A
resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que obriga as instituições de
ensino superior, federais e privadas, a terem dois cursos de mestrado e quatro
de doutorado até 2016 para manterem o título de universidade mobiliza o sistema
de ensino superior da Região Norte.
O
alerta sobre as dificuldades para se cumprir a meta foi dado por Selma Baçal,
pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Amazonas
(Ufam), que destacou a ausência de cursos de doutorado em parte das universidades
federais presentes na Região Norte do Brasil.
"Este
é um drama que vivem os reitores e pró-reitores de pós graduação, cujas
instituições correm o risco de passar para categorias de faculdades
isoladas", afirmou ela, ao participar da mesa-redonda "Pós-graduação
Stricto Sensu: Demanda Amazônica", evento que encerrou a programação da
Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
realizada entre os dias 27 e 29 de abril no campus avançado da Universidade
Federal do Oeste do Pará (Ufopa), na cidade de Oriximiná (PA). Além de Selma
Baçal participaram da mesa-redonda Claudio Guedes Salgado, professor da
Universidade Federal do Pará (UFPA), e Rodrigo da Silva, professor da Ufopa.
Entre
as instituições citadas por Selma Baçal que precisam se estruturar para atingir
as metas obrigatórias para 2016 estão universidades como a Federal do Acre e de
Roraima, por exemplo. Ambas não têm cursos de doutorado e precisam organizá-los
em um curto espaço de tempo, tarefa difícil dada a falta de professores com
grau de doutor para lecionarem, entre outros problemas do ensino superior na
região. Segundo ela, dois grandes desafios se impõem para o sistema de ensino
superior: a formação, atração e fixação de recursos humanos e a obtenção de recursos
para bolsas e infraestrutura para ensino e pesquisa.
Carências
da região - Em sua apresentação, Rodrigo da Silva, da Ufopa, pontuou as
dificuldades enfrentadas pela região amazônica no desenvolvimento de um sistema
de pós-graduação mais robusto. "Curso de pós não se faz sem ter uma base
científica, sem ter pesquisa de qualidade instalada. Qualidade se faz com a
natureza humana de que a gente dispõe nesses cursos, mas é preciso estabelecer
condições de pesquisa adequadas", destacou.
"Temos
de assumir as dificuldades que temos, e são muitas. Precisamos da união dos
nossos gestores de universidades, que devem correr atrás dessa capacitação de
infraestrutura física para garantir velocidade maior em termos de ganhos de
quantidade e qualidade nas pesquisas", acrescentou. Par ele, um dos
principais desafios é atrair doutores para as instituições da região, capazes
de formar grupos de pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento. Mas
convencer os pesquisadores a irem para a Região Norte depende de fornecer
condições adequadas de trabalho. "Em Manaus, por exemplo, só no ano
passado chegou a banda larga de verdade, ou seja, com qualidade, e ainda assim
existem dificuldades nas conexões", exemplificou.
O
professor também falou da grande dificuldade de separar laboratórios de
pesquisa para uso da graduação. "Temos de qualificar nossos graduandos,
trazer desde cedo os alunos para dentro dos laboratórios de pesquisa",
recomendou. Outro problema é que muito ainda precisa ser construído na Amazônia.
"Tem doutores que querem chegar na região e já produzir. Não querem chegar
e ter que construir prédios", disse, acrescentando que existe ainda um
problema político. Quando muda a administração, é comum mudarem também os
pesquisadores de instituição, depois dos docentes terem lutado para constituir
um centro de pesquisa.
Ele
também falou que os quesitos de produtividade das agências de fomento não levam
em conta as horas de esforço e trabalho que um pesquisador tem para constituir
um novo centro de pesquisa em uma universidade. "Aqui no Norte temos uma
série de dificuldades que não são levados em conta: quantos laboratórios você
teve de ajudar a montar?", questionou. "Na nossa região, temos de
formar as pessoas, não adianta achar que vamos ganhar em quantidade e qualidade
trazendo pessoas do Centro-Sul, mas nada disso é levado em conta. Orientamos
alunos da iniciação científica júnior, mas não tem espaço para colocar esse
dado no Lattes", comentou.
Ainda
sobre a questão de infraestrutura, Silva lembrou que a Ufopa, por exemplo,
conseguiu uma série de equipamentos, mas vários ainda estão encaixotados porque
não há local construído para serem instalados. "Também faltam técnicos
para manipular e fazer a manutenção dos equipamentos. Precisamos de
planejamento e reconhecimento dos gestores dos institutos de pesquisa para que
invistam nisso", prosseguiu.
O
pesquisador também lamentou a situação da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Pará (Fapespa), que ainda não conseguiu garantir um volume estável no
orçamento, e deu como contra-exemplo a fundação do Amazonas (Fapeam), que já
assegura percentuais constantes da receita do Estado para financiar suas
atividades. Acrescentou, ainda, que a atual política do CNPq de vincular os
editais com as Faps está prejudicando os estados com fundações ainda não
consolidadas. "Em uma Fap nova, o CNPq deveria entrar com um aporte maior.
Os grandes editais, ficam limitados à Fapemig, Faperj e Fapesp", apontou,
citando as fundações de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Outro
problema para os bolsistas de pós-graduação da Região Norte está no fato de os
editais não contemplarem as necessidades regionais, especialmente a questão da
logística. Os pesquisadores precisam fazer, em geral, muito trabalho de campo,
mas as agências de fomento não financiam de maneira adequada as despesas com
transporte, um aspecto crítico para quem mora na Região Norte. "Ter
editais mais específicos, direcionados para a Região Norte podia ajudar",
analisou, citando a questão também da pesquisa interdisciplinar, uma
característica dos grupos de pesquisa da região, dada a complexidade das
questões relacionadas à Amazônia.
A
expansão - Como coordenador da mesa-redonda, Claudio Guedes Salgado comparou
números nacionais com os indicadores da Região Norte no que se relaciona a
pós-graduação. Enquanto no Sudeste o maior número de bolsas é concedido para a
área de saúde, no Norte são para as áreas biológica e humanas, segundo dados
levantados junto à Capes. Ele contou ainda que, no ano 2000, a Capes concedeu
20.490 bolsas no total, sendo 311 delas para a Amazônia, e 13.535 para o
Sudeste. Em 2010, o total de bolsas foi de 58.107, sendo 4.501 delas para a
Amazônia e 26.760 para o Sudeste.
Também
se expandiu o número de programas de pesquisa. Em 2000, eram 1.440 programas no
Brasil, 39 deles na Amazônia e 865 no Sudeste. Dez anos depois, o total de
programas, no nível nacional, era de 2.840 - 186 deles na Amazônia e 1.381 no
Sudeste. "Houve avanço no número de bolsas, mas esse avanço não
necessariamente se reflete mudança na equidade existente entre as diferentes
regiões", comentou.
"Está
havendo expansão na região amazônica, surgindo cursos novos, mas a qualidade é
um problema", destacou. Na região amazônica não há cursos com nota máxima
da Capes, que é sete, durante o período 2000 a 2010, enquanto no Sudeste havia
18 cursos nota sete em 2000, e 97 em 2010. Salgado disse que existe um grupo de
pessoas que defende que qualidade se atinge no longo prazo. "Mas temos de
acelerar, transformá-lo em médio ou curto prazo", prosseguiu.
Ele
também destacou que 55% dos recursos aplicados pelo CNPq foram para o Sudeste e
3,34% para os estados do Norte. Os indicadores mostram que os recursos para o
Norte aumentam, mas o percentual dos investimentos feitos na região em relação
ao total se mantém na casa dos 2% a 3%. "Há demanda, pois vemos que os
projetos estão sendo enviados. Os indicadores mostram que cerca de 3% dos
projetos enviados para os editais CNPq, em média, são do Norte. Precisamos
discutir como podemos alterar esse quadro", afirmou.
(Janaína
Simões - SBPC)
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