a redação do
Documento Base aprovado no primeiro congresso da AP, em 1963.
Com base na documentação
encontrada nos arquivos, foi possível esclarecer também os assassinatos dos
militantes e dirigentes da AP Jorge Leal Gonçalves, Raimundo Eduardo da Silva,
Luiz Hirata, Paulo Stuart Wright, José Carlos da Mata Machado, Gildo Lacerda,
Humberto Câmara, Honestino Guimarães, Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz. O
caso de Paulo Stuart Wright é um dos mais importantes: Paulo foi um dos
principais dirigentes da AP, também
tinha origem cristã, a exemplo de vários outros dirigentes, no caso dele presbiteriana,
e incorporou no seu pensamento as ideias do marxismo.
Otto narra no livro
detalhadamente toda a articulação da repressão, comandada pelo Centro de
Informações do Exército, CIE, que levou à prisão mais de 40 pessoas da AP, em
agosto, setembro e outubro de 1973, e particularmente à prisão de Paulo Wright,
entre os dias 4 e 5 de setembro daquele ano e, posteriormente, o seu
assassinato e o assassinato de seis outros militantes da organização. Depois de
assassinado no DOI-CODI de São Paulo, Paulo Stuart Wright foi enterrado pela
polícia no Cemitério de Perus com o nome de Pedro Tim, mas seu corpo nunca foi
encontrado e até hoje ele é dado como “desaparecido”.
O autor recolheu material
inédito que ilustra o livro, inclusive fotos de militantes da AP, presos,
alguns assassinados, e importantes documentos da repressão policial, entre eles
os do Centro Nacional de Informação da Marinha (CENIMAR), do Centro de
Informação do Exército (CIE), do Centro de Informação da Aeronáutica (CISA), do
DOI-CODI de São Paulo e dos antigos DOPS, que esclarecem como ocorreu o cerco
que os órgãos de repressão da ditadura fizeram sobre a AP durante a sua
trajetória e sobre várias prisões e assassinatos de militantes da organização.
Para isso, o jornalista
mergulhou nas centenas de milhares de páginas de depoimentos de presos
políticos, de processos e de relatórios dos órgãos da polícia política do
regime militar. Uma leitura que revela a grandeza e a miséria do comportamento
dos militantes massacrados pela tortura. O relato disso tudo é, talvez, a mais
perturbadora viagem às prisões do governo militar.
Otto não faz concessões, não
cede, não capitula, não transige com a verdade ou com os princípios. Dos
quantos livros sobre esse riquíssimo período da história, o livro de Otto
talvez seja o mais autêntico testemunho da generosidade, da entrega e da
bravura de uma geração de brasileiros. Sem espaços para o arrependimento, as
lamúrias, a auto-complacência ou demonstrações de heroísmo. E, notadamente, sem a fatuidade e a ligeireza
que impedem uma reconstituição da verdade dos fatos, como, desgraçadamente, é o
caso de várias obras sobre os anos 60, 70 e 80.
Mais ainda: ao historiar a
trajetória da Ação Popular, Otto faz a crônica da própria esquerda brasileira,
seus caminhos e descaminhos, as idas e vindas em um país e em um mundo
convulsionados. E, ao iluminar o passado, Otto clareia o presente e mostra que
a história de luta de AP não se conclui com sua extinção. Ela está nas ruas do
Brasil e do mundo.
O livro conta ainda em detalhes
as viagens de várias delegações de militantes e dirigentes da AP à República
Popular da China, nas décadas de 1960 e 1970, para participar de cursos na
Academia Militar de Nankin. Otto conseguiu, com um dos integrantes das
delegações, Euler Ivo Vieira, em 2001, uma foto de militantes e dirigentes da
AP com o primeiro-ministro chinês Chou En Lai.
Como base nos documentos
encontrados na pesquisa, e também em livros autobiográficos já publicados, ele
recuperou a trajetória de pessoas já mortas e que desempenharam papel
importante na história da AP, a exemplo do sociólogo Herbert José de Souza, o
Betinho.
O volume 1 aborda o período de
1930 a setembro de 1968. E o volume 2 vai até 1986. O primeiro volume tem 561
páginas e o volume 2 um outro tanto. O prefácio é do historiador Mário Maestri.
José Benedito Pires Trindade é
jornalista.
Fonte: Correio da Cidadania
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