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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Reflexões sobre a “Segurança Simbólica” e a Greve dos Policiais Militares na Bahia

Marcelo Nogueira Machado*

Na Assembléia Geral realizada na noite do dia 11/02/2012, no Sindicato dos Bancários, foi oficialmente encerrada a greve pelos Policiais Militares da Bahia, que obteve repercussões mediáticas que impactaram o cotidiano e a programação do Carnaval na Bahia e deve ser objeto de algumas reflexões sobre a sensação de segurança simbólica, o direito de greve das forças de segurança pública e as estratégias do seu exercício. Com a pretensão de conquistar a incorporação de gratificações por atividades policias - GAP IV e V, negociadas com o Governo Jaques Wagner desde 2009, dentre outras reivindicações administrativas, econômicas e políticas, o Movimento Grevista se inseria legitimamente no conjunto de articulações e mobilizações em torno da apreciação pela Câmara de Deputados, em segundo turno,  da PEC 300/2008, apensada a PEC 446/2009, que estabelece um piso nacional, sob a forma de subsídio, para as categorias dos policias civis, militares e bombeiros dos Estados da Federação, a ser regulamentada por lei federal, após revisão pelo Senado e sanção presidencial.
Após 12 dias de greve, deflagrada no dia 31/01/2012, os Policiais Militares da Bahia asseguraram anistia administrativa para os grevistas e o pagamento da GAP IV, entre novembro de 2012  até abril do ano que vem, e da GAP V até 2015, além de um reajuste de 6,5% (extensivo a todo o funcionalismo público). A revogação dos 12(doze) Mandados de Prisão dos membros do Comando de Greve; a reintegração dos  demitidos na greve de 2001 e a  antecipação dos efeitos da incorporação das referidas gratificações para março de 2012 a novembro de 2013 não foram aceitos pelo Governo Jaques Wagner, dentro da estratégia de humilhação, pelo rebaixamento da proposta, e criminalização mediática do Movimento Grevista, com vistas a desestimular a deflagração de movimentos futuros pela própria categoria e pelas demais categorias do funcionalismo público da Bahia. Durante a greve, mais de 800 policiais militares ocuparam a Assembléia Legislativa da Bahia desde o dia 01/02/2012, resistindo ao grande cerco promovido pelo Exército, Força Nacional de Segurança, Polícia Federal e Batalhões de Elite da PM e aos tensionamentos provocados pelo corte no fornecimento de água e luz pelas concessionárias de serviço público e proibição de entrega de provisões levadas pelos seus familiares, sendo forçados a desocupá-la de forma negociada  na manhã do dia 09/02/2012, com vistas a evitar conflitos na reintegração que as forças de segurança ameaçavam fazer no mesmo dia, transferindo as suas bases para o Sindicato dos Bancários de Salvador, onde foi nomeado um novo Comando de Greve, para continuidade das negociações com o Governo, já que os seus principais dirigentes tiveram as suas prisões preventivas decretadas pelo Poder Judiciário, acatando representação do Ministério Público,  pela suposta prática dos crimes de formação de quadrilha, incitação ao crime, roubo de patrimônio público e vandalismo.
A Greve foi preparada desde o início do ano passado e chegou a ser cogitada para ocorrer em fevereiro de 2011, tendo sido postergada por haver na ocasião outras categorias do serviço público estadual em greve, a exemplo dos servidores da saúde e professores das universidades públicas estaduais, o que poderia dificultar as negociações com o Governo, servindo de pretexto para se mitigar ainda mais as concessões econômicas, face a extensão de seus efeitos para outras categorias. Ressalta-se, porém, que a incorporação das gratificações de atividades policiais – GAP IV e V já havia sido objeto de negociação desde 2009, quando o Governador  Jaques Wagner, em campanha de reeleição, prometeu implementá-las em folha, de forma escalonada, a partir de 2011, formando uma zona de conforto com a categoria. Como de praxe, assegurada a sua reeleição, o Governo  descumpriu os acordos, ignorou as associações e precarizou ainda mais as condições de trabalho dos policiais militares, estabelecendo uma escala de serviço de 24 horas por 24 horas, formando verdadeiras máquinas de execução a serviço da lei e da ordem a qualquer preço.
Surpreendido com a deflagração da greve, a unidade do movimento, que possibilitou a adesão da  tropa lotada nos principais Batalhões e Companhias Independentes e Especializadas da Capital e do Interior,  e a estratégia planejada em conjunto pelas principais associações da categoria em todo o estado, resultando na ocupação da Assembléia Legislativa por 9 dias, suspensão do funcionamento do comércio, escolas, serviços em geral e transporte público e na convocação autorizada da Força Nacional de Segurança e de reforços do Exército, Polícias Federal e Rodoviária Federal para patrulhamento nas Zonas Urbana e acessos rodoviários das principais cidades baianas, o Governo, nas negociações mediadas pela Arquidiocese de Salvador e pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia, prometeu mais uma vez escalonar o pagamento das gratificações GAP IV e V, a partir de novembro de 2011 a novembro de 2015, mas preservou, no velho estilo caudilhesco, a possibilidade de revanche contra os dirigentes sindicais da categoria que ousaram contrariar as suas ordens e caprichos, revelando às vésperas do carnaval, principal vitrine do Estado da Bahia, as contradições de um dos Estados da Federação com maior desigualdade social no ano das eleições municipais, nas quais o Governo pretende obter uma consagradora vitórias nas principais cidades, com vistas a assegurar a eleição do seu sucessor e a postulação de novos quinhões na divisão do butim do poder na República. Neste sentido, não se trata de intransigência da categoria insistir, como condição para a suspensão do movimento paredista, nas reivindicações de incorporação das gratificações GAP IV e V 4 em 2012 e 2013 e revogação dos 12 (doze) mandados de prisão preventiva dos principais dirigentes do Movimento, pois sabem que  o Governo teria condições de  implementar e interceder, junto ao Tribunal de Justiça, para a concessão de liminar em novo Habeas Corpus, já formalizado pela Assessoria Jurídica das Associações da Polícia Militar no Estado da Bahia.
De qualquer forma, deve-se repudiar o pragmatismo oportunista de políticos populistas, eleitos pelo PT, que estimularam e apoiaram as Greves dos Policiais Militares ocorridas em 1992 e 2001, quando estas serviam aos seus propósitos político-eleitorais. Em 1992, o então Deputado Federal Jaques Wagner, em discurso proferido na Tribuna da Câmara dos Deputados, chegou a incitar a desobediência militar e o motim, sugerindo ao Comando da PM que descumprisse as ordens autoritárias do Governador Antônio Carlos Magalhães – ACM e não reprimisse os seus subordinados em greve. E em 2001, até o Presidente Lula, durante a campanha presidencial, defendeu o direito de sindicalização e de greve dos policiais militares, protestando contra a repressão empreendida pelo Governo Cesar Borges. Hoje, de forma uníssona, os expoentes da esquerda de gabinete tentam, numa campanha sórdida, desqualificar e criminalizar o Movimento Grevista e seus principais dirigentes, utilizando-se de todo o arsenal repressivo, nos mesmos moldes utilizados pelos Governos Carlistas, o que demonstra, mais uma vez, ser o atual Governador Jaques Wagner o herdeiro incontestável do Espólio Carlista, reproduzindo as mesmas práticas autoritárias que tanto fingia combater quando figurava de oposicionista. O caso do ex-soldado Marco Prisco Caldas Nascimento, presidente da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus familiares do Estado da Bahia – ASPRA é emblemático. Em 2001, acusado de deflagrar uma greve às vésperas das eleições, sob encomenda da oposição, e de fornecer contracheques, exibidos na campanha do PT, para demonstrar o arrocho salarial promovido pelos governos carlistas, foi demitido, juntamente com mais três líderes da greve da PM, e ainda hoje luta na justiça pela sua reintegração, apesar da promessa de sua revogação administrativa desde a campanha de 2006. Agora, nos sites e redes sociais, o ex-companheiro vem sendo tratado como politiqueiro oportunista, candidato a deputado pelo PTC derrotado em 2010 e  agente da conspiração engendrada pelo PSDB, partido a qual se filiou após o fracasso das eleições de 2010, contra o dito "Governo Democrático e Popular" (sic).      
Quanto aos direitos de sindicalização e de greve dos Policiais Militares, embora grande parte da Doutrina e decisões dos Tribunais Superiores venham seguindo a tendência de enquadrá-los como condutas proibidas pela Constituição Federal, com base no art. 142,  § 3º, IV, da CF/1988, considerando as Policias Militares e Bombeiros dos Estados da Federação como equiparadas, por verossimilhança, às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), instituições permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina, destinadas sobretudo à defesa territorial e a garantia dos poderes constitucionais; outras teses já sustentam que as Policias Militares e Bombeiros dos Estados da Federação são integrantes das Forças da Segurança Pública, com atribuições específicas de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, não lhes sendo vedado, especificamente, o exercício dos direitos à sindicalização e greve, nos termos do art 144, caput e § § 5º e 6º da CF/1988.
Por outro lado, é inegável que, durante a greve, ocorreram excessos e abusos, por parte de uma minoria, que adotou uma estratégia de agitação e propaganda equivocada, disseminando o pânico na população mais vulnerável, sobretudo nas periferias das médias e grandes cidades, explorando a sensação de insegurança coletiva, mediante fechamento de ruas e avenidas com obstáculos, depredações de patrimônio, boatos de arrastões e disparos de armas de fogo em logradouros públicos,  explorados  de forma sensacionalista pela Rede Bahia, que chegou a ocultar, na edição da seu noticiário reproduzido nacionalmente, trechos da interceptação telefônica, autorizada pela justiça, entre membros do Comando de Greve, com vistas a simular o planejamento de ações criminosas a serem realizadas na BR 116, desfocadas do contexto em que foram cogitadas como forma de se evitar a reintegração violenta da Assembléia Legislativa ocupada pelos grevistas. Tais práticas criminosas deram o pretexto ao Governo para potencializar de forma irresponsável a campanha de criminalização, que alcançou de forma indiscriminada a todos os membros da corporação, tratados como reles delinqüentes e suas práticas reivindicatórias ilegais e equivalentes a crimes comuns contra o patrimônio e contra a integridade física das pessoas, a exemplo de roubos, homicídios e seqüestros, podendo alcançar até mesmo familiares de políticos e expoentes da máquina estatal ou da órbita de influência direta dos seus patrocinadores,  com os quais poderiam obter até mais eficácia em sua torpeza, já que a esquerda de gabinete, ciosa do seu poder ilimitado que lhes garantem privilégios, não está nem um pouco preocupada nem demonstra sensibilidade com o sofrimento e agonia do povo e sim com o que pode lhes afetar a estabilidade e reprodução de poder via repercussão mediática.   
Enfim, a Greve dos Policiais Militares na Bahia, encerrada melancolicamente no último dia 11/02/2012, nos provoca reflexões que subvertem os sentidos: de uma lado as massas populacionais, sob condições miseráveis, acondicionadas em guetos e favelas, submetidas  a uma crescente desqualificação em sua auto-estima e repressão supostamente moralizadora e pacificadora, através da violência policial e da violência simbólica da discriminação cotidiana, podem perceber um dia que as forças de segurança encarregadas de sua repressão são insuficientes e não dispõe de capacidade efetiva para prevenção e contenção de insurreições, amplificando a barbárie já vivenciada mas periferias das grandes e médias cidades, ou seja, a sensação de segurança na dita normalidade também é simbólica. Por outro lado, as feridas ainda estão abertas e demorarão muito a cicatrizar, com o risco de sangramento eventual, ou seja, o que foi presenciado nestes últimos 12 (doze) dias pode ser um ensaio para o que poderá vir a ser encenado nas vésperas da Copa das Confederações, em 2013, e na Copa do Mundo, em 2014, porque o Governo Jaques Wagner, por vaidade, não se dispôs a negociar com seriedade e responsabilidade as demandas legítimas dos Policiais Militares e, sobretudo, cumprir os acordos celebrados em 2009, repetindo a desfaçatez com que vem tratando os servidores públicos estaduais na Bahia. Quanto ao Carnaval de 2012, nem mesmo a manutenção de contingentes da Força Nacional de Segurança e do Exército, para reforçar a sensação de segurança até a quarta-feira de cinzas, será suficiente para estancar o pânico que impulsiona o cancelamento de reservas e contratos que envolve a realização da festa, configurando um prejuízo irreversível para os donos da festa, muitos dos quais, patrocinadores do atual Governo do Estado da Bahia.
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* Marcelo Nogueira Machado é professor do Curso de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.

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