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Por ROBERTO LEHER E MARCELO BADARÓ MATTOS
QUI, 14 DE JUNHO DE 2012
Um espectro daninho ronda o
sindicalismo brasileiro há mais de oitenta anos: o sindicato de Estado. Um
morto, como veremos, muito vivo! Em todos os países que viverem ditaduras
fascistas ou aparentadas ao fascismo e que adotaram modelos sindicais
corporativistas (de sindicalismo vertical, sindicato único, umbilicalmente
ligado e controlado pelo Estado), o sindicalismo de Estado foi superado nos
processos de redemocratização. No Brasil, pelo contrário, esse zumbi sobreviveu
a dois processos de redemocratização, distantes 40 anos no século XX. A razão
fundamental para a manutenção da estrutura do sindicato oficial está em sua
funcionalidade para a classe dominante brasileira. Não é pouco significativo o
fato – inerente a sua lógica de funcionamento – de que tal estrutura se
sustenta e é sustentada por uma casta de dirigentes sindicais burocratizados,
que fazem do sindicalismo meio de vida e atuam, antes de mais nada, para
manterem-se à frente do aparato objetivando o usufruto do poder e das vantagens
materiais que ele oferece.
Entre fins dos anos 1970 e
meados dos anos 1980 ocorreu um forte impulso pela autonomia sindical. As
oposições sindicais e os trabalhadores que empreenderam lutas realizaram uma
dura crítica à estrutura do sindicalismo de Estado. Esta fase de retomada das
mobilizações da classe trabalhadora brasileira na luta contra a ditadura
militar ficou conhecida como “novo sindicalismo”. Como outras categorias,
especialmente do funcionalismo público, os docentes universitários fundaram sua
organização de caráter sindical – ANDES (depois da Constituição de 1988,
ANDES-SN) – naquele contexto, e mantiveram com muita ênfase seu compromisso com
um modelo sindical autônomo, combativo e classista, mesmo quando (a partir dos
anos 1990) o “novo sindicalismo” viveu um nítido refluxo.
Entretanto, o peleguismo do
sindicalismo oficial, um verdadeiro gato de sete vidas, se imiscuiu entre os
docentes de ensino superior a partir dos anos 2000, como sempre puxado pela mão
do Estado paternal sempre disposto a tutelar os trabalhadores, considerados um
contingente “sempre criança”. O espectro ganhou um nome, que alguns por
superstição, outros por aversão, se recusam a pronunciar, mas que, como todo
fantasma de verdade (sic) não desaparecerá simplesmente se fecharmos os olhos
fingindo que ele não existe. Tratamos do PROIFES (Federação de Sindicatos de
Professores de Instituições de Ensino Superior).
Algo muito interessante, no
entanto, está acontecendo em meio à greve de inéditas proporções que está em
curso nas Instituições Federais de Ensino Superior. Professores de todo o país,
particularmente naquelas Universidades em que o sindicalismo docente foi
envolvido na rede do peleguismo oficialista, demonstram, inapelavelmente, a
falta de legitimidade da entidade fantasma.
O
sindicato para-oficial entre os docentes
As extraordinárias assembleias gerais dos
professores de universidades e institutos tecnológicos neste momento dirigidos
por setores vinculados à entidade para-governamental, reunindo, como na UFG, a
maior quantidade de professores em uma Assembleia Geral da categoria, revelam
que os docentes das universidades brasileiras não estão passivos e dóceis
diante da vergonhosa tentativa de tutela governamental sobre a livre
organização dos trabalhadores docentes. Longe de ser um fato isolado, o mesmo
está acontecendo nas universidades federais do Ceará, Bahia, Rio Grande do
Norte e em campi da UFSCAR e em IFETs (Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia).
Esses acontecimentos dizem
respeito, em primeiro lugar, a compreensão dos professores de que a sua representação
política tem de ser autônoma em relação ao governo e ao Estado e que a estreita
simbiose entre a organização dita sindical para-oficial e o governo é deletéria
para a carreira, os salários e as condições de trabalho na universidade. Mas a
afirmação da independência política dos docentes nas referidas assembleias tem
uma importância acadêmica, pois é uma condição para a autonomia universitária.
Não pode haver autonomia da universidade se o governo controla até mesmo a
representação política dos docentes. É possível dizer, portanto, que a
afirmação da autonomia dos professores é um gesto crucial para a história da
universidade pública brasileira!
A história da entidade fantasma
nas Universidades é recente, mas ilustra muito bem como funciona o sindicalismo
de Estado no Brasil. Após sucessivas derrotas nas eleições para o Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), parcela
da chapa derrotada foi alçada pelo então ministro da educação Tarso Genro à
condição de representante dos docentes das IFES e, desde então, obteve lugar
cativo na assessoria do governo, notadamente no Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão e no Ministério da Educação.
O sindicalismo de Estado que
fincou raízes entre nós tem origem no período varguista. A investidura
sindical, uma carta de reconhecimento do sindicato pelo Ministério do Trabalho
que confere legalidade a suas prerrogativas de negociação e representação,
acrescida do imposto sindical compulsório e da unicidade sindical, criaram as
condições para a sua institucionalização no Brasil, conformando o sindicato
oficialista. De inspiração fascista, objetiva assegurar a tutela governamental
sobre os trabalhadores, valendo-se de prepostos, os pelegos que, nutridos por
benesses e prebendas governamentais, servem de caixa de ressonância para as
razões dos donos do poder.
As bases jurídicas para tal
estrutura sindical não foram suprimidas, antes disso, são revitalizadas pelas
grandes centrais oficialistas que, a despeito de algumas críticas retóricas ao
imposto sindical, caso da CUT, se movimentam de modo feroz para provocar
desmembramentos de categorias (um requisito em virtude da unicidade e da
presunção do apoio governamental) para obter maior fatia dos R$ 2,5 bilhões
(total do imposto sindical em 2011) distribuídos entre as 6 centrais sindicais
e o Ministério do Trabalho e Emprego.
O oficialismo também é nutrido
pelos generosos dutos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fundo que
arrecadou R$ 50 bilhões em 2011 e que, desde 1990, vêm repassando centenas de
milhões para as centrais oficialistas ofertarem cursos de qualificação
profissional que, a rigor, podem estruturar uma poderosa máquina política
representando, em última instância, os tentáculos dos patrões e dos seus governos
nas organizações supostamente dos trabalhadores.
O processo de cooptação e
subordinação do sindicalismo de Estado se completa com a participação dos
sindicatos oficialistas nos fundos de pensão, que movimentam bilhões de reais
e, para seguirem existindo, precisam valorizar as suas ações adquiridas nas
bolsas de valores em nome da capitalização da aposentadoria dos cotistas. Entre
as principais formas de valorização das ações, os gestores dos fundos
incentivam privatizações, fusões e, o que pode ser considerado o núcleo sólido,
as reestruturações das empresas, por meio de demissões, terceirizações e
generalização da precarização do trabalho. Em suma, a valorização do portfólio
de ações requer que o fundo dito dos trabalhadores se volte contra os direitos
dos demais trabalhadores!
É indubitável que os setores
dominantes podem contar com trincheiras defendidas de modo incondicional pelos
referidos gestores dos fundos e pela burocracia sindical alimentada pelo
imposto sindical, pelo FAT e, no caso das entidades menores, até mesmo por
contratos de prestação de serviços de assessoria ao governo financiados pelo
próprio governo!
Diploma
do Ministério e mão do Estado versus Legitimidade
É irônico observar que com Lula
da Silva – o sindicalista que se destacou entre 1978 e 1980 pelas críticas
duras à estrutura sindical oficial – na presidência da República, o
sindicalismo de Estado ganhou novo fôlego. Foi justamente em seu governo que as
centrais sindicais, que em sua origem, nos anos 1980, nasceram a contrapelo da
estrutura, foram incorporadas ao sindicalismo vertical, ocupando o topo daquela
mesma estrutura montada pelo regime de Vargas nos anos 1930 e reformada pelo
governo do ex-sindicalista nos anos 2000. E seus dirigentes passaram a ocupar
postos centrais na estrutura do governo, particularmente na área do trabalho e
gestão do funcionalismo.
Considerando os objetivos dos
governos Lula da Silva e Dilma Rousseff de empreenderem uma profunda reforma
sindical e trabalhista, a retomada do protagonismo dos professores nas
universidades em que as seções sindicais estão aparelhadas pela entidade para-oficial
é um grande acontecimento para a organização autônoma dos trabalhadores. Isso
porque, por sua fidelidade aos princípios que nortearam o impulso original do “novo
sindicalismo”, o ANDES-SN sempre constituiu um contraexemplo muito incômodo
para o peleguismo dominante.
É impossível prever o desfecho
da greve dos docentes de 2012 na altura em que redigimos este texto. No
entanto, uma conquista já está assegurada. Ao votarem pela adesão ao movimento
nas instituições cujas entidades foram aprisionadas pelo sindicato de carimbo,
os docentes reconhecem a legitimidade do ANDES-SN e de sua busca constante por
um sindicalismo autônomo e combativo. Diante da força da greve não há recurso
ao Ministério do Trabalho, assessoria ao Ministério da Educação, “mãozinha” do
Ministério do Planejamento, ou apadrinhamento da CUT que possam injetar vida
nesse filhote tardio do morto-vivo sindicato de Estado brasileiro. É difícil dizer
se ao fim do processo assistiremos ao enterro definitivo da entidade fantasma,
pois, no quadro do sindicalismo brasileiro, como nos filmes de terror, os
zumbis sempre retornam. Mas é certo que a greve desnudou esse espectro que anda
pelos gabinetes de Brasília a falar em nome dos docentes. E o que se vê por
baixo da capa artificial de legalidade que o Estado tenta lhe vestir é o
putrefato cadáver do peleguismo. Morte rápida à entidade zumbi!
Fonte: Correio da Cidadania
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