por Biro (IFCH) e Flávia (IE) da Unicamp
A universidade, tal qual a gente conhece hoje no Brasil, é um resultado histórico dos interesses da classe dominante em manter-se apropriada do conhecimento e da técnica socialmente produzidos, para fim último de manter sua dominação de classe. Os objetivos fundamentais da universidade burguesa são, separar abruptamente o trabalho manual do trabalho intelectual, transformando os “centros de estudo e pesquisa” em “prisões do saber”; produzir novas técnicas para aperfeiçoar a produção e realização da mercadoria; aperfeiçoar os instrumentos de dominação de classe.
Esse processo tem em seu cerne a contradição de unir a inovação tecnológica com a precarização e semi-escravidão do trabalho, a fim de extrair mais-valia a todo o custo e manter a dinâmica nefasta da acumulação capitalista. Não à toa a inovação vem sendo usada como sinônimo de desenvolvimento pelo governo e pela academia, sendo a terceirização uma das mais importantes inovações das grandes transnacionais a partir dos anos 1980. Entretanto a aparente contradição no fato de que os “pólos de excelência”, como USP e UNICAMP que estão ambas entre as 100 e as 300 melhores universidades do mundo, respectivamente, serem também projetos que terceirizam e semi-escravizam a força de trabalho na limpeza, alimentação, segurança e construção, acaba por revelar, em verdade, não uma contradição, mas duas facetas de um mesmo projeto de universidade burguês que se combinam para ligar-se à “emergência” de um “Brasil potência”. Ou seja, incorporam-se não apenas como parte da maquina pensante deste projeto de país, mas também aplica sobre si mesma suas inovações, entregando-se de corpo e alma ao país da terceirização e do trabalho precarizado.
No capitalismo, entende-se quanto “desenvolvimento” o aprimoramento da técnica dos meios necessários para extração de mais valia da força de trabalho, atendendo a sua necessidade doentia de acumulação de capital. Na etapa do capitalismo imperialista em que vivemos, onde é supremo o capital monopolista, subjugando os demais, os interesses de acumulação do grande capital transnacional são prioridade. Desta maneira este busca na periferia - países semi-coloniais, colônias e dependentes - desenvolver também um novo nicho de valorização e de exploração da produção de mercadoria, apropriando-se do conhecimento das universidades e investindo nestas para mantê-las sob seus interesses - sendo o Brasil, neste processo, um exemplo emblemático, por meio da USP e UNICAMP.
Nesses países atrasados, tal como no Brasil, a universidade revela-se estruturalmente elitista e excludente, desenvolvida pela burguesia para atender os interesses do grande capital internacional e de uma burguesia nacional dependente. Para este fim as universidades brasileiras dedicam-se a produção de inovações e tecnologias e a formação de mão de obra barata e especializada. A subordinação das universidades, quanto centros de concentração e exclusão do conhecimento a serviço do capital, desdobra-se de maneiras distintas a depender dos interesses das frações burguesas que se projetam neste jogo, dando origem a projetos específicos de universidade burguesa para interesses específicos do capital.
O conceito de inovação (em resumo, tudo o que é novo ou significativamente aperfeiçoado para a empresa, um produto ou um processo produtivo, que se estende inclusive aos serviços) passa pela necessidade constante das empresas de valorização do capital em meio ao processo de concorrência cada vez mais intenso com o desenvolvimento do capital monopolista. Este processo dinâmico é endógeno e fundamental ao capitalismo, gerando uma mutação permanente das empresas e instituições, que culmina na concentração do capital e no aprofundamento das assimetrias entre as empresas. A inovação, que tem papel central nesse processo é, segundo Schumpeter, um economista burguês, o “impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista”, isso é “revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha e incessantemente criando uma nova – num fenômeno de ‘destruição criadora’.” Esta teorização burguesa, afogada na ideologia desta mesma classe, que hoje é amplamente difundida e reproduzida na academia com investimentos do governo (como, por exemplo, do BNDES), ilustra a necessidade intrínseca do capital de manter-se constantemente se apropriando da técnica e do conhecimento para renovar e aumentar sua capacidade de acumulação.
Nas universidades a “inovação” tem se tornado a “bola da vez” com inúmeros trabalhos acadêmicos que a legitimam e a difundem ideologicamente, um importante pilar para a reprodução do capital. Esta relação se dá via desenvolvimento de patentes nas universidades as quais são vendidas para empresas. Este atrelamento fornece um ultra-barateamento para o desenvolvimento tecnológico das multinacionais (P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, mais barato devido o aproveitamento e investimento em laboratórios de grandes universidades públicas e particulares) e transforma o potencial de produção de conhecimento especializado e de alto nível em grandes chamarizes para investimentos no país. Este negócio leva a um atrelamento intelectual da produção de conhecimento do ponto de vista das universidades públicas, subjugando as diversas linhas de pesquisa às necessidades do mercado: um desvio limpo de dinheiro público para a iniciativa privada.
A UNICAMP é a única universidade no país a oferecer disciplinas na pós-graduação no Instituto de Geociências (1) que tratam exclusivamente da temática da inovação tecnológico-científica. Seu Instituto de Economia é referência nessa área, cujo Núcleo de Estudos em Economia Industrial e Tecnologia – NEIT (2) teve inclusive um dos seus docentes, Prof. Laplane, indicado nesse ano para o cargo de diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (3), cujo ministro, Mercadante (PT), defendeu mestrado no IE orientado pelo próprio Laplane.
Também a UNICAMP é um grande pólo de desenvolvimento de patentes que, por meio de sua agência de inovação (INOVA UNICAMP) e de sua incubadora de empresas de base tecnológica (InCAMP), “estimulam e apóiam a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas e a Unicamp voltadas para a atividade de pesquisa e desenvolvimento para a geração de produtos e processos inovadores” (4). A UNICAMP é central no desenvolvimento e na manutenção dos pólos tecnológicos da RMC (5) envolvendo desde grandes e médias empresas de capital nacional até grandes transnacionais que, atraídas pelo potencial de produção tecnológica e de exploração da mão de obra altamente qualificada e barata que sai desta universidade, se instalam na região (Bosch, Motorola, Medley, Dell, Petrobrás, CPFL, entre outras).
Ao contrário do que se poderia imaginar esse processo não é particular da UNICAMP ou USP, mas está ligado a um projeto nacional de estímulo à indústria e financiamento a projetos de inovação. Os projetos Brasil MAIOR (programa de Dilma para incentivo à competitividade da indústria nacional frente a concorrência externa, lê-se chinesa) e INOVA Brasil (6) (projeto de financiamento à inovação também em parceria com universidades) são bons exemplos disso. Estas iniciativas têm como objetivo estreito alavancar o “desenvolvimento” do Brasil. Este é propagandeado pelo governo e pela mídia burguesa como sinônimo de um passo rumo a um “Brasil potência” e a um país “sem miséria”. No entanto, o que se revela por trás dessa visão ideológica da inovação é o Brasil da semi-escravidão no trabalho terceirizado, da escravidão nas indústrias têxteis da Zara e da Renner, das condições deploráveis de habitação e saúde pública e de uma educação pública sucateada, precarizada além de dependente do capital privado nos casos das grandes universidades públicas, a fim de manter o caráter excludente, elitista destas últimas. Esse é o país da ameaça inflacionária e do super-endividamento da população através do crédito fácil e salário-mínimo miserável, país que hoje, num contexto de crise estrutural do capital, fará seus trabalhadores pagarem pela crise em defesa do capital privado e imperialista. Este é o verdadeiro projeto de país que surge das entranhas das universidades burguesas brasileiras, ao qual seu conhecimento está diretamente associado.
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