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sábado, 27 de setembro de 2014

Educação, alegres estatísticas e impasses reais

Por CLEOMAR MANHAS
25/09/2014


Em duas décadas, Brasil multiplicou acesso ao ensino e recursos para financiá-lo. De nada adiantará, se não enfrentarmos desafios da inovação e qualidade


A política de educação no Brasil avançou significativamente, nas duas últimas décadas. O acesso à escola foi praticamente universalizado, na faixa etária compreendida entre 6 e 14  anos (ensino fundamental). Ampliou-se, também, entre 15 e 17 anos a partir da vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento  da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2006. E com a aprovação da Emenda Constitucional 59, de 2009, que torna obrigatória a etapa da educação infantil intitulada de pré-escola, a demanda por matrículas entre 4 e 5 anos de idade terá de ser integralmente atendidas até 2016.

Apesar de ainda termos cerca de 3% de crianças fora da escola, na faixa etária compreendida entre 6 e 14 anos e um número maior entre 4 e  6 e entre 15 e 17 anos, pode-se dizer que o direito à educação tem sido contemplado, mas também é preciso perguntar como este direito é atendido.

Precisa-se, então, qualificar o direito à educação, para atingir o que se denomina por educação de qualidade, que, de acordo com estudantes de ensino médio do Distrito Federal significa: “Aquela que fortalece a identidade e estima dos/das estudantes; que é participativa e coletiva; com pluralismo étnico-racial e combate às discriminações; que estimula a diversidade de corpos, amores, solidariedade; que ao invés de conservar, liberta”.

E disseram mais, que para se ter educação de qualidade necessita-se de “direito à cidade”; ataque aos preconceitos; “educação para além das escolas”; “ser direito e não ser comercializada”; “estímulo à cidadania”; “consciência ambiental”. E que educação de qualidade não existe hoje. Apesar de avanços educacionais, precisa-se de uma reforma ampla nas formas de ensino e aprendizagem para que se possa atingir este objetivo.
 
Para entender os motivos que levam cerca de 50% dos estudantes que ingressam na escola não acessarem o ensino médio ou abandonarem esta etapa antes de concluída, o Inesc — Instituto de Estudos Sócio-Econômicos — realizou, em parceria com o Unicef, oficinas em quatro escolas de Brasília com o intuito de escutar os próprios adolescentes. E o que se ouve o tempo todo é que se faz necessária uma reforma do ensino, outras metodologias, outros currículos, outras abordagens, pois a escola está ficando na estrada. Há novas maneiras de ver e fazer coisas, novas visões de mundo e a instituição escola se dá ao direito de não percebê-las.

Nas oficinas, foram utilizados materiais produzidos pela campanha realizada pelo Unicef, em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “Fora da Escola Não Pode e na Escola sem Aprender Também Não”. Com base em dados do IBGE, constatou que o perfil de quem está excluído ou com risco de abandonar a escola é formado majoritariamente por jovens do sexo masculino, negros, que  vivem em famílias de baixa renda e tem pais ou responsáveis com pouca escolaridade.

O mais curioso, ou corroborador desse relatório, é que as pesquisas realizadas nas quatro escolas de ensino médio do DF encontraram dados semelhantes, com base na percepção de parte da comunidade escolar das quatro diferentes regiões de Brasília: Plano Piloto, Gama, Guará (que atende em maioria alunos da Cidade Estrutural) e Paranoá.

E como se pode verificar, os achados de pesquisa dialogam com as desigualdades brasileiras, de renda, de raça/cor, de escolaridade, sem falar que quando se olha mais detidamente veem-se estampadas também as desigualdades regionais. Seja com relação às diferentes regiões do Brasil, seja nas diferentes regiões das áreas metropolitanas. Por exemplo, na pequena amostra brasiliense percebe-se as maiores dificuldades de aprendizagem entre os estudantes da Estrutural, por ser a região que abriga o lixão do Distrito Federal e sua população ser formada por maioria de catadores de materiais recicláveis, quase todos negros, com baixíssima ou nenhuma escolaridade e renda.

Portanto, sem medo das generalizações, o que ficou claro no processo de formação e pesquisa com os adolescentes, constatado no relatório gerado, é que o necessário para promover uma revolução na educação pública, além dos recursos pelos quais se mobilizou durante o processo de votação do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional, é leveza de alma para mudar. Propor novos currículos, repensar o que se acredita ser disciplina e a que e a quem ela serve, perceber as mudanças culturais que estão acontecendo em velocidade máxima e discuti-las no âmbito das mudanças curriculares.

Além de dialogar com a sociedade sobre as desigualdades. Ou, assumir as desigualdades para resolvê-las. Para isso, não bastam ações governamentais, mas algo no âmbito da própria educação e da cultura. Já há várias iniciativas em curso, como as cotas raciais, a proposta de criminalização da homofobia (que ainda não se conseguiu), as cotas universitárias para alunos de escolas públicas, programas como Prouni, por exemplo. No entanto, isso não basta, é preciso, acima de tudo, que governos e sociedade, como um todo, revejam princípios e saiam para além de suas cercanias. Reflitam sobre anos de violações de direitos e queiram outros modelos e outras práticas.

É preciso tirar o véu que encobre fatores promotores e reforçadores de novas e velhas formas de desigualdades, que passam pela manutenção de privilégios para poucos iluminados, que continuam resolvendo processos eleitorais por meio de financiamento de campanhas políticas, por exemplo. Ou a coleção de impostos regressivos, que faz com que aqueles que ganham até três salários mínimos comprometam 50% da renda com tributação indireta. Com opções de políticas culturais que continuam a favorecer os mesmos em detrimento das manifestações locais. Ou quando pensam em dar acesso à cultura  propõem levar cultura até a favela e não em contribuir para que a cultura da favela se mantenha viva.

Para que a educação se realize como educação de qualidade é preciso, de fato e não apenas no discurso, que parte da sociedade que perpetua preconceitos e agudiza desigualdades, se conscientize de que direitos são para todas as pessoas e não apenas para os “humanos direitos”.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Cuba tem a melhor educação da América Latina, diz Banco Mundial

Educação de Cuba é a melhor da América Latina e Caribe, garante Banco Mundial (divulgação)
Salim Lamrani, Opera Mundi


Banco Mundial diz que Cuba tem a melhor Educação da América Latina e do Caribe. De acordo com a organização internacional, trata-se do único país da região que dispõe de um sistema educativo de alta qualidade

O Banco Mundial acaba de publicar um relatório revelador sobre a problemática da educação na América Latina e no Caribe. Intitulado Professores excelentes. Como melhorar a aprendizagem na América Latina e no Caribe, o estudo analisa os sistemas educativos públicos dos países do continente e os principais desafios que enfrentam. 1

Na América Latina, os professores de educação básica (pré-escolar, primária e secundária) constituem um capital humano de 7 milhões de pessoas, ou seja, 4% da população ativa da região, e mais de 20% dos trabalhadores técnicos e profissionais. Seus salários absorvem 4% do PIB do continente e suas condições de trabalho variam de uma região para outra, inclusive dentro das fronteiras nacionais. Os professores, mal remunerados, são, em sua maioria, mulheres — uma média de 75% — e pertencem às classes sociais modestas. Além disso, o corpo docente supera os 40 anos de idade e considera-se que esteja “envelhecido”. 2

O Banco Mundial lembra que todos os governos do planeta escrutinam com atenção “a qualidade e o desempenho dos professores” no momento em que os objetivos dos sistemas educativos se adaptam às novas realidades. Agora, o foco está na aquisição de competências e não apenas no simples acúmulo de conhecimentos.

As conclusões do relatório são implacáveis. O Banco Mundial enfatiza “a baixa qualidade média dos professores da América Latina e do Caribe”, o que constitui o principal obstáculo para o avanço da educação no continente. Os conteúdos acadêmicos são inadequados e as práticas ineficientes. Pouco e mal formados, os professores consagram apenas 65% do tempo de aula à instrução, “o que equivale a perder um dia completo de instrução por semana”. Por outro lado, o material didático disponível continua sendo pouco utilizado, particularmente as novas tecnologias de informação e comunicação. Além disso, os professores não conseguem impor sua autoridade, manter a atenção dos alunos e estimular a participação. 3

De acordo com a instituição financeira internacional, “nenhum corpo docente da região pode ser considerado de alta qualidade em comparação aos parâmetros mundiais”, com a notável exceção de Cuba. O Banco Mundial aponta que “na atualidade, nenhum sistema escolar latino-americano, com a possível exceção de Cuba, está perto de mostrar os parâmetros elevados, o forte talento académico, as remunerações altas ou, ao menos, adequadas e a elevada autonomia profissional que caracteriza os sistemas educativos mais eficazes do mundo, como os da Finlândia, Singapura, Xangai (China), da República da Coreia, dos Países Baixos e do Canadá”. 4

De fato, apenas Cuba, onde a educação tem sido a principal prioridade desde 1959, dispõe de um sistema educativo eficiente e com professores de alto nível. O país antilhano não tem nada para invejar das nações mais desenvolvidas. A ilha do Caribe é, além disso, a nação do mundo que dedica a parte mais elevada do orçamento nacional (13%) para a educação. 5

Não é a primeira vez que o Banco Mundial elogia o sistema educacional de Cuba. Em um relatório anterior, a organização lembrava a excelência do sistema social da ilha:

“Cuba é internacionalmente reconhecida por seus êxitos nos campos da educação e da saúde, com um serviço social que supera o da maior parte dos países em vias de desenvolvimento e em certos setores se compara ao dos países desenvolvidos. Desde a Revolução Cubana, em 1959, e do subsequente estabelecimento de um governo comunista com partido único, o país criou um sistema de serviços sociais que garante o acesso universal à educação e à saúde, proporcionado pelo Estado. Esse modelo permitiu a Cuba alcançar a alfabetização universal, erradicar certas doenças, [prover] acesso geral à água potável e salubridade pública de base, [atingir] as taxas mais baixas da região de mortalidade infantil e uma das maiores expectativas de vida. Uma revisão dos indicadores sociais de Cuba revela uma melhora quase contínua de 1960 até 1980. Vários indicadores principais, como a expectativa de vida e a taxa de mortalidade infantil continuaram melhorando durante a crise econômica do país nos anos 90 [...]. Atualmente, os serviços sociais de Cuba são parte dos melhores do mundo em desenvolvimento, como documentam numerosas fontes internacionais, incluindo a Organização Mundial da Saúde, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, além de outras agências da ONU e o Banco Mundial […]. Cuba supera amplamente a América Latina, o Caribe e outros países de renda média nos indicadores principais: educação, saúde e salubridade pública”. 6

VEJA TAMBÉM: Educação cubana: dados que impressionam

O Banco Mundial lembra que a elaboração de bons sistemas educacionais é vital para o futuro da América Latina e do Caribe. Reforça, também, o exemplo de Cuba, que alcançou a excelência nesse setor e é o único país do continente que dispõe de um corpo docente de alta qualidade. Esses resultados são explicados pela vontade política do governo do país caribenho de colocar a juventude no centro do projeto de sociedade, dedicando os recursos necessários para a aquisição de saberes e competências. Apesar dos recursos limitados de uma nação do Terceiro Mundo e do estado de sítio econômico imposto pelos Estados Unidos há mais de meio século, Cuba, baseando-se no adágio de José Martí, seu apóstolo e herói nacional, “ser culto para ser livre”, demonstra que uma educação de qualidade está ao alcance de todas as nações.

1. Barbara Bruns & Javier Luque, Profesores excelentes. Cómo mejorar el aprendizaje en América Latina y el Caribe, Washington, Banco Mundial, 2014. (site consultado no dia 30 de agosto de 2014).

2. Ibid.

3. Ibid.

4. Ibid.

5. Salim Lamrani, Cuba : les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Estrella, 2013, p. 40.

6. Ibid., p. 87-88.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

RBBA - Chamada para publicação de novo número

A Revista Binacional Brasil/Argentina - Diálogo entre as Ciências (RBBA - ISSN: 2316-1205), convida pesquisadores e intelectuais diversos que trabalham com o tema da educação para publicação de dossiê (artigos, resenhas, entrevistas...) de sua 6ª edição. O eixo central sob o qual este número versará será "Pedagogias críticas na América Latina: memórias, práticas e embates”. A seleção do tema diz respeito à necessidade de discutir o desenvolvimento das teorias e experiências educacionais contrahegemônicas, bem como realizar a análise crítica das orientações teóricas e políticas dominantes na educação contemporânea. Complementará o número a publicação de artigos diversos, caso para o qual a Revista aceita artigos em fluxo contínuo.

As submissões se encontram abertas até o dia 10 de novembro de 2014, sendo que, para efetuá-las, os trabalhos podem ser encaminhados diretamente ao Site da RBBA e/ou ao e-mail da Revista. As normas para submissão e as diretrizes para os autores, assim como demais informações também poderão ser encontradas no site da RBBA.

EDUC relança Ideologia nacional e nacionalismo, de Lúcio Flávio Almeida

Sumário

Apresentação

Primeira Parte – ESTADO-NAÇÃO, IDEOLOGIA NACIONAL E LUTAS DE CLASSES

Estado-nação e ideologia nacional

Uma proposta de análise

Mercadoria e ideologia nacional

Relações de produção e ideologia nacional

Direito burguês e ideologia nacional

Territorialidade e ideologia nacional

Ideologia nacional e lutas de classes

Ideologia nacional e nacionalismo

Ideologia nacional e democracia burguesa

Ideologia nacional e variantes ideológicas

Ideologia nacional e nacionalitarismo

Segunda Parte – REDEFINIÇÕES DO NACIONALISMO POPULISTA NO BRASIL

Algumas questões e hipóteses sobre o nacionalismo populista no Brasil

A atualidade do tema

A bibliografia

A constituição do nacionalismo o populista no Brasil

A “Revolução de 1930” e a crise no interior do bloco no poder

A matriz ideológica

O nacionalismo militar: uma configuração específica do nacionalismo populista brasileiro

O nacionalismo militar

O nacionalismo burocrático: os tenentes e Vargas

Simonsen e o nacionalismo da burguesia industrial

A crise do nacionalismo militar

A burguesia industrial escolhe o seu modelo

O PCB entra; a burguesia industrial sai

A exacerbação do nacionalismo burocrático

Duas variantes do nacionalismo populista no início dos anos 1960

A ascensão do nacionalismo popular na fase final do populismo

A burguesia dá adeus ao populismo

Nacionalismo e política na crise do capitalismo brasileiro do início dos anos 1960

Bibliografia

Pelo fim de toda forma de terceirização de trabalho

Carta aberta à classe trabalhadora e aos presidenciáveis

publicado em 8 de setembro de 2014

Carta Aberta à Classe Trabalhadora e aos Presidenciáveis

por Jorge Souto Maior, Graça Druck,  Lincoln Secco, Paulo Arantes,Marcus Orione, Luiz Renato Martins, Flávio Batista,Gustavo Seferian, Guilherme Guimarães Feliciano, Valdete Severo e Luis Carlos Moro*

A terceirização pulveriza a classe trabalhadora, impedindo sua luta coletiva (sindical) e precarizando as suas condições de vida e de trabalho.

Acima de qualquer retórica de que a terceirização se trata de uma reengenharia moderna do processo produtivo, essencial à competitividade das empresas, estando permitida, juridicamente, pelos princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual, o fato concreto é que a terceirização, que foi introduzida nas relações de trabalho no Brasil em 1974, pela Lei n. 6.019, ampliando seu alcance a partir de 1993, com a Súmula 331, do TST, que, inclusive, traz a contradição de ter o mérito de restringir a terceirização, só tem gerado sofrimento à classe trabalhadora, sem qualquer benefício concreto à economia nacional, sendo que, juridicamente, fere os princípios do valor social da livre iniciativa, da melhoria da condição social dos trabalhadores, da função social da propriedade, do desenvolvimento da economia sob os ditames da justiça social e da dignidade humana.

Os dados concretos são inquestionáveis: os terceirizados recebem salários mais baixos que os demais trabalhadores; são alvo de um número bem mais elevado de acidentes do trabalho; são vítimas de segregação no ambiente de trabalho, sendo, consequentemente, alvo do assédio moral provocado pela invisibilidade e pela forma descartável como são tratados; constituem a maioria dos trabalhadores resgatados na condição de trabalho análogo ao escravo; são literalmente jogados de um local de trabalho para outro sem qualquer previsibilidade ou critério; têm constantemente alterado o seu horário de trabalho; não recebem direitos básicos e encontram grandes entraves para cobrar esses direitos, seja pela dificuldade da ação coletiva, seja pelos problemas de ordem processual criados pelo número excessivo de tomadores de serviço ou pela própria precariedade econômica da maioria das empresas de prestação de serviços.

A situação é talvez ainda mais grave no setor público.

Primeiro, porque sem o permissivo constitucional a terceirização no setor público representa um sério atentado à conquista democrática do concurso público.

Segundo, porque exacerba a lógica da precarização na medida em que a contratação se dá em favor da empresa que apresenta o menor preço (o que, claro, também se dá no setor privado, ainda que de forma não institucionalizada).

Terceiro, porque diante das sucessivas trocas de prestadoras, os trabalhadores acabam ficando sem gozar férias (ainda que recebam o valor correspondente), o que pode perdurar por anos.
E quarto, por conta do problema adicional de ordem processual, que dificulta a responsabilização do ente público pelo pagamento aos trabalhadores dos direitos não respeitados.

A experiência real da terceirização pode ser verificada nos inúmeros processos que a cada dia tramitam nas Varas do Trabalho de todo o país, assim como nos diversos segmentos em que foi implementada de forma mais ampla.

Ocorre que a compreensão dos efeitos deletérios da terceirização e demais formas de precarização está bastante evidenciada entre os trabalhadores e estes já demonstraram a sua força para, nos últimos anos, barrar os projetos que visavam minar ainda mais os seus direitos, como se deu, recentemente, com o ACE e o Projeto de Lei n. 4.330.

No quadro atual, ademais, a eleição para a Presidência da República é o momento decisivo para que os trabalhadores deixem a postura defensiva a que foram submetidos desde a década de 90 e passem à luta por melhores condições, que tem como ponto central o fim de toda forma de terceirização, sobretudo porque, surfando na onda da eleição (e da eterna “crise econômica”), alguns segmentos empresariais estão se valendo da sua força exatamente para tentar ampliar a terceirização.

Os problemas em torno da educação, moradia, saúde e transporte são tão relevantes para a classe trabalhadora quanto às garantias para sua ação política e a terceirização é a fórmula básica de uma desarticulação dos trabalhadores.

Sem desprezar outras formas de luta, não se pode deixar de perceber que neste momento o voto representa uma grande arma para os trabalhadores, sendo que o posicionamento dos presidenciáveis a respeito do tema, terceirização, que é propositalmente negligenciado nos debates, deve ser decisivo para a sua escolha.

No Programa de Governo da candidata Marina Silva há uma clara defesa de ideais neoliberais. As posições parecem mesmo reproduções do projeto tucano da década de 90, deixando evidenciada uma prevalência da racionalidade econômica sobre o humano. Ainda que com esforço retórico faça menção à preservação de políticas sociais, o conteúdo ideológico do programa se revela quando, por exemplo, diz que “A formação de capital humano é o nosso maior desafio”, ou quando escora-se no fundamento típico da pregação neoliberal da chamada “abertura de mercados”, que, no fundo, aniquilou a produção nacional e incentivou a especulação internacional. A respeito, o Programa propõe: “Aumentar a competição internacional em todos os setores a fim de forçar a eficiência das empresas brasileiras”.

No aspecto da legislação trabalhista traz a mesma ladainha, utilizada na década de 90 (que já havia sido explicitada no início da ditadura militar), de que as conquistas históricas da classe trabalhadora serão respeitadas: “O Brasil conta com uma legislação trabalhista construída ao longo de mais de 70 anos de história. Ela assegurou vários avanços. Essas conquistas históricas serão preservadas.”

Chega mesmo a reforçar a ideia, apregoando que “Assegurar o bem-estar e a melhoria de vida dos trabalhadores é uma bandeira importante do socialismo democrático…” (….) “Daí o compromisso com a preservação dos direitos conquistados em anos de luta”…

Mas escorrega na vala comum do neoliberalismo ao reproduzir a velha cantilena de que “É necessário atualizar a legislação”.

E por “atualização”, entenda-se: ampliar a terceirização, no mesmo estilo do que se defendeu na década de 90. A terceirização aparece no Programa, mais de uma vez, como uma espécie de pedra fundamental para o aumento do faturamento das empresas.

Além disso, reitera-se o argumento principal de que os entraves jurídicos à implementação de uma terceirização em larga escala representam obstáculos ao desenvolvimento do país:

Existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor, reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior renda.

Disciplinar a terceirização de atividade com regras que a viabilizem, assegurando o equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência e dos de respeito às regras de proteção do trabalho.

Ou seja, na visão do Programa de Marina, o problema do Brasil são os terceirizados e as entidades que tentam garantir a esses trabalhadores os seus direitos. A solução preconizada é retirar a resistência protagonizada pelo Direito do Trabalho, deixando que, no livre jogo do comércio, com a corda da ameaça do desemprego em virtude de uma infindável crise econômica no pescoço, os trabalhadores abram mão, por sua “livre vontade”, de seus direitos históricos, o que fica ainda mais favorecido sem a resistência sindical, pois a terceirização, como dito inicialmente, pulveriza a classe trabalhadora.

Ou seja, o projeto econômico da presidenciável Marina retroage em 20 (vinte) anos nos ataques às garantias dos trabalhadores, pondo em grave risco a própria economia nacional, que, vale repetir, somente não foi à bancarrota em 2008 por conta da resistência que a classe trabalhadora, com apoio decisivo da comunidade acadêmica e de entidades representativas de magistrados, procuradores e advogados trabalhistas, impôs ao projeto neoliberal no final da década de 90/início dos anos 2000.

É evidente que uma arma decisiva que os trabalhadores possuem para impedir esse retrocesso é o voto. Mas é de todo conveniente verificar o posicionamento dos demais candidatos a respeito desse assunto, pois no governo do PT as tentativas para avançar na terceirização também se apresentaram e estão expressas, inclusive, no projeto de lei, apresentado pelo governo, que regula o SUT – Sistema Único do Trabalho (PL 6.573/2013).

A Presidenta Dilma, é verdade, disse estar muito preocupada com o impacto do programa de governo da presidenciável Marina, “no que diz respeito à terceirização do trabalho no Brasil”.

E asseverou:

Eu fico muito preocupada e queria dizer que eu não fui eleita para desempregar ou reduzir a importância da indústria, principalmente aquela que pode ser uma indústria que tenha grande absorção de tecnologia e inovação, e não serei reeleita para isso.[1]

Isso, no entanto, é muito pouco para uma definição da classe trabalhadora, ao menos nesse aspecto, em favor da Presidenta, ainda mais diante do histórico recente do apoio de seu governo às tentativas de diminuição das garantias trabalhistas que vieram no ACE e no PL 4.330, destacando-se, ainda, o PL 6.573, já citado.

De todo modo, a Presidenta tem a oportunidade, a partir da presente carta, de explicar qual é exatamente a posição de seu governo com relação à terceirização, sendo que o mesmo se requer, por oportuno, de todos os demais candidatos.

Aguardemos as respostas!

São Paulo, 05 de setembro de 2014.

*Os autores são professores universitários (USP e UFBA) e estudiosos das relações de trabalho no Brasil.

[1]. http://terramagazine.terra.com.br/blogterramagazine/blog/2014/09/01/marina-rebate-dilma-ela-deveria-ter-medo-de-nao-ter-o-proprio-programa/

Fonte: Viomundo

Imperialismo e Guerra

1914-2014: 100 anos da Primeira Guerra Mundial
Simpósio
 4, 5 e 6 de novembro de 2014 – 9 às 22 horas
USP (FFLCH) – Departamento de História – Cidade Universitária
tibProgramação
3º feira, 4 de novembro
ABERTURA: Emília Viotti da Costa (Professora Emérita)
9:00 hs. (AH): CAUSAS E NATUREZA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: Maria de Lourdes Mônaco Janotti – Paulo Santos Silva – Tibor Rabockzai – Jayme Brener
9:00 hs. (SV): CORRIDA TERRITORIAL-COLONIAL E IMPERIALISMO: Everaldo de Andrade – Silvia DeBernardinis – Maria Helena P. T. Machado – Maria Clara Salles Carneiro Sampaio
14:00 hs. (AH): PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E REVOLUÇÃO NA EUROPA: Isabel Loureiro – Milton Pinheiro – Valério Arcary – Antonio Rago – Edgardo Loguercio
14:00 hs. (SV): A GUERRA, DE CLAUSEWITZ AO MARXISMO: Rodrigo Duarte Passos – Douglas Anfra – Wilson Barbosa – José Roberto Martins Filho – Piero de Camargo Leirner 
17:00 hs. (AH): GUERRA E VANGUARDAS CULTURAIS NO SÉCULO XX: Maria Lucia Homem – Francisco Alambert – Elias Thomé Saliba – Valéria De Marco
17:00 hs. (SV): GUERRAS E GENOCÍDIOS NO SÉCULO XX: Marcos Zilli - Flávio de Leão Bastos Pereira – Rodrigo Medina Zagni – Heitor Carvalho Loureiro – Samuel Feldberg
17:00 hs. (CAPH): O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: Roney Cytrynowicz – Paulo Cunha – Priscila Ferreira Perazzo – Alfredo Oscar Salun
19:30 hs. (AH): ENTRE JUSTIÇA E BARBÁRIE, A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: Osvaldo Coggiola – Muniz Ferreira – José Geraldo Vinci de Moraes – Tullo Vigevani – Marcus Serra
19:30 hs. (SV): GUERRAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL NA ÁFRICA: Leila Leite Hernandez – Marina Gusmão de Mendonça – Patricia Villen – Maria Cristina Wissenbach
4º feira, 5 de novembro
9:00 hs. (AH): GUERRAS E GUERRILHAS NA AMÉRICA LATINA: Gilberto Maringoni – Silvia Miskulin – Carlos César Almendra – Valter Pomar – Erson M. Oliveira
9:00 hs. (SV): A GUERRA DO VIETNÃ E OS EUA: Sean Purdy – Mary Anne Junqueira – Sergio Domingues – Apoena Cosenza
14:00 hs. (AH): “GUERRA INFINITA”, TERRORISMO E ESTADO DE EXCEÇÃO: Peter Demant – José Arbex – Reginaldo Nasser – Paulo Arantes – José Farhat
14:00 hs. (SV): IMPERIALISMO E GUERRA NUCLEAR:Júlio Turra – André Martin – Malcon Arriaga – Renatho Costa
14:00 hs. (CAPH): MOVIMENTO OPERÁRIO E GUERRA:Luiz Bernardo Pericás – Paulo Barsotti – Aldrin Castellucci – Maurício Parisi – Alexandre Linares – Fernando Sarti Ferreira
17:00 hs. (AH): IMPÉRIO? O IMPERIALISMO HOJE: Virginia Fontes – Alberto Handfas – Mauro Iasi – André Ferrari – Lucio Flávio de Almeida
17:00 hs. (SV): GUERRA E REVOLUÇÃO NA CHINA: José R. Mao Jr. – Lincoln Secco – Luciano Martorano – Eduardo Serra
19:30 hs. (AH): MILITARES, TERRORISMO DE ESTADO E GUERRILHAS NO BRASIL: Frei Betto – Antonio R. Espinosa – Angelica Lovatto – José Genoíno – Pedro Pomar
19:30 hs. (SV): IMPERIALISMO, GUERRA E FONTES ENERGÉTICAS: Ildo Sauer – Igor Fuser – Armen Mamigonian – Francisco Hernandez del Moral – Ana Paula Salviatti
5º feira, 6 de novembro
9:00 hs. (AH): A ONU ENTRE A PAZ PERPÉTUA E A GUERRA SEM FIM: Henrique Carneiro – Luiz Eduardo Motta – José Viegas – Ricardo Musse
9:00 hs. (SV): A GUERRA CIVIL ESPANHOLA: Archimedes Barros – Ismara Izepe de Souza – Fernando Camargo - Ivan Rodrigues Martin
9:00 hs. (CAPH): COLÔMBIA: DO BOGOTAZO ÀS FARC:Yuri Martins Fontes – Oliverio Medina – Maria Fernanda Pinto – Ana Carolina Ramos – Pietro Alarcón
14:00 hs. (AH): MULHERES NA GUERRA, MULHERES EM GUERRA: Margarete Rago – Esther Galego Solano – Andrea Borelli – Renata Gonçalves
14:00 hs. (SV): CAPITAL FINANCEIRO, MONOPÓLIOS E IMPERIALISMO: Edmilson Costa – Sofia Manzano – Luiz Eduardo Simões de Souza – Fatima Previdelli
14:00 hs. (CAPH): O PACIFISMO NO SÉCULO XX: Antônio C. Mazzeo – Marcelo Bráz – Ramon Vilarino – Alexandre Hecker – Zilda Iokoi
17:00 hs. (AH): GUERRA E PAZ NO ORIENTE MÉDIO:Arlene Clemesha – Paulo Farah – Salem Nasser – Soraya Misleh – Luiz Gustavo Cunha Soares
17:00 hs. (SV): A RÚSSIA EM DUAS GUERRAS MUNDIAIS:Angelo Segrillo – Joana Salem – Luiz Antônio Costa – Caio Dezorzi – Henrique Canary
19:30 hs. (AH): CINEMA E GUERRA CONTEMPORÂNEA:Marcos A. Silva – Marcos Napolitano – Rodrigo Czajka – Wagner Pinheiro Pereira – Ellen E. Nascimento
19:30 hs. (CAPH): ECONOMIA DE GUERRA E PRODUÇÃO ARMAMENTISTA: Gilson Dantas – Vitor Schincariol – Sandro Wambier – José Menezes Gomes
AH: Anfiteatro de História – SV: Sala de Vídeo – CAPH: Centro de Apoio à Pesquisa Histórica
Comissão Organizadora: Osvaldo Coggiola – Lincoln Secco – Milton Pinheiro – Luiz B. Pericás – Everaldo de Andrade – Rodrigo Ricupero – Francisco Alambert – Rodrigo Medina Zagni
Apoio: Programa de Pós-Graduação em História Econômica – Prolam-USP – Instituto Caio Prado Jr. – Universidade do Estado da Bahia – Revista Mouro – Ateliê Editora  – EPPEN/Unifesp – Revista Margem Esquerda – Editora Boitempo
Inscrições: www.imperialismoeguerra.fflch.usp.br Serão fornecidos certificados de frequência

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Doutorado Informal, criar sem depender da Academia


por Alex Bretas Vasconcelos

14/09/2014

Como desenvolver um projeto de aprendizado autônomo e consistente, estabelecendo redes de diálogo e colaboração com quem acredita em conhecimento além dos certificados
Kathryn começou a ter coceira nas ideias. Mais especificamente, ela alimentava uma curiosidade cada dia maior em relação a carros esportivos: na verdade, ela queria comprar um Fiero antigo e restaurá-lo das rodas ao teto, um trabalho que pelas contas de Kathryn demoraria uns quatro anos. Argumentos pensados, convenceu os pais a deixarem-na comprar o carro com um dinheiro que ela mesma havia economizado.
Ao longo dos trabalhos de restauração, Kathryn sentiu-se inspirada pelo seu pai, que sempre a acompanhava, e por mensagens que trocava num fórum que reunia entusiastas do Fiero na internet. Dia após dia, ela construía, sujava as mãos, e depois as limpava para ler coisas sobre funilaria, pintura, sistemas elétricos e mecânicos. Como não poderia deixar de ser, conciliava a reforma do automóvel com várias outras atividades, como frequentar a escola, jogar bola e trabalhar como babá.
Depois de algum tempo, os amigos que Kathryn fez no fórum deixaram de somente postar elogios admirados e mensagens de motivação e passaram a perguntá-la seriamente sobre assuntos relacionados à restauração do Fiero. Ela começou a ser reconhecida pelo que aprendia, e isso devido a um projeto autônomo que partiu de um desejo corajoso.
Assim como Kathryn, que ousou colocar no mundo a sua curiosidade mais genuína, eu também o fiz. E estou arriscando chamar isso de doutorado informal. Toda essa história começou com o André Gravatá, que passou a utilizar o termo para nomear o projeto de aprendizagem autônomo que criara para si. O doutorado, aquele nível que certifica as pessoas que já podem inovar no mundo acadêmico, quando informal, aponta numa outra direção: todos já carregam consigo a sabedoria e a criatividade necessárias para inovar, e podem fazer isso sem depender da universidade.
Simples, só não é fácil. Yaacov Hetch – educador israelense e estudioso da educação democrática – diz que muita gente acha que a vida das crianças que estudam nas escolas democráticas não requer muito esforço. Elas não têm que se submeter a aulas e disciplinas, mas  precisam sustentar-se num caminho autônomo de aprendizagem, escolhendo o que e como aprender, em interação com o mundo. Yaacov afirma exatamente o oposto do que tantas pessoas acreditam: buscar uma área de interesse, agir e refletir de forma auto coordenada demanda uma enorme reserva de força interior. E é exatamente assim com o doutorando informal: para seguir na espiral de aprendizagem que mais lhe encanta, é preciso empreender-se continuamente.
Olhando para o meu processo, a partir do momento em que tomei a decisão de seguir pelo doutorado informal, mundos se abriram. Criei o Educação Fora da Caixa, um projeto de investigação cujo objetivo é irradiar aprendizagens a respeito de experiências, histórias e autores relacionados à educação de adultos. Duas palavras têm sido guias nessa jornada: curiosidade e autonomia. Assim, a opção de conduzir a pesquisa como um doutorado informal ficou bastante coerente. Compreender um pouco mais esse formato é uma das coisas que quero fazer no livro que será a principal entrega do projeto. À medida que interajo com pessoas que se interessam pela proposta, o doutorado informal vai ganhando alguns contornos.
Até o momento, entendo-o de dois jeitos. O primeiro é o doutorado informal como prática ou abordagem, e o segundo é o seu valor como metáfora. O lado prático tem a ver com como as pessoas que têm começado seus doutorados informais estão fazendo isso. Já estou começando a mapear essas práticas, e muitas possibilidades interessantes têm surgido – mentorias, grupos de diálogo, comunidades de prática, jornadas de aprendizagem, viagens, canais e redes de compartilhamento na internet, imersões, enfim, meios para materializar a intenção de aprender (e vivenciar) algo.As metodologias comumente utilizadas no meio acadêmico também podem servir ao doutorado informal, a questão é não se restringir a elas. Não colocar o método científico nem os resultados da ciência acima de qualquer outro domínio do conhecimento humano é justamente no que Paul Feyerabend, filósofo austríaco, acreditava. O meu entendimento é que o doutorado informal segue nesse mesmo sentido: os caminhos são múltiplos, assim como as verdades.
O doutorado informal também pode ser visto como uma metáfora. Doutor, no Brasil, até bem pouco tempo eram os engenheiros, médicos e advogados. Em muitos lugares ainda se diz e se acredita nisso, quem “pode” é tratado como doutor. Tião Rocha, educador mineiro, conta que no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, empoderamento virou “empodimento”. “Ah, então quer dizer que nóis pode?” O doutorado informal surge também para promover empodimentos de aprendizagem: todos podem fazer um doutorado, mas não precisa ser aquele, da universidade, pode ser um que aproveite da sua curiosidade mais viva e emerja da sua realidade, e então, subitamente, aquilo vai fazer sentido pra você. Aqui, vale destacar que o doutorado informal não pretende imitar (nem rivalizar com) o doutorado acadêmico; antes, trata-se de um outro universo que sabe conviver com o mundo das instituições.
Neste novo território que se apresenta, cada um escolhe como vai trilhar seu caminho e como vai entregar os frutos do seu trabalho ao mundo. Pode ser livro, dança, tecnologia, política pública, exposição, metodologia e até mesmo tese.
Mas, quem vai atestar que o resultado obtido pelo meu doutorado informal é bom, ou mesmo válido? Quem vai poder me certificar como especialista no assunto que escolhi?
Augusto de Franco diz que a árvore vai sendo reconhecida pelos seus frutos, e não por um certificado emitido pela corporação dos botânicos. Cada vez mais, o que está em jogo numa contratação, por exemplo, não são os diplomas que uma pessoa possui, e sim a qualidade de seus frutos. Se eu provo e gosto, a árvore é boa e seus frutos são válidos.
Não questiono as razões que levaram ao surgimento das instituições que certificam o ensinamento, mas o que temos vivido hoje aponta para um resgate da nossa liberdade e responsabilidade para valorar produções e pessoas por nós mesmos.
O doutorado informal tem sido cocriado a diversas mãos e a ideia é que continue sendo assim. No dia 4 de agosto, realizamos o primeiro encontro em São Paulo, e a intenção é fazermos mais conversas. Tenho trabalhado no formato dos Círculos de Doutorandos Informais (CDIs), espaços de colaboração que promovem trocas e apoio mútuo para pessoas que já começaram um doutorado informal ou têm uma ideia, questão ou desejo que gostariam de destrinchar de forma autônoma. Também criamos um grupo aberto no Facebook, disponível neste link.
Enquanto nós desenvolvemos, por meio do par reflexão-ação, a ideia do doutorado informal, pessoas como Kathryn já captaram a essência desse caminho mais livre de aprendizagem. Recentemente, ela conseguiu seu primeiro emprego formal e começou a fazer faculdade, mas continua trabalhando firme no seu Fiero. Alguém duvida que ela vai conseguir chegar lá? Eu acredito que ela já chegou. Que tal aprendermos com ela a coçar nossas ideias com vontade, como dizia Rubem Alves?

 Para saber mais:



sábado, 13 de setembro de 2014

Investigação na vala de Perus é retomada

No dia 04 de setembro a Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” realizou uma audiência pública, para marcar a retomada dos trabalhos de investigação e identificação dos restos mortais resgatados de uma vala clandestina no cemitério Dom Bosco, no Bairro de Perus, São Paulo/SP.

O Cemitério Municipal Dom Bosco foi parte integrante do sistema de repressão, durante a ditadura militar. Foi construído em 1971, na gestão do então prefeito de São Paulo, o Sr. Paulo Maluf, e utilizado para indigentes e vítimas do regime ditatorial. Fazia parte do projeto original a construção de um crematório, o que causou estranheza e suspeitas, pois havia inclusive impedimento legal para cremar cadáveres de indigentes.

O projeto do crematório foi abandonado em 1976 e no mesmo ano as ossadas que haviam sido exumadas em 1975 e amontoadas no velório do cemitério, foram enterradas na vala comum clandestina.

Em 04 de setembro de 1990 essa vala foi aberta e descobertas 1.564 ossadas de indigentes, presos políticos e vítimas dos esquadrões da morte. Posteriormente esse número foi reduzido a 1.049, por serem de crianças, portanto mais frágeis, e que deterioraram muito a ponto de ser impossível a identificação.

Argumenta-se que essas ossadas de crianças foram colocadas na vala clandestina por se tratarem de crianças vitimadas pela meningite em uma epidemia da doença que as autoridades tentavam esconder. Há também possibilidade de, dentre essas ossadas, estarem a de adolescentes vítimas do esquadrão da morte.

Estima-se que dentre as 1.049 ossadas restantes possam estar os restos mortais de pelo menos quatro desaparecidos políticos, cujos nomes estão no livro do cemitério, sendo eles Francisco José de Oliveira, Grenaldo de Jesus da Silva, Dimas Casemiro e Hiroaki Torigoi.

Na audiência ficou claro a desídia com que as autoridades trataram o tema até hoje. Isso porque as ossadas foram diversas vezes transportadas e acomodadas de forma totalmente indevida, o que as deixou em péssimas condições. Passaram pela UNICAMP e pela USP, sem que as investigações fossem concluídas, e em tais locais foram armazenadas de forma totalmente indevida, em sacos plásticos ou de tecido, sem temperatura adequada, sofrendo inclusive enchentes, cuja umidade era mantida devido ao armazenamento em sacos, enfim, não houve nenhum cuidado para que se as ossadas não se deteriorassem ainda mais, e assim a identificação pudesse de fato ocorrer.

Até esse momento o processo de busca da identificação das ossadas estava paralisado. Porém a constante luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e dos movimentos sociais impulsionou a retomada dos trabalhos e a união de esforços da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”.

As denúncias com relação à ausência de iniciativas de resolução da questão da vala de Perus já vinham sendo feitas pelos familiares há anos e, depois de muita luta, juntamente com a Comissão da Verdade, foi possível uma parceria com a UNIFESP, e a criação de um Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, o primeiro do Brasil com características de multidisciplinaridade, e com a colaboração de sete peritos de institutos de antropologia forense da Argentina e do Peru.

No ato também foi relembrado o valor histórico da retomada dos trabalhos da vala de Perus buscando a identificação dos restos mortais lá encontrados, pois ainda hoje existem valas comuns, pessoas desaparecendo, grupos de extermínio, principalmente nas periferias, ou seja, ainda há muitos resquícios da ditadura.

Além disso, é uma dívida que o Estado Brasileiro tem com os familiares que tiveram seus entes violentamente torturados e assassinados e jogados numa vala comum, sem sequer a possibilidade de fazer um sepultamento digno a eles. Além disso, órgãos como o Instituto Médico Legal não fornecem documentos que tem a posse e que poderiam auxiliar os familiares na procura pelos restos mortais.

A vala clandestina de Perus é mais um capítulo tenebroso da Ditadura Militar ainda não esclarecido, e que reafirma como ainda há muito a se conquistar na luta por memória, verdade e justiça, como a punição aos torturadores e a imediata abertura de todos os arquivos!

Assista o documentário MártiresAnônimos e conheça mais da história da vala de Perus.

Raquel Brito, assessora da Comissão da Verdade Rubens Paiva

Fonte: A Verdade