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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Sindicalismo de Estado no Brasil – entrevista com Armando Boito Júnior


Sábado, 17 Novembro 2012

Entrevista exclusiva concedida ao Jornal Voz Operária, órgão central da Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes (CCLCP), após a realização do curso Sindicalismo de Estado no Brasil ministrado pelo professor e promovido pela Escola de Formação Luiz Carlos Prestes no ano de 2012.
Armando Boito Jr. é professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp e editor da revista Crítica Marxista. É autor de O sindicalismo de Estado no Brasil – uma análise crítica da estrutura sindical (São Paulo e Campinas, coedição Editora Hucitec e Editora da Unicamp, 1991) e de Política neoliberal e sindicalismo no Brasil (São Paulo, Editora Xamã, 2002).

Voz Operária: Como caracterizar a estrutura Sindical Brasileira? Quais são os seus elementos principais?
Armando Boito Jr.: Deixe-me começar por uma advertência teórica. Nós vamos falar da instituição sindical brasileira. Ora, algumas tradições marxistas têm por orientação ignorar a importância das instituições políticas e menosprezar o debate sobre a instituição sindical. Isso porque imaginam que apenas a economia determina a prática dos agentes sociais. Supõem que a instituição sindical, seja qual for a sua estrutura organizacional, pode comportar qualquer linha política. Tudo dependeria, única e tão somente, de quem ocupa a direção do sindicato. Essa não é, certamente, a posição teórica de Marx, de Engels e de Lênin.
Marx mostrou que a organização institucional do Estado capitalista é imprópria para o exercício do poder operário e analisou o que ele denominou a forma institucional própria do poder operário em suas reflexões sobre a Comuna de Paris de 1871. Para Lênin, em suas análises consagradas no livro O que fazer?, a forma institucional de organização do partido operário está indissoluvelmente ligada ao seu caráter reformista (organização frouxa) ou revolucionário (centralismo democrático). Pois bem, os marxistas brasileiros deveriam seguir essa tradição teórica e refletir mais sobre a forma da nossa organização sindical, forma essa que foi implantada em nosso país na década de 1930 e que, passando por modificações, persiste, no essencial, até os dias de hoje.
Feita essa advertência, entremos no miolo da sua pergunta. A estrutura sindical brasileira é uma instituição integrada ao Estado capitalista graças a alguns mecanismos legais e organizativos que se reproduzem graças a determinada ideologia. A integração ao Estado possibilita que o sindicato possa viver distante dos trabalhadores ou – em casos extremos e que são muitos – até separado da sua base. A dependência do sindicato diante do Estado tem como contrapartida sua independência diante dos trabalhadores. Quais são os principais mecanismos dessa estrutura sindical?
O seu elemento central é a necessidade de que o Estado – seja por intermédio de um Ministério, seja por intermédio do judiciário – reconheça uma organização como sindicato para que essa organização possa funcionar como tal, isto é, para que possa negociar condições de trabalho e salário com o empregador. Outros elementos importantes da estrutura são a unicidade sindical, por intermédio da qual a representação sindical oficial é concedida em regime de monopólio para um sindicato representar um determinado segmento dos trabalhadores numa determinada base geográfica, e a capacidade legal, que o Estado outorga ao sindicato, de ele impor contribuições aos trabalhadores associados e não associados. O reconhecimento oficial do Estado é o elemento de base da integração, sem ele os demais não poderiam existir. Contudo, a unicidade sindical e as contribuições compulsórias são elementos muito importantes de controle do aparelho sindical pelo Estado. É esse tipo de estrutura que, como já disse, integra o sindicato ao Estado e, num mesmo movimento, afasta-o dos trabalhadores.

2. Voz Operária: A intervenção do Estado na vida sindical também não seria parte da estrutura sindical?
Armando Boito: Sim, faz parte. Eu me referi aos elementos centrais da estrutura sindical. São esses elementos que possibilitam essas intervenções todas. Vou dar alguns exemplos: a organização por categoria, a intromissão do Estado nas finanças do sindicato, o poder de tutela do Estado sobre as eleições sindicais e, inclusive, o seu poder de destituir e de constituir as diretorias dos sindicatos oficiais.
O dinheiro do sindicato é proveniente de impostos ou contribuições assegurados pelo Estado. É claro, portanto, que o Estado pode tutelar o uso desse dinheiro. No Brasil, os sindicatos estão proibidos de repassar fundos financeiros para candidaturas que queiram apoiar. Veja o contraste com a situação britânica. Lá, como sabemos, se trata do tradeunionismo, um sindicalismo reformista. No entanto, foram esses sindicatos que criaram o Labour Party, um partido operário reformista responsável pela implantação do Estado de bem-estar no Reino Unido. Esse partido e os seus candidatos eram sustentados pelos sindicatos – hoje, a situação mudou. Logo no início do século XX, a justiça tentou impedir esse esquema. Os sindicatos britânicos se rebelaram, fizeram campanha por todo o país e a justiça teve de recuar. Aqui no Brasil, tanto reformistas quanto revolucionários aceitam a interdição da justiça burguesa e não repassam, a não ser clandestinamente, fundos sindicais para partidos e candidatos. O Estado pode tutelar porque é ele que garante esses fundos e os sindicalistas são realistas: sabem que se não se curvarem, poderão perder os fundos financeiros propiciados pelo Estado.
A imposição de organização por categoria é outro tipo de intervenção e é uma intervenção que estimula o corporativismo. Por que não se parte para uma organização em outras bases? Teve um tempo em que a CUT falou muito em organização por ramo. Por que não implementam isso? Porque, não sendo permitido pela legislação, nenhum sindicalista vai fazê-lo pois isso significaria cair na ilegalidade sindical e perder as supostas vantagens conferidas pela estrutura.
São os elementos centrais da estrutura que estão por trás, também, do papel das DRTs e da justiça nas eleições sindicais e na capacidade do Estado de destituir e nomear direções. Esse é, poderíamos dizer, mais um efeito da estrutura que a estrutura ela mesma. Se é o Estado quem deve dizer qual é o único sindicato que representa uma determinada categoria numa determinada base territorial, é claro que tal capacidade já lhe confere o poder de destituição de uma diretoria que tenha utilizado de maneira ilegal o poder que o Estado lhe conferiu e de constituição de diretorias, isto é, de nomear interventores em situação de crise. Em períodos de ditadura ou de aumento da repressão, os governos utilizam esses recursos de maneira massiva e ostensiva; nos períodos democráticos, esse recurso é usado molecularmente e, muitas vezes, por solicitação dos próprios dirigentes sindicais que pretendem ocupar o lugar dos dirigentes rivais. E o curioso é que mesmo os dirigentes que se dizem contra a estrutura sindical também têm esse tipo de prática.
Com ou sem estatuto padrão, na estrutura sindical, o Estado está sempre presente, das formas mais variadas e nas situações as mais diversas, condicionando, tutelando, intervindo na vida sindical. Se você procurar, por trás de cada intervenção autoritária do Estado sempre encontrará a investidura, a unicidade sindical e as contribuições compulsórias: esses elementos são a base de tudo.

Voz Operária: Quando se fala em eliminar ou acabar com a estrutura sindical, do que é que estamos falando?
Armando Boito Jr.: Estamos falando de substituir o sindicato atual por um sindicato de outro tipo que seja ligado às massas trabalhadoras, dependente dela para se legitimar como órgão representativo e para se sustentar financeiramente. Numa estrutura sindical desse tipo, não pode haver unicidade sindical, isto é, não será o Estado quem irá conferir ao sindicato o título de representante (em regime de monopólio) deste ou daquele segmento de trabalhadores e não poderá haver, tampouco, contribuições sindicais obrigatórias, impostas por lei, e que se impõem a todos os trabalhadores independentemente da vontade desses. Teríamos uma situação de direito ao irrestrito pluralismo sindical, isto é, de liberdade de organização sindical. Numa situação como essa, a capacidade do Estado de intervir na vida sindical seria fortemente reduzida; principalmente, o Estado perderia sua capacidade de destituir e nomear dirigentes sindicais, como se fez tantas vezes na história do Brasil, como decisão unilateral de regimes ditatoriais, e como se faz ainda hoje, numa situação de democracia, quando o Judiciário intervem nos sindicatos para arbitrar disputas de base e de eleições entre correntes sindicais rivais. Numa situação como essa, as correntes atuantes no sindicalismo teriam de mostrar, na prática, a sua representatividade e ter capacidade política para arrecadar fundos sindicais junto aos trabalhadores. O foco da atuação dos sindicalistas seria a massa trabalhadora e nunca os corredores do Ministério do Trabalho ou do Poder Judiciário. Numa situação como essa, as direções fazem a luta de ideias, de propostas e de linha de atuação e os trabalhadores escolhem, selecionam, permitem que algumas prosperem e condenam outras à decadência. Nos países onde há liberdade sindical, a tendência é a de o número de sindicatos ser muito menor que aquele existente no Brasil. Os sindicalistas somam forças para criar e consolidar grandes sindicatos e podem lutar para implantar e consolidar um sindicato unitário, sem romper, contudo, com o direito ao pluralismo e sem pretender, portanto, voltar à situação de unicidade. Unidade e unicidade sindical são coisas muito diferentes. No Brasil, os movimentos populares os mais variados funcionam e atuam dessa maneira – movimento camponês, movimento por moradia, movimento estudantil e, até, uma boa parte do movimento sindical dos funcionários públicos. Por que é que somente o movimento sindical não poderia funcionar a agir assim? Por que é que apenas o sindicato precisaria da tutela do Estado?
Pra continuar acompanhando a entrevista, clicar na fonte: CCLCP

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