Recentemente chegou às minhas mãos um livro da
autora sul-coreana Kyung Sook Shin intitulado “Por Favor, Cuide da Mamãe”. O
livro me emocionou de diversas formas e uma delas foi pela universalidade dos
princípios que regem as relações afetivas no interior da família. Gostaria
neste momento em que, de uma forma ou de outra, paramos para pensar em nossas
mães, de convidá-lo a refletir comigo a respeito de alguns desses princípios.
O primeiro deles é a respeito do conhecimento sobre
o outro: quem efetivamente é a nossa mãe? Não pergunto sobre o estereótipo de
mãe cantado por aí. Pergunto a respeito da mulher que nasceu e cresceu em um
determinado tempo e espaço e por eles foi influenciada. Pergunto sobre uma
pessoa que tem preferências, mas poucas escolhas e que o tempo todo abre mão de
seu próprio bem-estar, de sua própria felicidade para atender ao interesse
quase sempre egoísta do marido e o de proteção dos seus filhos.
Hoje pergunto a você: será que conhece a sua mãe?
Consegue enxergar a felicidade dela independente da sua? Isso não é uma tarefa
fácil, pois nos acostumamos a ver os outros sempre através das nossas lentes e
somos incapazes de ver de frente, sem medo, quem é o outro e, portanto, do que
ele realmente precisa.
Sua mãe não nasceu no mesmo dia que você e é
preciso ter isso muito claro para que possa enxergá-la independente da tua
existência e para que deixe de responsabilizá-la por tua vida, seja isso para o
bem ou para o mal. Pergunto: será que
conhecemos nossa mãe? O que a deixa feliz, a acalma? Podemos dizer nossa mamãe
é feliz? Foi feliz?
O segundo princípio é sobre a necessidade de
escutar o outro: por que é tão difícil escutar o que sua mãe diz? Em uma
sociedade que supervaloriza a juventude, a experiência de vida soa como um
barulho irritante que parece querer impedir tudo o que é divertido e prazeroso.
A voz da mãe alertando para as más companhias, para a violência das madrugadas,
para a correria do trânsito, para evitar as drogas não tem espaço entre os infindáveis
apelos do consumo da alegria.
Pergunto a você, então, o que tem te impedido de
ouvir o que sua mãe fala? Tem tido tempo e paciência de sentar e escutar tudo o
que sua mãe precisa dizer?
Nem tudo que ela disser poderá ser verdadeiro,
justo ou real, isso é fato, mas não custa nada afiarmos os ouvidos, abrir o
coração e nos despirmos de preconceitos para escutar o que realmente foi dito e
não somente o que queremos escutar.
O terceiro princípio é a respeito da noção da
passagem do tempo: como você pensa e age à medida que sua mãe envelhece (e com
a velhice aparecem suas “manias”, inseguranças, desequilíbrios, falta de força,
as dores que começam e insistem em permanecer etc.)?
A minha esposa conta que em sua adolescência uma
das experiências que mais a marcou foi presenciar a avó de uma amiga se olhando
no espelho e dizendo: “ _ Um dia você é jovem e no outro descobre que
envelheceu”. Daquele dia em diante decidiu que o tempo não passaria por ela sem
que soubesse em que estágio da vida estava. O tempo passa para todos, mas sua
mãe envelhecerá primeiro do que você. E eu pergunto: você está preparado para
isso? Saberá respeitar a passagem do tempo, celebrando a existência de quem
conseguiu sobreviver a juventude?
Por fim, segundo Kyun Sook Shin, a palavra
“Mamãe”, apesar de familiar, esconde um apelo: por favor, tome conta de mim,
pare de gritar comigo e faça um afago na minha cabeça, fique do meu lado, tenha
eu razão ou não.
Você está pronto para isso? Está pronto para se
doar a quem, certa ou errada, fada ou monstro, foi quem procurou as formas de
garantir que sobrevivesse aos primeiros anos de vida e alçasse os primeiros
voos? Se sim, corra para celebrar com a sua mãe o seu dia. Se não, comece a
partir de hoje a praticar os princípios do conhecimento, da escuta e da
passagem do tempo como exercício para se tornar uma pessoa melhor.
REGINALDO DE SOUZA SILVA, Doutor em
Educação Brasileira, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Email: reginaldoprof@yahoo.com.br
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