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Protestos contra autoritarismo na USP resulta em mostras de intolerância, como querer expulsar alunos. (Foto: ©Daniel Marenco/Folhapress) |
Primeiros
depoimentos serão entre os dias 16 e 22. Advogados que auxiliam na defesa dos
alunos consideram inconstitucional o processo que pode resultar na expulsão de
54 pessoas.
Por Tadeu Breda,
Publicado em 14/05/2012, 08:16
Protestos
contra autoritarismo na USP resulta em mostras de intolerância, como querer
expulsar alunos (Foto: ©Daniel Marenco/Folhapress)
São
Paulo – A administração da Universidade de São Paulo (USP) começa na próxima
quarta-feira (16) a colher o depoimento dos estudantes que ocuparam o prédio da
Reitoria em novembro de 2011 em protesto contra a presença da Polícia Militar
no campus do Butantã, zona Oeste de São Paulo, e à detenção de três estudantes
que fumavam maconha na Cidade Universitária. Até agora, 34 alunos foram
convidados a prestar esclarecimentos à Corregedoria da USP. As primeiras
inquirições ocorrem até o dia 22. No total, 54 estudantes estão sendo
processados e correm sérios riscos de expulsão – ou, nas palavras da reitoria,
eliminação – da universidade.
“Os
processos administrativos em andamento dizem respeito a ações ilícitas, como
invasão, depredação de bem público, vandalismo, supressão de documentos,
impedimento do direito de ir e vir de professores, alunos e funcionários, entre
outras”, diz a USP, por meio de sua assessoria de imprensa, após negar-se a
conversar com a Rede Brasil Atual. “Essas ações são consideradas como crimes
pelo Código Penal Brasileiro. O poder disciplinar fundamenta-se na Constituição
Federal de 1988 e no direito administrativo geral brasileiro.”
Mas o
grupo de advogados que colabora com a defesa dos estudantes tem outros
argumentos. “As acusações estão previstas no artigo 250 do Regimento
Disciplinar da USP”, esclarece o coletivo. A normativa foi definida pelo
Decreto 52.906, baixado pelo então governador-interventor de São Paulo Laudo
Natel em 27 de março de 1972, durante a ditadura militar. Talvez por isso o documento
classifique como “infração disciplinar”, entre outras, a prática de ato
atentatório à moral e aos bons costumes, a promoção de manifestações e
propaganda político-partidária, a afixação de cartazes fora dos locais a eles
destinados ou o apoio a ausências coletivas nos trabalhos escolares.
“É
importante frisar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu algumas
garantias individuais, dentre elas a liberdade de manifestação e organização
política, que são naturais num Estado que se pretenda democrático”, dizem os
advogados. “Entretanto, o artigo 250 do Decreto afronta claramente a
Constituição, que é a lei maior do país. Portanto, é incompatível com uma
universidade democrática.”
Provas
O grupo
que colabora com a defesa dos estudantes explica que o único elemento que
sustenta os processos administrativos movidos pela USP – em outras palavras, a
única prova de acusação – é o Boletim de Ocorrência lavrado pelos policiais
militares em 8 de novembro de 2011, dia em que a Tropa de Choque cumpriu ordem
de reintegração de posse e retirou os ocupantes do prédio da reitoria. “Mas o
documento serve apenas para registro do fato, não tem força probatória”, diz o
coletivo. “O B.O. é explícito ao afirmar que nenhuma conduta foi
individualizada. Assim, a atitude da universidade é contrária ao próprio
boletim, que traz apenas a acusação genérica de 'falta grave'. E o Decreto
52.906 não define o que é 'falta grave'.”
Os
advogados lembram que um dos principais direitos do acusado num Estado
democrático é o de receber uma boa acusação, que individualize a conduta
irregular e especifique exatamente o que lhe está sendo imputado. “Somente a
partir disso é que a ampla defesa pode ser exercida em sua plenitude. E não é
isso que acontece nos processos administrativos em curso”, explicam. “A
Constituição afirma que não é possível punir alguém sem individualizar
condutas. Essa tentativa de 'imputação coletiva', portanto, é completamente
descabida do ponto de vista jurídico.”
Outra
particularidade da ação que corre na USP é a onipotência da administração
universitária em colher o depoimento dos acusados, julgar as ações e estipular
punições. “O regimento interno dá margem indiscriminada para o aplicador da
sanção: fica a seu total critério estipular, a partir de uma falta disciplinar
qualquer, qual será a pena do acusado”, diz o grupo que auxilia na defesa dos
alunos. Já que não existem regras pré-fixadas, a reitoria poderá punir os
alunos a seu bel prazer. E a depender do ofício enviado aos estudantes em
abril, convocando-os para prestar depoimento, o processo administrativo visa à
sua “eliminação” dos quadros universitários.
Perseguição
Uma das
pessoas que receberam o documento – com a assinatura do próprio reitor, João
Grandino Rodas – foi Rafael Alves, 30, matriculado desde 2011 no curso de
Letras. Rafael será um dos primeiros a depor, já na quarta-feira. É um dos
poucos que aceitam falar abertamente sobre o caso: está convencido de que sofre
perseguição política devido à sua atuação no movimento estudantil da USP. “Já
fui expulso da universidade uma vez por participar de manifestações em defesa
da moradia estudantil. O reitor cita meu nome nas entrevistas que concede à
imprensa”, lamenta. “Por isso, quanto mais visibilidade meu caso tiver,
melhor.”
O
estudante conta que não estava ocupando a reitoria no dia em que a Cidade
Universitária foi sitiada pela Tropa de Choque. “Era integrante do movimento
como membro da comissão de negociação. Estava participando da ocupação, mas não
estava dormindo lá quando a polícia chegou”, argumenta. “Estava do lado de
fora, protestando, e fui levado para o interior do prédio pelos próprios
policiais.” Rafael conta que não foi o único: outros alunos que faziam pressão
em frente à reitoria, denunciando a ação truculenta da PM, também acabaram lá dentro.
Alguns deles eram moradores do Conjunto Residencial da USP, que fica ao lado da
reitoria, e acordaram de madrugada com as bombas e os ruídos do helicóptero que
acompanhou a operação.
“Tenho
tudo filmado. Apareço em imagens da televisão do lado de fora do prédio, antes
da entrada da polícia. Não estava cometendo crime nenhum”, explica. “E os
companheiros que estavam na reitoria dormiam quando os policiais chegaram. Isso
está no B.O., que também diz que os estudantes foram presos em flagrante pelo
crime de depredação do patrimônio público. Como é possível, se estavam
dormindo?”
Rafael
adianta que, no depoimento, terá todas as condições de provar sua inocência,
inclusive com testemunhas. “Só não sei se será suficiente”, pondera,
demonstrando total falta de confiança na isenção da comissão designada para
apreciar seu caso – três professores escolhidos pela universidade, cujos nomes
permanecem em sigilo. A lisura do processo tampouco lhe dá esperanças. “Tendo a
acreditar que o resultado será aquele que o reitor quiser.”
Na
quarta-feira haverá uma manifestação organizada pelo movimento estudantil para
denunciar o processo administrativo e a perseguição política na USP. A marcha
começará em frente à reitoria, no campus do Butantã, e seguirá até a sede da
Procuradoria da Universidade, na Rua Alvarenga, também na zona Oeste da
capital. “Queremos chamar a atenção para o fato”, justifica Rafael. “Caso
sejamos punidos com a eliminação, que a sociedade ao menos tome conhecimento
das irregularidades.”
Fonte: RedeBrasil Atual
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