No ar há três anos, site compartilhava para download obras raras e fora de catálogo |
Autores e pesquisadores defendem o site
Livros de Humanas, ameaçado judicialmente por promover o compartilhamento
digital de livros raros.
por Bolívar Torres
Há três anos, ele tem se
mostrado uma ferramenta essencial para estudantes e pesquisadores. Diversos
livros esgotados podiam ser baixados de graça em formato PDF ou Epub pelo
Livros de Humanas, site de compartilhamento de publicações de ciências humanas.
Para o público da área, era a chance de ter contato com obras teóricas raras
sobre filosofia, antropologia, literatura e psicanálise, muitas vezes
impossíveis de serem encontradas. No entanto, desde esta quinta, 17, os
usuários se depararam com a seguinte mensagem ao acessar o site: “Olá. O site
está fora do ar porque recebemos notificação judicial da ABDR (Associação
Brasileira dos Direitos Reprográficos). Por ora é o que podemos informar”.
Criado em 2009 por um estudante
da USP, o Livros de Humanas era o maior e mais conhecido site de
compartilhamento de livros. Em pouco mais de dois anos de existência, já havia
formado uma biblioteca maior do que a de muitas faculdades brasileiras. A
biblioteca do Livros de Humanas era toda formada sem qualquer autorização. O
motivo da ameaça judicial teria sido dois livros, um de Jacques Lacan, que
estava esgotado até o ano passado, e outro do professor de letras e linguista
brasileiro José Luiz Fiorin. Ao mesmo tempo, outros sites do gênero também
saíram do ar por causa de ameaças judiciais, como o IOS Book e EpuBr. Mais
tarde, chegaram informações de que os responsáveis pelas ameaças judiciais eram
duas editoras didáticas, Contexto e Forense. Esta última um selo do grupo Gen,
editora de apostila didática para concurso, cujo presidente, Mauro Koogan
Lorch, é diretor da ABDR.
O processo que resultou na
retirada temporária dos sites coloca em xeque a cultura de compartilhamento de
livros digitais. A ampliação da circulação de obras promovida pelo sistema de
trocas na internet revolucionou o acesso ao conhecimento, mas bateu de frente com
os interesses das editoras. Por outro lado, a medida provocou indignação no
meio acadêmico. Professores e pesquisadores, muitos deles autores de livros (e,
portanto, diretamente interessados) se manifestaram nas redes sociais em apoio
ao site.
O antropólogo Eduardo Viveiros
de Castro defendeu a cultura de compartilhamento de livros, afirmando em seu
Twitter que “Sites que permitem a leitura gratuita de livros de difícil acesso,
esgotados ou absurdamente caros, são fundamentais para a difusão do saber. O que
a internet perturba é o CONTROLE, pela editora, da relação entre autor e
leitor. Ninguém perde economicamente. A questão é política. Exceto é claro no
obscuríssimo mercado de livros didáticos, onde a instrumentalização do saber e
a concentração de poder são a regra”.
O antropólogo também acredita
que o ataque ao site é “uma excelente ocasião para se inventariar o negócio do
‘livro didático’ no Brasil, das editoras ao MEC”. Ele aproveita para questionar
os dogmas da ABDR e do mercado editorial: “Nunca vendi tantos livros (nunca
foram muitos, mas enfim) como depois que meus livros entraram nas bibliotecas
públicas da rede”, contou. Ele também afirma que “jamais COMPREI tanto livro
como depois que pude começar a baixar livros GRATUITAMENTE pela rede”.
Quanto
mais downloads, mais vendas
A teoria de Viveiros de Castro
é a mesma de muitos especialistas da área; a de que o público que baixa livros
é o mesmo que compra livros. Recentemente, ninguém menos do que Paulo Coelho,
um dos autores mais vendidos do mundo, confessou que vazava propositalmente
seus livros na internet, já que isso ajudava a promovê-los. O autor notou que
suas vendas aumentaram em países onde costumava ser menos popular, como a
Rússia, logo depois que traduções em russo de seus livros foram
disponibilizadas para download.
“Mais pessoas leram meus livros
graças ao @Livrosdehumanas que por qualquer outra via”, lembrou em seu Twitter
Idelber Avelar, professor de literatura na Universidade de Tulane em New
Orleans. “Como autor, sou profundamente grato e quero ajudar”. Ele também
promoveu uma mobilização: “A internet tem que dar uma resposta contundente a
esse ataque da ABDR contra @Livrosdehumanas. Levantar grana, boicotar, encarar
a luta.”
A ideia de boicote às editoras
foi levantada por diversos perfis no Twitter. O professor e poeta Eduardo
Sterzi afirmou que “Em resposta ao ataque que fizeram a uma das mais
democráticas bibliotecas brasileiras, nunca mais comprarei livros da Forense e
da Contexto”. Sterzi acrescentou: “Sites de compartilhamento de livros têm de
ser vistos e respeitados como bibliotecas. É o que eles são. Combatê-los é
fomentar a ignorância”.
Não é a primeira vez que o
Livros de Humanas sofre com ameaças judiciais. Em 2011, já havia recebido
mensagens de violação dos termos de uso. Ameaçado, foi obrigado a sair do
WordPress e ir atrás de um servidor fora do país. O site, no entanto, sempre funcionou
sem nenhum interesse comercial. Promovia “vaquinhas” entre os usuários para
comprar livros e digitalizá-los. Na prática, trata-se de um sistema de trocas
que sempre aconteceu: diversas pessoas se mobilizam para comprar um livro e
repassá-lo uns para os outros. A internet apenas deu à prática um alcance
global. Além do mais, o site só digitalizava obras esgotadas e de difícil
acesso.
“É óbvio que o blog desrespeita
a legislação vigente”, havia dito o criador da página em entrevista ao Globo,
em 2011, logo após as primeiras ameaças judiciais. “Mas não porque somos
bandidos, mas porque a legislação é um entrave para o desenvolvimento do
pensamento e da cultura no país”.
Vale lembrar que, segundo o
próprio site da ABDR, o “Livros de Humanas” não aparece entre os enquadrados na
categoria pirataria editorial. No Twitter oficial do site, o administrador
anuncia que “a discussão se fará em juízo” e disse que já está “consultando
advogados”.
Fonte: Opinião e Notícia
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