Vladimir Safatle
Folha
de S. Paulo
A crise na PUC-SP devido à
nomeação da terceira colocada em uma lista tríplice evidenciou uma questão mais
grave, que não diz respeito apenas ao mecanismo viciado de escolha de reitor.
Artigo publicado na Folha por dom Odilo Pedro Scherer demonstra profunda
distorção no sentido do que é uma universidade.
Uma universidade não é apenas
um espaço de formação profissional e de qualificação técnica. Desde o seu
início, ela foi uma ideia vinculada à constituição de um espaço crítico de
livre pensar. Ela era a expressão social do desejo de que o conhecimento se
desenvolvesse em um ambiente livre de dogmas, sem a tutela de autoridades
externas, sejam elas vindas do Estado, da igreja ou do mercado. A universidade
dialoga com essas três autoridades, mas não se submete a nenhuma delas, mesmo
quando é dirigida pelo poder público, por grupos confessionais ou empresários.
Por isso, há de se falar com
clareza: no interior da República, não há espaço para universidades católicas,
protestantes, judaicas ou islâmicas, mas universidades dirigidas por católicos,
dirigidas por protestantes etc., o que é algo totalmente diferente.
Uma universidade não existe
para divulgar, de maneira exclusiva, valores de qualquer religião que seja. Ela
admite que tais valores estejam presentes em seu espaço, mas admite também que
nesse mesmo espaço encontremos outros valores, pois só esse livre pensar é
formador do conhecimento.
Se certos setores da igreja não
querem isso, principalmente depois do realinhamento conservador de Bento 16,
então é melhor que eles se dediquem à gestão de seminários.
A universidade, mesmo
particular, é uma autorização do poder público que exige, para tanto, a
garantia de que valores fundamentais para a formação livre serão respeitados.
Se a igreja percebe a PUC como
um instrumento de defesa de seus valores, então não há razão alguma para ela
fazer isso com dinheiro do Estado, já que seus cursos de pós-graduação recebem
dinheiro público via agências de fomento.
Ao que parece, alguns acreditam
que, em uma universidade dirigida por católicos, professores não devem se
manifestar publicamente a favor do aborto e do casamento homossexual. E o que
fará tal universidade com professoras que abortam e professores que se declaram
abertamente homossexuais? Serão convidados a se retirar?
E o professor que ensina
Nietzsche e a "morte de Deus", Voltaire e seu pensamento
anticlerical? Terão o mesmo destino do professor de história que pesquisou as
barbáries da Inquisição ou das relações entre o Vaticano e o fascismo ou da
professora de psicologia que defende teorias "queers", já acusadas
pelo papa de minar os valores da família cristã?
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