Antônio Ozaí*
O caráter antidemocrático da
universidade sustenta-se na separação entre os servidores, na pretensa
superioridade da minoria titulada e no domínio docente amparado na regra dos
70%, 15% e 15% quanto ao peso do voto nos órgãos decisórios. Não se trata de uma
questão matemática, mas de uma forma de pensar as relações no campus e se
traduz, no cotidiano, em atitudes arrogantes quanto aos demais trabalhadores
não-docentes.
Muitos esquecem que as
condições necessárias para o desempenho da atividade docente dependem do
trabalhador que desempenha a função mais simples e dos que regem os destinos da
carreira acadêmica nos meandros da burocracia. Em situação normal, zeladoras, vigilantes,
bibliotecárias, trabalhadores do RU, secretárias e demais funcionários dos
departamentos e centros, etc., parecem seres invisíveis. A greve deu-lhes
visibilidade. De repente, muitos docentes perceberam que eles existem e que são
fundamentais para a prática da docência. Infelizmente, essa percepção não se
traduz necessariamente em reconhecimento e valorização destes profissionais,
mas na pressão para que os grevistas continuem a trabalhar como se não
estivessem em greve! Ora, greve é greve! É tão difícil compreender?!
Acostumados a mandar, os
docentes tem dificuldade de assimilar um fato simples: a greve significa
paralisação das atividades! As chaves não abrem blocos e salas de aula sem a
ação humana, os ambientes não ficam limpos sem o trabalho humano, o acesso ao
conhecimento sedimentado nos livros da BCE não é possível sem a intermediação
dos que abrem as portas, dos que fazem a higienização, das bibliotecárias e
demais trabalhadores. Exigir que atendam às demandas dos docentes é pedir para
que não façam greve, é enfraquecer o movimento. Desculpem a redundância, mas se
as coisas funcionassem com a normalidade de antes, então não estaríamos diante
de uma greve.
Os trabalhadores em greve
mostram o quanto são importantes para nós e a sociedade. Se os docentes não
haviam percebido isto, ainda é tempo. Fazer o discurso da solidariedade e do
reconhecimento do direito de greve e reclamar do óbvio, ou imaginar que
merecemos um tratamento diferenciado porque somos docentes, é, na prática,
negar a solidariedade. Apegar-se aos interesses corporativistas é continuar
insistindo na divisão. A rigor, somos todos servidores, trabalhadores que
desempenham funções diferentes. Nossos salários expressam diferenças
profissionais e sociais, mas não determinam qualidades humanas diferenciadas
nem desqualificam outras atividades que não seja a docência.
Não somos seres humanos
melhores pelo fato de passarmos mais anos na escolarização formal e termos
títulos acadêmicos. Nós precisamos dos demais para desempenhar as nossas
funções. Este reconhecimento indica a necessidade de descermos do Olimpo, de
nutrir a humildade e valorizar os que contribuem para a atividade docente.
Afinal, apesar das disputas entre os que se arrogam o direito de nos
representar, somos todos servidores!
Se os docentes param, o efeito
direto é sentido quase que exclusivamente pelos alunos. A paralisação dos
demais trabalhadores, no entanto, afeta os docentes, os alunos e a comunidade
externa que depende de determinados serviços oferecidos pela universidade.
Precisamos refletir sobre esta questão, a qual é mais ampla e importante do que
o corporativismo de uns e outros.
Professores ensinam, mas chegou
o tempo de aprender! Aprendam que não são superiores; que são dependentes do
trabalho dos demais; aprendam a valorizá-los e que greve é greve; aprendam a
serem solidários em atos e a respeitaram, de fato, o direito de greve; aprendam
a não olhar apenas para o próprio umbigo – o mundo é grande! – e a irem além
dos interesses mesquinhos e corporativos; aprendam que a postura de confronto
com o movimento grevista acirra ainda mais a divisão entre nós. Claro, sempre
há quem tenha interesse e se beneficie. Aprendam que a vida continua e amanhã,
quando tudo voltar à normalidade do cotidiano, continuaremos a precisar deles e
delas!
*Professor do Departamento de
Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da
Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social
Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária
(Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
Fonte: Blog
do Ozaí
É cômodo ignorar os invisíveis e bradar ao patrão que temos direitos, que somos sujeitos, quando também reproduzimos as mesmas relações de poder em nossas casa e nos locais de trabalho. Agora, os professores em greve se tornam invisíveis também, mas logo retomaram suas funções e se esquecerão que tudo ao seu redor está cercado pelo trabalho humano. Tão importantes quanto suas discussões e artigos titulados é o cheirinho do café entrando no departamento, ou o cheiro de limpeza que esperamos encontrar no banheiro, ou mesmo a vigilância na portaria...
ResponderExcluir