Superar atraso brasileiro requer investimento público.
Mídia prefere opor professores a alunos e sugerir
que boa gestão se faz sem recursos…
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Por Daniel Cara
Revista Educação
Diversos veículos da grande
imprensa têm pecado pela fragilidade de argumentos no debate educacional
brasileiro. Tirando algumas exceções, a maioria tem trazido simplificações
equivocadas e discursos cínicos. O aspecto mais preocupante do fenômeno é o
grave abandono do bom senso e da ulterior agenda dos direitos, como o direito a
uma escola pública digna para se estudar. A opinião pública, a cada dia, vai se
acostumando com uma agenda educacional medíocre, definida por termos que pouco
ou nada dizem, como “expectativas de aprendizagem”, “exposição do aluno à
aprendizagem” e outros disparates das mesmas e infelizes fontes terminológicas.
Com o acirramento do debate,
alguns supostos “especialistas”, para encastelar sua posição e valorizá-la
perante a sociedade, passam a cometer o absurdo de cindir o universo
educacional entre aqueles que “defendem o professor” contra eles próprios, os
autoproclamados “defensores dos alunos”. Nessa cínica e falsa divisão, que
rebaixa o estudante à condição de vítima, não é preciso escola digna, bem
equipada, boa merenda, professor intelectualizado, nada disso. Não é preciso
respeitar os direitos de alunos e professores a espaços dignos. Com base em um
grave pragmatismo ofensivo, independentemente das condições ofertadas, o
objetivo é alcançar os fins, ou seja, um resultado mínimo de aprendizado em
português e matemática, quando muito em ciências.
Sinceramente, não perco meu
tempo me esforçando a entender essas revoltantes simplificações. Posso até ser
limitado, mas tenho a humildade de saber que não há uma fórmula capaz de
garantir educação de qualidade sem professor bem remunerado, com carreira
atrativa, boa formação inicial e continuada. Também não consigo debater
educação opondo os direitos dos educadores aos direitos dos alunos – e
vice-versa. Acredito e defendo aquilo que até está sacramentado na LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Lei nº 9.394/1996): a educação se dá
em um processo contínuo de ensino-aprendizagem.
Aliás, a boa e séria
bibliografia nacional e estrangeira mostra que é preciso envolver no processo
educativo, além de professores e estudantes, as famílias, diretores e
coordenadores pedagógicos, os demais profissionais da educação, os gestores dos
sistemas públicos de ensino, a comunidade do entorno da escola, a sociedade
civil, etc. Em educação, a participação dos atores altera positivamente o
produto.
Durante a educação básica,
estudei em escola privada e em escola pública, uma excelente escola pública,
diga-se de passagem. Depois de graduado, trabalhei em escolas públicas das
zonas sul, leste e norte de São Paulo. Não fui, não sou, nem nunca serei
tolerante com professor que falta por motivos injustificáveis, diretora que não
dirige sua escola, gestor educacional que não conhece sua rede. Não aceito
prédio sujo e mal pintado, quadra sem cesta de basquete e trava de futebol,
sala de aula com carteira quebrada e pichada, disciplinas sem professor, escola
sem biblioteca e laboratórios, banheiros sem porta, arquitetura de escola que
mais parece presídio, policial que canta e coage alunos e alunas, enquanto
deveria prevenir a violência (aliás, escola não é lugar de polícia!). Por tudo
isso, fiquei muito feliz com o Diário de Classe da estudante Isadora Faber, produzido
no Facebook. Quiça muitos similares se espalhem pelo país afora!
Desse modo, presenciei e
convivi com toda sorte de problemas enquanto coordenei um projeto de formação
de grêmios estudantis em unidades escolares da rede pública estadual de ensino
de São Paulo. Contudo, embora os tristes absurdos, conheci muito mais gente com
vontade de ensinar e de aprender do que profissionais irresponsáveis, famílias
alienadas e alunos desinteressados. E é muitas vezes assim que parte
significativa da imprensa rotula os atores da escola pública.
Diante da minha experiência de
trabalho, da minha aposta na escola pública e, principalmente, do meu respeito
ao bom senso, não consigo mais ler, ouvir e ler as insistentes aspas e falas de
que “a educação brasileira não precisa de recursos, mas de melhor gestão”. Esse
discurso é falso mesmo em sua variante politicamente correta, “não basta mais
recursos, isso até é importante, mas é preciso boa gestão”. É uma espécie de
falácia circular, que como toda falácia, não leva a nada.
Em primeiro lugar, eu não
conheço a mágica capaz de garantir boa gestão sem profissionais bem remunerados
e motivados, tanto nas escolas, como nos órgãos gestores das redes. Conhecendo
escolas públicas de todo o Brasil, localizadas em grandes capitais e em
municípios minúsculos, não consigo entender como será possível garantir uma boa
gestão educacional sem recursos para transporte escolar, merenda, manutenção
predial, aquisição de livros, instalação de laboratórios de informática e
ciências. Tomar as medidas necessárias para o respeito às necessidades básicas
dos alunos também é uma decisão de gestão. Conclusão: diferente do que afirma o
discurso cínico, não há boa gestão sem o investimento adequado de recursos. Por
derivação, lutar por mais recursos é brigar pela garantia de condições para uma
boa gestão educacional. Simples assim.
Recentemente, foi concluída na
Câmara dos Deputados a primeira versão do texto que em breve se tornará o novo
PNE (Plano Nacional de Educação). Como é de conhecimento geral, aprovamos por
unanimidade, em Comissão Especial, uma meta de investimento equivalente a 10%
do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação pública. A proposta de PNE, que
é a mais importante peça de planejamento educacional conforme determina a
Constituição Federal, seguirá para o Senado Federal. Depois de mais de vinte
meses de debates, o consenso em torno da meta de financiamento foi alcançado
por meio de contas e estudos que calcularam o custo das outras 19 metas e
centenas de estratégias dispostas no PNE, respeitando-se um inédito padrão
mínimo de qualidade.
Diferente do que se fala pelos
jornais e programas televisivos pelo Brasil afora, ninguém seria irresponsável
de aprovar um patamar substantivo de recursos sem dizer como e no que eles
serão efetivamente gastos. E foram as imposições do malfadado presidencialismo
de coalizão brasileiro que não permitiu um avanço maior. Inclusive, diferente
do Governo Federal que enviou a proposta original de PNE, apontamos diversas
alternativas de fontes de financiamento ao futuro plano educacional. Quase
todas foram rejeitadas, o que não nos impedirá de insistirmos.
No dia seguinte à nossa
conquista, diversos editoriais de grandes veículos de comunicação criticaram
duramente a meta que determina a necessidade de duplicar, gradativamente e em
até 10 anos, o investimento do Estado brasileiro em educação. Os argumentos
variaram um pouco, mas a base argumentativa foi e sempre é a mesma: não é
preciso mais dinheiro, se faz necessário melhor gestão.
Nessa semana, a OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Organização das
Nações Unidas) mostrou que o Brasil, graças à nossa incansável luta, foi o
segundo país que mais ampliou seu patamar de investimento em educação. Contudo,
mesmo diante desse esforço, fruto da pressão das redes e entidades da sociedade
civil que se esmeram em aprovar leis com o Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da
Educação), a Emenda Constitucional 59/2009 (que devolveu mais de R$ 11 bilhões
à educação) e o Piso Nacional dos Professores, ainda somos um dos países que
praticam as piores médias de custo-aluno ao ano. E, como todos sabem, qualquer
média de investimento no Brasil esconde infinitas desigualdades, principalmente
as regionais.
Na mesma linha, uma rápida
observação dos dados expostos no estudo da OCDE traz uma conclusão
estarrecedora: mesmo se não houvesse qualquer corrupção na educação (e
hediondamente, há muita!), ainda assim, o que investimos não é capaz de suprir
o mínimo necessário em comparação com os outros países. E por que isso ocorre?
Porque o estudo contempla a média do custo-aluno ao ano informada pelo MEC
(Ministério da Educação) ao organismo internacional. Nessa média, como não
poderia deixar de ser, está considerada construção de escola superfaturada,
contrato de merenda escolar que extrapola os valores de mercado, pagamento de
professores em desvio de função, etc.
Assim, o Brasil, ao invés de
insistir na glorificação de algumas poucas centenas de escolas públicas de
qualidade num universo de mais de 170 mil para comprovar a tese da gestão,
tentando afirmar que é possível transformar em regra a exceção, precisa buscar
meios para consagrar o direito à educação pública de qualidade para todos e
todos, inclusive colocando na escola quem está fora dela. E se é para
transformar regra em exceção, que seja pela reprodução do padrão de custo-aluno
ao ano investido nas escolas federais de educação básica, sejam elas unidades
de escolas técnicas, colégios de aplicação ou colégios militares.
De uma vez por todas, se o objetivo
da nação for a consagração dos direitos sociais e a universalização de um
padrão digno de qualidade de vida, não há outra saída: é preciso investir mais
em educação pública. Até por que o Brasil é um dos países que mais envelhecem
no mundo e, se não investirmos desde agora na atual e na próxima geração de
crianças, adolescentes e jovens, não haverá gente capaz de investir no Brasil
num futuro bem próximo. Nosso problema, concretamente, é muito mais profundo do
que aquilo que o imediatismo ou a superfície do debate educacional e econômico
nos permite observar.
Tudo isso posto, não temos mais
tempo para insistir na reprodução de falácias ou na busca de soluções mágicas e
falsas de gestão. Passou da hora de termos menos hipocrisia e falso bom mocismo
no debate educacional. É urgente a necessidade de o Brasil pôr a educação, a
ciência e tecnologia e a saúde no centro de suas prioridades. Objetivamente,
pela distribuição orçamentária observada hoje, elas não são. Aliás,
infelizmente, essas três áreas fundamentais estão muito distantes de alcançar
algum status de prioridade no orçamento público brasileiro.
Fonte: Outras
Palavras
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