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sábado, 1 de dezembro de 2012

A revolução Síria: não perguntes por quem os sinos dobram


Valerio Arcary*

 Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo (...).  E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. [1]
Será necessário que se reunam condições completamente excepcionais, independentes da vontade dos homens ou dos partidos, para libertar o descontentamento das cadeias do conservadorismo e levar as massas à insurreição. Portanto, essas mudanças rápidas que as idéias e o estado de espírito das massas vivem nas épocas revolucionárias não são um produto da elasticidade e mobilidade da psíque humana, mas, ao contrário, de seu profundo conservadorismo(...) As distintas etapas do processo revolucionário, consolidadas pelo deslocamento de uns partidos por outros, cada vez más radicais, sinalizam a pressão crescente das massas para  a esquerda, até que o impulso adquirido pelo movimento tropeça com obstáculos objetivos. Então começa a reação: decepção de certos setores da classe revolucionária, difusão da apatia.[2]  


Leon Trotski
        O ano de 2011 inaugurou uma nova situação internacional com a onda de revoluções políticas no Magreb, transbordando em poucos meses para os países de língua árabe do Oriente Médio. Quando uma ordem econômica, social e política revela incapacidade para realizar mudanças por métodos de negociação, concertação ou reformas, as forças sociais interessadas em resolver a crise de forma progressiva recorrem aos métodos da revolução para impôr a satisfação de suas reivindicações. Essa foi a forma que assumiu a defesa de interesses de classe na história contemporânea.
      Duas conclusões se impõem de forma irrefutável ao final de quase dois anos. Primeiro, o que aconteceu nas ruas de Túnis e Cairo, depois na Líbia, Bahrein, Yemen, e Síria, merece ser considerado como revolução no sentido pleno do conceito: uma irrupção representativa da vontade popular, com o objetivo de derrubar ditaduras corrompidas, regimes monstruosos de frações degeneradas de burguesias nacionais instaladas no poder há décadas.
      Segundo, o processo revolucionário se estendeu na forma de uma vaga sincronizada que foi contaminando, em maior ou menor medida, a maioria dos países da região, pelo efeito arrebatador do exemplo das vitórias fulminantes na Tunísia e Egito. Que na Líbia e Síria a dinâmica do processo tenha evoluído para uma guerra civil nos diz mais sobre a contra-revolução do que sobre a revolução. Uma revolução que luta com armas nas mãos não é menos legítima, é mais heróica. Na Síria não está somente em disputa o destino da ditadura do clã Assad. Nas ruas de Damasco estão se dando neste momento combates cruciais para o futuro da revolução mundial.

Uma contra-revolução mundial
      Já se disse que as próximas revoluções serão sempre mais difíceis que as últimas, porque a contra-revolução aprende depressa. A contra-revolução burguesa foi um dos fenômenos de dimensão mundial do século XX. As revoluções contemporâneas manifestam-se como revoluções na esfera nacional, mas esta aparência é uma ilusão de ótica que remete à centralidade da luta política imediata contra o Estado. As revoluções do século XX não enfrentaram somente os seus inimigos nacionais imediatos, mas a contra-revolução à escala internacional. As do século XXI terão desafios ainda mais complexos, e o primeiro deles é a necessidade do internacionalismo.
       Os Estados se definem pela vigência das fronteiras nacionais, todavia a dominação mundial capitalista foi se estruturando, crescentemente, sobre uma institucionalidade mundial: o sistema internacional de Estados, ou seja, ONU, a Tríade ( EUA, UE, Japão), o FMI, o G-8, o G-20, o Banco Mundial, o Banco de Compensações Internacionais de Basiléia, etc.
       As revoluções contemporâneas estiveram inseridas, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, em contextos, pelo menos, regionais, ou semi-continentais, e assumiram a forma de ondas de expansão que cruzaram mais ou menos rapidamente as fonteiras nacionais. Por isso as revoluções contemporâneas merecem ser caracterizadas como processos de refração da revolução mundial.
     A revolução mais recente pode ser interpretada, portanto, como “o futuro de um passado”, e começa onde a última foi interrompida. O ano de 2012 foi o ano em que a revolução na Síria chegou à sua hora decisiva. Combates se travam diariamente nas ruas de Damasco. Esta revolução incompreendida pela maioria da esquerda brasileira vive as suas horas decisivas. A solidariedade maior a Gaza durante as duas últimas semanas de novembro de 2012 demonstrou que está aumentando o isolamento político de Israel, e potencializando a resistência palestina. Os governos da França e Reino Unido se apressam a compreender a nova relação de forças e sinalizam a disposição de votar a favor de um novo estatuto para a Autoridade Palestina na ONU, contrariando o alinhamento incondicional dos EUA com Israel. A queda de Kadafi, portanto, não diminuiu a disposição de apoio à causa palestina na Líbia, ao contrário, aumentou. Não será diferente na Síria. 

Fevereiros heróicos, mas intervalos mais longos até Outubros
        Mas afirmar que têm sido revoluções políticas democráticas significa dizer, também, que não só não realizaram rupturas anticapitalistas, como destacar que a participação política dos trabalhadores não ocorreu ainda, predominantemente, de forma independente. Ou seja, remetendo a uma metáfora histórica ancorada na experiência da revolução russa, estamos diante de Fevereiros muito difíceis que sugerem ainda um longo intervalo antes que possam ocorrer Outubros.
         Estas formas da revolução árabe não foram, historicamente, incomuns. As ditaduras do Cone Sul da América Latina – Argentina, Uruguay e Brasil – foram, também, desafiadas por mobilizações de massas entre 1982/84. Estes processos sugerem que existe um padrão recorrente, se analisarmos a dinâmica política da época contemporânea. Parecem corresponder a duas regularidades:
(a) regimes ditatoriais em países periféricos em processo de urbanização podem se manter no poder, até por algumas décadas, mas serão derrubados por revoluções democráticas, mais cedo ou mais tarde, pelo surgimento de um bloco social muito mais poderoso do que a oligarquia arcaica que os sustentou: um  proletariado e uma classe média asssalariada plebéia massiva. A questão decisiva é se este bloco é dirigido pelo proletariado ou por frações burguesas dissidentes e seus aliados internacionais;
(b) o efeito exemplo do triunfo de uma revolução democrática, em uma época histórica em que a informação circula quase instântaneamente, acelerou a experiência política de massas, e funcionou como um gatilho que incendiou os países da região vizinha, produzindo uma internacionalização rápida da revolução.

A urgência da revolução     
        A história, contudo, não é sujeito, mas processo. O seu conteúdo é uma luta. Essa luta assume variadas intensidades. A revolução política é uma dessas formas, e a frequência maior ou menor em que ela se manifesta é um indicador do período histórico. Todas as revoluções contemporâneas tiveram uma dinâmica anticapitalista, maior ou menor, mas não foram todas elas revoluções, socialmente, proletárias. Todas as revoluções socialistas da história começaram como revoluções políticas, ou como revoluções democráticas, mas nem todas as revoluções democráticas transbordaram em revoluções sociais.
         Estará em disputa a possibilidade da revolução no norte da África e do Oriente Médio abrir o caminho para segundas independências, com todas as sequelas que teria a perda de controle do imperialismo sobre as maiores fontes de abastecimento de petróleo, mas, também, a destruição das políticas públicas de bem estar social que ainda estão de pé na Europa Ocidental, ou a redução da Grécia, Portugal e, talvez, até da Espanha à condição de semi-colônias do eixo franco-alemão na União Européia.
       O que condicionou, historicamente, a possibilidade de revoluções foi a pressão objetiva de crises de dimensões catastróficas. Mas, só a existência de crises nunca foi o bastante para que se iniciassem processos revolucionários.
       Foi indispensável, igualmente, que a mentalidade de milhões de pessoas fosse sacudida pela experiência terrível de que não existiria mais esperança em saídas individuais. Somente quando a nova geração acordou para a inescapável constatação de que teria que aceitar condições de sobrevivência inferiores às dos seus pais, ou seja, somente quando o que era inacreditável em condições normais se impôs de forma incontornável, se precipitaram situações revolucionárias. A urgência da revolução voltou a ter significado político imediato. Mas não autoriza a conclusão de que o socialismo está mais perto. A luta pelo socialismo requer mais do que ações revolucionários contra o governo e regime no poder: exige protagonismo proletário independente e projeto internacionalista.

* Professor do IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo). Valério Arcay estará em Vitória da Conquista nos dias 7 e 8 de dezembro, a convite do Geilc (Grupo de Estudos de Ideologia e Lutas de Classes, palestrando acerca das "Esquinas perigosas da História: memórias revolucionárias". O evento acontecerá no Auditório do  Módulo IV (Pedagogia), às 19:30 horas.




[1] DONNE, John. Meditações VII, in http://pt.wikiquote.org/wiki/John_Donne. Consulta em 27/11/2012.
[2]  TROTSKY, Leon. Historia de la Revolucion Russa. Bogotá, Pluma, 1982, Volume 1, p.8.

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