Sábado, 17 Novembro 2012
Entrevista exclusiva concedida
ao Jornal Voz Operária, órgão central da Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes
(CCLCP), após a realização do curso Sindicalismo de Estado no Brasil ministrado
pelo professor e promovido pela Escola de Formação Luiz Carlos Prestes no ano
de 2012.
Armando Boito Jr. é professor
do Departamento de Ciência Política da Unicamp e editor da revista Crítica
Marxista. É autor de O sindicalismo de Estado no Brasil – uma análise crítica
da estrutura sindical (São Paulo e Campinas, coedição Editora Hucitec e Editora
da Unicamp, 1991) e de Política neoliberal e sindicalismo no Brasil (São Paulo,
Editora Xamã, 2002).
Voz
Operária: Como caracterizar a estrutura Sindical Brasileira? Quais são
os seus elementos principais?
Armando
Boito Jr.: Deixe-me começar por uma advertência teórica. Nós
vamos falar da instituição sindical brasileira. Ora, algumas tradições
marxistas têm por orientação ignorar a importância das instituições políticas e
menosprezar o debate sobre a instituição sindical. Isso porque imaginam que
apenas a economia determina a prática dos agentes sociais. Supõem que a
instituição sindical, seja qual for a sua estrutura organizacional, pode
comportar qualquer linha política. Tudo dependeria, única e tão somente, de
quem ocupa a direção do sindicato. Essa não é, certamente, a posição teórica de
Marx, de Engels e de Lênin.
Marx mostrou que a organização
institucional do Estado capitalista é imprópria para o exercício do poder
operário e analisou o que ele denominou a forma institucional própria do poder
operário em suas reflexões sobre a Comuna de Paris de 1871. Para Lênin, em suas
análises consagradas no livro O que fazer?, a forma institucional de
organização do partido operário está indissoluvelmente ligada ao seu caráter
reformista (organização frouxa) ou revolucionário (centralismo democrático).
Pois bem, os marxistas brasileiros deveriam seguir essa tradição teórica e
refletir mais sobre a forma da nossa organização sindical, forma essa que foi
implantada em nosso país na década de 1930 e que, passando por modificações,
persiste, no essencial, até os dias de hoje.
Feita essa advertência,
entremos no miolo da sua pergunta. A estrutura sindical brasileira é uma
instituição integrada ao Estado capitalista graças a alguns mecanismos legais e
organizativos que se reproduzem graças a determinada ideologia. A integração ao
Estado possibilita que o sindicato possa viver distante dos trabalhadores ou –
em casos extremos e que são muitos – até separado da sua base. A dependência do
sindicato diante do Estado tem como contrapartida sua independência diante dos
trabalhadores. Quais são os principais mecanismos dessa estrutura sindical?
O seu elemento central é a
necessidade de que o Estado – seja por intermédio de um Ministério, seja por
intermédio do judiciário – reconheça uma organização como sindicato para que
essa organização possa funcionar como tal, isto é, para que possa negociar
condições de trabalho e salário com o empregador. Outros elementos importantes
da estrutura são a unicidade sindical, por intermédio da qual a representação
sindical oficial é concedida em regime de monopólio para um sindicato
representar um determinado segmento dos trabalhadores numa determinada base
geográfica, e a capacidade legal, que o Estado outorga ao sindicato, de ele
impor contribuições aos trabalhadores associados e não associados. O
reconhecimento oficial do Estado é o elemento de base da integração, sem ele os
demais não poderiam existir. Contudo, a unicidade sindical e as contribuições
compulsórias são elementos muito importantes de controle do aparelho sindical
pelo Estado. É esse tipo de estrutura que, como já disse, integra o sindicato
ao Estado e, num mesmo movimento, afasta-o dos trabalhadores.
2.
Voz Operária: A intervenção do Estado na vida sindical também
não seria parte da estrutura sindical?
Armando
Boito: Sim, faz parte. Eu me referi aos elementos centrais da
estrutura sindical. São esses elementos que possibilitam essas intervenções
todas. Vou dar alguns exemplos: a organização por categoria, a intromissão do
Estado nas finanças do sindicato, o poder de tutela do Estado sobre as eleições
sindicais e, inclusive, o seu poder de destituir e de constituir as diretorias
dos sindicatos oficiais.
O dinheiro do sindicato é
proveniente de impostos ou contribuições assegurados pelo Estado. É claro,
portanto, que o Estado pode tutelar o uso desse dinheiro. No Brasil, os
sindicatos estão proibidos de repassar fundos financeiros para candidaturas que
queiram apoiar. Veja o contraste com a situação britânica. Lá, como sabemos, se
trata do tradeunionismo, um sindicalismo reformista. No entanto, foram esses
sindicatos que criaram o Labour Party, um partido operário reformista
responsável pela implantação do Estado de bem-estar no Reino Unido. Esse
partido e os seus candidatos eram sustentados pelos sindicatos – hoje, a situação
mudou. Logo no início do século XX, a justiça tentou impedir esse esquema. Os
sindicatos britânicos se rebelaram, fizeram campanha por todo o país e a
justiça teve de recuar. Aqui no Brasil, tanto reformistas quanto
revolucionários aceitam a interdição da justiça burguesa e não repassam, a não
ser clandestinamente, fundos sindicais para partidos e candidatos. O Estado
pode tutelar porque é ele que garante esses fundos e os sindicalistas são
realistas: sabem que se não se curvarem, poderão perder os fundos financeiros
propiciados pelo Estado.
A imposição de organização por
categoria é outro tipo de intervenção e é uma intervenção que estimula o
corporativismo. Por que não se parte para uma organização em outras bases? Teve
um tempo em que a CUT falou muito em organização por ramo. Por que não
implementam isso? Porque, não sendo permitido pela legislação, nenhum
sindicalista vai fazê-lo pois isso significaria cair na ilegalidade sindical e
perder as supostas vantagens conferidas pela estrutura.
São os elementos centrais da
estrutura que estão por trás, também, do papel das DRTs e da justiça nas
eleições sindicais e na capacidade do Estado de destituir e nomear direções.
Esse é, poderíamos dizer, mais um efeito da estrutura que a estrutura ela
mesma. Se é o Estado quem deve dizer qual é o único sindicato que representa
uma determinada categoria numa determinada base territorial, é claro que tal
capacidade já lhe confere o poder de destituição de uma diretoria que tenha
utilizado de maneira ilegal o poder que o Estado lhe conferiu e de constituição
de diretorias, isto é, de nomear interventores em situação de crise. Em
períodos de ditadura ou de aumento da repressão, os governos utilizam esses
recursos de maneira massiva e ostensiva; nos períodos democráticos, esse
recurso é usado molecularmente e, muitas vezes, por solicitação dos próprios
dirigentes sindicais que pretendem ocupar o lugar dos dirigentes rivais. E o
curioso é que mesmo os dirigentes que se dizem contra a estrutura sindical
também têm esse tipo de prática.
Com ou sem estatuto padrão, na
estrutura sindical, o Estado está sempre presente, das formas mais variadas e
nas situações as mais diversas, condicionando, tutelando, intervindo na vida
sindical. Se você procurar, por trás de cada intervenção autoritária do Estado
sempre encontrará a investidura, a unicidade sindical e as contribuições
compulsórias: esses elementos são a base de tudo.
Voz
Operária: Quando se fala em eliminar ou acabar com a estrutura
sindical, do que é que estamos falando?
Armando
Boito Jr.: Estamos falando de substituir o sindicato atual
por um sindicato de outro tipo que seja ligado às massas trabalhadoras,
dependente dela para se legitimar como órgão representativo e para se sustentar
financeiramente. Numa estrutura sindical desse tipo, não pode haver unicidade
sindical, isto é, não será o Estado quem irá conferir ao sindicato o título de
representante (em regime de monopólio) deste ou daquele segmento de
trabalhadores e não poderá haver, tampouco, contribuições sindicais
obrigatórias, impostas por lei, e que se impõem a todos os trabalhadores
independentemente da vontade desses. Teríamos uma situação de direito ao
irrestrito pluralismo sindical, isto é, de liberdade de organização sindical.
Numa situação como essa, a capacidade do Estado de intervir na vida sindical
seria fortemente reduzida; principalmente, o Estado perderia sua capacidade de
destituir e nomear dirigentes sindicais, como se fez tantas vezes na história
do Brasil, como decisão unilateral de regimes ditatoriais, e como se faz ainda
hoje, numa situação de democracia, quando o Judiciário intervem nos sindicatos
para arbitrar disputas de base e de eleições entre correntes sindicais rivais.
Numa situação como essa, as correntes atuantes no sindicalismo teriam de
mostrar, na prática, a sua representatividade e ter capacidade política para
arrecadar fundos sindicais junto aos trabalhadores. O foco da atuação dos
sindicalistas seria a massa trabalhadora e nunca os corredores do Ministério do
Trabalho ou do Poder Judiciário. Numa situação como essa, as direções fazem a
luta de ideias, de propostas e de linha de atuação e os trabalhadores escolhem,
selecionam, permitem que algumas prosperem e condenam outras à decadência. Nos
países onde há liberdade sindical, a tendência é a de o número de sindicatos
ser muito menor que aquele existente no Brasil. Os sindicalistas somam forças
para criar e consolidar grandes sindicatos e podem lutar para implantar e
consolidar um sindicato unitário, sem romper, contudo, com o direito ao
pluralismo e sem pretender, portanto, voltar à situação de unicidade. Unidade e
unicidade sindical são coisas muito diferentes. No Brasil, os movimentos
populares os mais variados funcionam e atuam dessa maneira – movimento
camponês, movimento por moradia, movimento estudantil e, até, uma boa parte do
movimento sindical dos funcionários públicos. Por que é que somente o movimento
sindical não poderia funcionar a agir assim? Por que é que apenas o sindicato
precisaria da tutela do Estado?
Pra continuar acompanhando a
entrevista, clicar na fonte: CCLCP
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