Foto: Metropress |
Aulões não atraem alunos da
rede estadual de ensino
Adalton dos Anjos e Clarissa Pacheco
06/09/2012
Mais de 200
adolescentes cheios de energia e com os hormônios à flor da pele são
concentrados em um mesmo espaço para uma mega-aula com "professores de
ponta". Sobram risadas, gritos e a sensação é que todos estão em um
estádio de futebol ou em um show de música. O professor até tenta atrair a
atenção da multidão e conseguir o silêncio necessário para iniciar a
explicação, mas ele não consegue. Foi neste cenário bagunçado que aconteceu
mais um aulão para a rede estadual, visando ao Enem, no último sábado (1º), no
Colégio Estadual Ministro Aliomar Baleeiro.
A empresa Abais Conteúdos
Educativos e Produção Cultural foi contratada pelo governo por um polêmico
valor de R$ 1,6 milhão para promover as 384 aulas e reparar os 115 dias da
greve dos professores da rede estadual. Mas o resultado do início da reposição
é um número de cadeiras vazias bem maior do que de ocupadas, e queixas dos
alunos, que saem esgotados de tanto conteúdo em tão pouco tempo.
Sem público, o governo toma
ações não planejadas anteriormente, como a recente abertura de vagas para
ex-alunos e estudantes da Educação de Jovens e Adultos e a mudança de polos de
aulas do Cabula, no Colégio Favo, para o Colégio Estadual Ministro Aliomar
Baleeiro. Só que o Jornal da Metrópole constatou essa semana que as ações não
surtiram efeito, já que as aulas no Cabula terminaram com cerca de 40 alunos,
apesar de ter começado com 200. Na Ribeira, no Colégio da Polícia Militar
(CPM), até o final da tarde, não havia mais do que 50 estudantes.
Método
falho
Foram escolhidos 32 temas das
mais diversas disciplinas para serem discutidos nos 16 encontros. Com tão pouco
tempo, as aulas parecem muito mais uma revisão daquilo que (não) foi visto na
sala do que uma aula aprofundada sobre os assuntos. Tudo é visto de forma
superficial, e é comum ouvir, durante as aulas, frases dos professores como
"vocês já devem ter visto...". Curiosamente, sempre onde o Jornal da
Metrópole esteve, tais comentários dos mestres foram seguidos por risadas dos alunos
que ficaram 115 dias sem aulas por conta da greve.
Para o professor da UNB e
ex-consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), Célio da Cunha, aulas em grandes auditórios não têm a mesma
eficiência. "Um grande princípio do processo de aprendizagem é a
organização de conteúdo. Isso só é possível em salas com 20 ou 30 alunos, no
máximo", diz.
Quanto maior o número de
alunos, mais fácil é a dispersão dos jovens. Durante o aulão no CPM, dois
estudantes pouco se preocupavam com a aula sobre mudanças climáticas. A meta da
dupla era acomodar o celular em uma posição confortável para que pudessem
assistir ao jogo entre Vitória e América-RN, pela Série B do Campeonato
Brasileiro.
Aulas
cansativas
Os poucos 'sobreviventes' das
aulas carregadas de conteúdo saem completamente esgotados e nem os mais
disciplinados conseguem manter a concentração até o final. "A primeira
aula foi divertida, mas a segunda foi muito cansativa. Tinha muito
assunto", reclama Clarissa Lira, do Colégio Estadual Ministro Aliomar
Baleeiro, em Pernambués, após uma tarde de aulão.
Clarissa e sua colega Adriane
Lira foram pela primeira vez ao aulão oferecido pelo governo porque ele estava
sendo realizado na escola delas. Para as estudantes, a ausência nas outras
edições do aulão tem como motivo a distância de casa até o local das aulas.
"Iam mandar um ônibus para levar os alunos da escola, mas não mandaram
porque os alunos não se interessaram", explica Adriane.
SEC
"cumpre meta"
A estudante Priscila Borges, do
Colégio Estadual Rotary, em Itapuã, foi bem clara quando perguntada sobre a
ausência nos aulões do Enem. "A gente não foi porque não quis",
afirma, explicando que não houve incentivos por parte da escola para que os
alunos frequentassem os aulões.
A desmotivação da estudante não
é algo isolado e está diretamente ligada à postura da Secretaria de Educação
sobre os aulões. A assessoria de imprensa da SEC informou que a meta era
"ofertar os aulões para todos os concluintes do ensino médio e por isso utilizou
várias estratégias para que o conteúdo chegue aos estudantes". O órgão,
porém, não usou as "várias estratégias" para que os estudantes
busquem e assimilem o conteúdo.
Choque
de horários
A Secretaria de Educação do
Estado (SEC) informou que ampliou o público nos aulões do Enem para ex-alunos e
estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Salvador para "atender
aos pedidos" dos estudantes. Ainda segundo o órgão, a previsão é que os
132.428 alunos matriculados no 3º ano no estado assistam as aulas
presencialmente, por videoconferência ou no Portal da Educação.
Questionada sobre o choque de
horários entre os aulões e as aulas de reposição, a SEC informou que os
estudantes devem se inscrever em um turno diferente do qual frequenta as aulas
regulares, já que "os aulões não substituem o dia letivo".
Quanto à mudança no polo de
aulas na região do Cabula do Colégio Favo para o Colégio Estadual Ministro
Aliomar Baleeiro, a SEC informou que a maioria dos aulões só poderiam acontecer
aos domingos, quando a procura dos estudantes era baixa. Com a alteração das
aulas de preparação para o Enem para o colégio, o órgão economizou a verba do
aluguel e garantiu o público da escola.
"Nada
compensa a greve"
Durante a tarde de estreia dos
aulões do Enem no Colégio Estadual Aliomar Baleeiro no último sábado (1º), era
constante a saída dos alunos do auditório pelos mais diferentes motivos. Alguns
deles chegavam a admitir que foram para a escola apenas para assinar a lista de
presença. "O pessoal achou que a aula era na sala de aula, por isso se
desinteressaram e foram embora", explica a estudante Clarissa Lira.
Para o consultor Célio da
Cunha, nada compensa a ida dos alunos para as aulas em um ano letivo. "A
alternativa é válida para compensar a greve, mas nada compensa a presença na
sala de aula", afirma o professor. Célio ainda criticou o tempo perdido
entre os professores em greve e o governo do Estado para negociar o retorno
para as salas de aulas. "De fato, temos que pensar é em como melhorar a carreira
do professor e evitar essas greves. Isso prejudica o processo educativo",
conclui.
Fonte: Jornal
da Metrópole
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