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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Na ditadura, militares complicam artistas em documento


Nomes como os de Roberto Carlos e Clara Nunes estão em informe do Exército em 1971.

Henrique de Almeida


Na ânsia de prestar serviço a seus superiores, os militares e seus informantes que trabalharam do lado da repressão durante a ditadura militar (1964-1985) acusavam injustamente artistas, ainda que algumas vezes o fizessem como se os estivessem defendendo.

Um documento de 25 de novembro de 1971, Info 2755/71/S-103.2, do antigo Centro de Informações do Exército(CIE), a pretexto de acusar alguns jornais e revistas de "imprensa marrom", relaciona os "artistas que se uniram à Revolução de 64 no combate à subversão e outros que estão sempre dispostos a uma efetiva cooperação com o Governo".

Entre os nomes apresentados na lista a que o Jornal do Brasil  teve acesso (veja abaixo) estão Aguinaldo Timóteo, Antônio Marcos, o conjunto a Brazuca, Clara Nunes, Wanderley Cardoso, Roberto Carlos, Rosemary e até o jogador Jairzinho, centro avante da Seleção Canarinha, tricampeã em 1970. São pessoas que não tinham o hábito de se posicionarem politicamente naquela época. Alguns eram até considerados "alienados" pelos intelectuais e artistas de esquerda, mas jamais haviam sido apontados como "colaboradores" da ditadura.

O "Informe" foi resgatado pelo ex-preso político, o jornalista Aluízio Ferreira Palmar, 69 anos, ex membro do MR-8, que foi para a fronteira tentar incitar uma guerrilha contra o regime militar. "Esse documento era do CIE, e foi difundido para outros órgãos de inteligência em todo o país pela Polícia Federal. Uma cópia foi parar na Coordenação Regional do Arquivo Nacional (Coreg). É um documento público, dentre os vários aos quais tive acesso", explica Palmar.

O documento


Estes documentos da época da repressão política por ele resgatados estão expostos em uma página na internet (Documentos Revelados). Ali está, por exemplo, o Informe 2755, com o timbre do Ministério do Exército e o selo do Centro de Informações da corporação. O documento explicita:

"Está havendo uma tentativa progressiva de alguns grupos da imprensa nacional de ressurgirem a denominada "imprensa marron" (...) No momento, procuram atingir a honra de vários artistas populares, através de noticiário maldoso e infamante, alguns incidindo na vida íntima e privada dos mesmos. Observa-se, no entanto, que o desgaste recai, seguidamente, sobre determinados artistas que se uniram à Revolução de 64 no combate à subversão e outros que estão sempre dispostos a uma efetiva colaboração com o governo."

Documento lista nomes de artistas que estariam sendo atingidos pela dita " imprensa marrom".
Documento lista nomes de artistas que estariam sendo atingidos pela dita " imprensa marrom".
Em seguida, são citados os nomes dos artistas: José Fernandes, Wilson Simonal, Alcino Diniz, Rose Mary, Roberto Carlos, o jogador Jairzinho(Botafogo), Erlon Chaves, Agnaldo Thimóteo, Clara Nunes, João Dias, Wanderley Cardoso, o conjunto Brasuca, Lilico, Antônio Carlos, Marcos Lázaro e outros.

Pelo informe do Centro de Informações do Exército, os principais veículos responsáveis pelas difamações eram a Revista Intervalo, da Editora Abril; a revista Amiga, da Bloch Editores S.A; os "jornalecos semanais", de acordo com o documento, como o Pasquim e o Já; e a coluna social do jornal A Última Hora (uma referência à coluna do jornalista Tarso de Castro).

O caso Simonal

Curiosamente, este "informe" ataca a chamada "imprensa marrom" que, segundo os informantes dos militares, estaria acusando artistas de estarem envolvidos com o regime ditatorial. Cita nomes que jamais foram apontados como colaboradores da ditadura, mas no meio destes inclui personagens conhecidos historicamente por terem feito o papel de delatores.

É o caso do cantor Wilson Simonal que foi condenado pelo crime de "extorsão mediante arma de fogo", pelo juízo da 23ª Vara Criminal. Ele conseguiu que seus amigos, agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (o famigerado DOPS) espancassem seu ex-contador, Raphael Viviane, até que ele assinasse um documento abrindo mão de uma ação trabalhista que movia contra o cantor.

Conforme levantou o jornalista Mário Magalhães, na Folha de S.Paulo, em junho de 2009, na época houve pressão dos militares a favor do cantor por ele ser colaborador das Forças Armadas e informante do DOPS. Estas "atividades" paralelas do cantor constam do processo que o condenou.

Outro citado no Informe do CIE foi o maestro Erlon Chaves, também já falecido. Ele, segundo pessoas que o conheceram bem, era um defensor dos governos militares, mas jamais foi informante ou delator. Apesar disto, acabou preso por "atentado à moral" ao fazer um show em que as bailarinas apresentaram uma dança mais erotizada. Ele jamais perdoou seus amigos do governo por esta prisão.

Lista causa surpresa

Apesar das explicações de Palmar,  em nota, a assessoria do Arquivo Nacional diz que os documentos em questão não constam nas bases de dados dos acervos do Sistema Nacional de Informações e Contrainformações - SisNI, tampouco há registros dos documentos reproduzidos por solicitação do Sr. Aluizio Palmar, quando de suas pesquisas na Coreg.

Autor da biografia de Clara Nunes, Vagner Fernandes se surpreendeu com a inclusão da cantora no documento e busca uma explicação para esse fato.

O nome de Clara Nunes apareceu na lista.
"A Clara Nunes gravou um samba do Chico Buarque, Apesar de você. O governo percebeu que o conteúdo da música era "revolucionário" e a EMI/ODEON obrigou-a a gravar o hino das Olimpíadas do Exército. Por causa disso ela foi muito massacrada por alguns jornais. Ela não era muito envolvida com política", explicou o autor.

 O próprio Aluízio Palmar ficou surpreso quando teve acesso à informação: "Clara Nunes nunca foi desse meio político. Me surpreendi, mas não dá para dizer que é uma montagem. É claramente um documento oficial."

Jairzinho, o único jogador de futebol citado no documento, rebateu a insinuação com poucas palavras: "Eu sei o que é jogar bola, eu sei o que é fazer um país comemorar uma vitória na Copa do Mundo. O meu seguimento é só futebol, eu não me meto em política, nem naquela época eu o fazia."

A assessoria de Roberto Carlos não se pronunciou sobre o assunto.

XIII Encontro Humanístico – Multiculturalismo

Convite e Programação – XIII Encontro Humanísticos

24/10/2013

Informe à comunidade acadêmica

Com satisfação informamos que q programação do XIII Encontro Humanístico está disponível. O evento tem o Multiculturalismo como tema norteador e ocorrerá entre os dias 11 e 14 de novembro de 2013.

Os interessados podem participar de todas todas as atividades programadas. Porém, a emissão dos certificados está condicionada a inscrição no sítio eletrônico do evento, conforme instruções dispostas no link instruções.

Lembramos que minicursos, mesas redondas e atividades artísticas têm início já no dia 11 de novembro, primeiro dia do Encontro. Confira os dias e locais das atividades de seu interesse.

Contamos com sua participação e esperamos ter um excelente Encontro.

Um afetuoso abraço de toda a comissão organizadora.

Clique aqui para fazer o download do arquivo

Caderno de Programação

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

1964: múltiplas reflexões: A defesa de presos políticos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985)





Trata-se de um evento sobre A DEFESA DE PRESOS POLÍTICOS DURANTE A DITADURA MILITAR, priorizando uma reflexão sobre a legislação vigente durante a ditadura militar, o papel desempenhado pelos advogados de presos políticos e a postura dos tribunais militares. O palestrante, Joaquim Inácio dos Santos Gomes, militou durante anos contra as prisões e condenações arbitrárias e na defesa dos direitos dos presos políticos na Bahia. Seu testemunho é algo indispensável em tempos de discussão sobre os 50 anos do golpe de 1964.

domingo, 13 de outubro de 2013

Chamada de trabalho - “As lutas do Coletivo: Somos todos vândalos”

 

Submissão de resumo até 18 de outubro.

 
As Lutas do Coletivo: Somos Todos Vândalos!
28 e 29 de Novembro, UFF Campus do Gragoatá, Bloco B, Auditório Macunaíma, Niterói. 
Tempos de muita intensidade estão sendo vividos em nosso país. Intensidade que se revela na insatisfação generalizada que o regime político - servo do modo de produção capitalista - tem provocado na população. Violência nas favelas, violência às comunidades indígenas, violência no espaço público militarizado, violência no sistema penal, violência aos movimentos sociais, violência às minorias. Violências muitas vezes intensificadas por práticas psi descomprometidas com uma postura ético-política que defendemos.
Pensando em tudo isso, estamos organizando o seminário “As lutas do Coletivo: Somos todos vândalos”, evento anual da pós-graduação em psicologia da Universidade Federal Fluminense, que este ano traz como objetivo pensar  as práticas insurgentes que se dão nos mais variados territórios frente diversas formas de fascismo que povoam a cena contemporânea.
 
CHAMADA PARA INSCRIÇÃO DE TRABALHOS

O evento constará de mesas redondas, grupos de trabalho,  interferências e apresentações artísticas.

Confirmados até o momento: Vera Malaguti, Cláudia Camuri, Francisco Leonel de Figueiredo Fernandes, Cristina Rauter, Marcelo Santana, Vera Vital Brasil.
 
Convocamos todos os interessados para a inscrição de trabalhos, para os quais sugerimos quatro temas:
 
·       Políticas sobre Drogas, Cidades e Higienismo.
·       Engrenagens Carcerárias e Policização do Quotidiano
·       A ocupação da rua como espaço de resistências
·       As mídias insurgentes: A revolução não será televisionada.

Para se inscrever, você deverá apresentar um resumo de até 300 palavras além do título do trabalho, mencionando o tema em que deseja inseri-lo. Se selecionado, o trabalho será apresentado num dos grupos temáticos.
Prazo máximo para inscrição: 18/10/2013.
O resumo deverá ser enviado para o e-mail: lutaspsiuff@gmail.comO evento será realizado no Auditório Macunaíma - Bloco B, Campus de Gragoatá – UFF nos dias 28 e 29 de novembro. As salas dos grupos de trabalhos serão divulgadas no dia do evento.

Em discurso em Frankfurt, Ruffato associa Brasil a genocídio, impunidade e intolerância



CASSIANO ELEK MACHADO
RAQUEL COZER
ENVIADOS ESPECIAIS A FRANKFURT
Folha de São Paulo
08/10/2013 - 16h02


Leia a íntegra do discurso do escritor Luiz Ruffato na abertura da Feira do Livro de Frankfurt:
"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.
O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro --é a alteridade que nos confere o sentido de existir--, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.
Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.
Até meados do século 19, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, jornalistas, artistas plásticos, cineastas, escritores.
Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania --moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade--, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...
Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo.
A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.
Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.
Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.
E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.
O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais --ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.
A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.
Mas, temos avançado.
A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia - são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.
Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, mas privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.
Nós somos um país paradoxal.
Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo --amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.
Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...
Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?
Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."