Nomes como os de Roberto Carlos e Clara Nunes estão em informe do Exército em 1971.
Henrique de Almeida
Na ânsia de prestar serviço a
seus superiores, os militares e seus informantes que trabalharam do lado da
repressão durante a ditadura militar (1964-1985) acusavam injustamente
artistas, ainda que algumas vezes o fizessem como se os estivessem defendendo.
Um documento de 25 de novembro
de 1971, Info 2755/71/S-103.2, do antigo Centro de Informações do
Exército(CIE), a pretexto de acusar alguns jornais e revistas de "imprensa
marrom", relaciona os "artistas que se uniram à Revolução de 64 no combate
à subversão e outros que estão sempre dispostos a uma efetiva cooperação com o
Governo".
Entre os nomes apresentados na
lista a que o Jornal do Brasil teve
acesso (veja abaixo) estão Aguinaldo Timóteo, Antônio Marcos, o conjunto a
Brazuca, Clara Nunes, Wanderley Cardoso, Roberto Carlos, Rosemary e até o
jogador Jairzinho, centro avante da Seleção Canarinha, tricampeã em 1970. São
pessoas que não tinham o hábito de se posicionarem politicamente naquela época.
Alguns eram até considerados "alienados" pelos intelectuais e
artistas de esquerda, mas jamais haviam sido apontados como
"colaboradores" da ditadura.
O "Informe" foi
resgatado pelo ex-preso político, o jornalista Aluízio Ferreira Palmar, 69
anos, ex membro do MR-8, que foi para a fronteira tentar incitar uma guerrilha
contra o regime militar. "Esse documento era do CIE, e foi difundido para
outros órgãos de inteligência em todo o país pela Polícia Federal. Uma cópia
foi parar na Coordenação Regional do Arquivo Nacional (Coreg). É um documento
público, dentre os vários aos quais tive acesso", explica Palmar.
O documento
Estes documentos da época da
repressão política por ele resgatados estão expostos em uma página na internet
(Documentos Revelados). Ali está, por exemplo, o Informe 2755, com o
timbre do Ministério do Exército e o selo do Centro de Informações da
corporação. O documento explicita:
"Está havendo uma
tentativa progressiva de alguns grupos da imprensa nacional de ressurgirem a
denominada "imprensa marron" (...) No momento, procuram atingir a
honra de vários artistas populares, através de noticiário maldoso e infamante,
alguns incidindo na vida íntima e privada dos mesmos. Observa-se, no entanto,
que o desgaste recai, seguidamente, sobre determinados artistas que se uniram à
Revolução de 64 no combate à subversão e outros que estão sempre dispostos a
uma efetiva colaboração com o governo."
Documento lista nomes de
artistas que estariam sendo atingidos pela dita " imprensa marrom".
Documento lista nomes de
artistas que estariam sendo atingidos pela dita " imprensa marrom".
Em seguida, são citados os
nomes dos artistas: José Fernandes, Wilson Simonal, Alcino Diniz, Rose Mary,
Roberto Carlos, o jogador Jairzinho(Botafogo), Erlon Chaves, Agnaldo Thimóteo,
Clara Nunes, João Dias, Wanderley Cardoso, o conjunto Brasuca, Lilico, Antônio
Carlos, Marcos Lázaro e outros.
Pelo informe do Centro de
Informações do Exército, os principais veículos responsáveis pelas difamações
eram a Revista Intervalo, da Editora Abril; a revista Amiga, da Bloch Editores
S.A; os "jornalecos semanais", de acordo com o documento, como o
Pasquim e o Já; e a coluna social do jornal A Última Hora (uma referência à
coluna do jornalista Tarso de Castro).
O caso Simonal
Curiosamente, este
"informe" ataca a chamada "imprensa marrom" que, segundo os
informantes dos militares, estaria acusando artistas de estarem envolvidos com
o regime ditatorial. Cita nomes que jamais foram apontados como colaboradores
da ditadura, mas no meio destes inclui personagens conhecidos historicamente
por terem feito o papel de delatores.
É o caso do cantor Wilson
Simonal que foi condenado pelo crime de "extorsão mediante arma de
fogo", pelo juízo da 23ª Vara Criminal. Ele conseguiu que seus amigos,
agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (o famigerado DOPS) espancassem
seu ex-contador, Raphael Viviane, até que ele assinasse um documento abrindo
mão de uma ação trabalhista que movia contra o cantor.
Conforme levantou o jornalista
Mário Magalhães, na Folha de S.Paulo, em junho de 2009, na época houve pressão
dos militares a favor do cantor por ele ser colaborador das Forças Armadas e
informante do DOPS. Estas "atividades" paralelas do cantor constam do
processo que o condenou.
Outro citado no Informe do CIE
foi o maestro Erlon Chaves, também já falecido. Ele, segundo pessoas que o
conheceram bem, era um defensor dos governos militares, mas jamais foi
informante ou delator. Apesar disto, acabou preso por "atentado à
moral" ao fazer um show em que as bailarinas apresentaram uma dança mais
erotizada. Ele jamais perdoou seus amigos do governo por esta prisão.
Lista causa surpresa
Apesar das explicações de
Palmar, em nota, a assessoria do Arquivo
Nacional diz que os documentos em questão não constam nas bases de dados dos
acervos do Sistema Nacional de Informações e Contrainformações - SisNI,
tampouco há registros dos documentos reproduzidos por solicitação do Sr.
Aluizio Palmar, quando de suas pesquisas na Coreg.
Autor da biografia de Clara
Nunes, Vagner Fernandes se surpreendeu com a inclusão da cantora no documento e
busca uma explicação para esse fato.
O nome de Clara Nunes apareceu na lista. |
"A Clara Nunes gravou um
samba do Chico Buarque, Apesar de você. O governo percebeu que o conteúdo da
música era "revolucionário" e a EMI/ODEON obrigou-a a gravar o hino
das Olimpíadas do Exército. Por causa disso ela foi muito massacrada por alguns
jornais. Ela não era muito envolvida com política", explicou o autor.
O próprio Aluízio Palmar ficou surpreso quando
teve acesso à informação: "Clara Nunes nunca foi desse meio político. Me
surpreendi, mas não dá para dizer que é uma montagem. É claramente um documento
oficial."
Jairzinho, o único jogador de
futebol citado no documento, rebateu a insinuação com poucas palavras: "Eu sei o que é jogar
bola, eu sei o que é fazer um país comemorar uma vitória na Copa do Mundo. O
meu seguimento é só futebol, eu não me meto em política, nem naquela época eu o
fazia."
A assessoria de Roberto Carlos
não se pronunciou sobre o assunto.
Fonte: Jornal
do Brasil
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