Antônio Ozaí da Silva*
A Profa. Ana Maria Netto
Machado, no texto publicado na obra A bússola do escrever: desafios na
orientação de teses e dissertações, organizada por ela e o Prof. Lucídio
Bianchetti, afirma:
“A observação prática nos
mestrados demonstra, de uma maneira inquestionável, que 15 ou mais anos de
língua português não desenvolveram, na grande maioria dos adultos, qualquer
intimidade com a sua própria escrita, de modo que eles não conseguem escrever com
facilidade, nem razoavelmente, nem corretamente, nem sem sofrimento. Isto é
válido para autores ávidos, oradores eloqüentes e bem-sucedidos, cuja cultura
não lhes garante a habilidade para escrever. É fácil constatar essas teses no
meio acadêmico entre bons professores”.[1]
Ela conclui que, “salvo raras
exceções, podemos insistir, sem equivoco, que 15 anos de língua portuguesa não
habilitam para escrever”.[2]
Embora a obra referida tenha
sido publicada há 10 anos, o diagnóstico é, no mínimo, preocupante. Será que o
quadro geral mudou? Não tenho condições de aferição plena, pois não participo
da pós-graduação, mas me parece que a percepção da professora permanece válida.
A minha experiência em participação em bancas, enquanto leitor dos trabalhos
acadêmicos na graduação e como editor e consultor dos artigos ditos científicos
confirma-o. Não é meu intuito desvalorizar nenhum autor, graduando ou
pós-graduando, mas apenas constatar um fato que corrobora as palavras da
professora.
Espera-se dos pós-graduandos
que concluam seus trabalhos e defendam suas teses e dissertações, especialmente
se recebem bolsas. São recursos da sociedade e, portanto, há imperativo ético.
A responsabilidade social do pós-graduando é imensa e não diz respeito apenas
ao orientador, programa e instituição.
Nem sempre a defesa e o título
conquistado têm relação estreita com o domínio da escrita e o escrever bem.
Aliás, a experiência editorial, especialmente na Revista Urutágua, demonstra
que não existe relação de causalidade entre titulação e capacidade de escrever.
Já li textos de graduandos melhores escritos do que outros cujos autores são
pós-graduandos, mestres e até mesmos doutores.
Se o pós-graduando enfrenta
dificuldades para escrever sua dissertação ou tese, por que exigir que escreva
artigos para periódicos? Ora, sejamos sensatos, nem todos temos inspiração ou
competência inerentes ao bom escritor. Escrever é algo mais do que juntar
palavras, organizar citações, apresentar tabelas e quadros que possam
impressionar. A escrita por obrigatoriedade produz resultados desanimadores e,
muito vezes, o auto-engano. A vaidade é também uma forma de ilusão! No mercado
dos bens simbólicos, a publicação de um artigo não oferece certificado de boa
escrita, mas apenas a constatação de que se cumpriu a demanda produtivista. Se
o pós-graduando se vê pressionado a publicar, por que não antecipar a
publicação da dissertação em forma de artigos? Como pode o mestrando/doutorando
se dedicar ao seu trabalho final se tem que publicar agora? É preciso muita
capacidade para se desdobrar…
Para muitos escrever é quase
como uma tortura – não é por acaso que pós-graduandos entram em crise psíquica
e, muitas vezes, comprometem a saúde física e as relações pessoais. Deveria ser
suficiente esperar que concluam o trabalho de pós-graduação. Há as exceções, os
que não têm problemas em produzir, ou seja, lidam com a escrita de forma
tranqüila – e há também os competidores compulsivos, os quais se alimentam
psiquicamente da pressão produtivista. Não obstante, para além das exigências
formais e éticas, é mais sensato aceitar o fato de que nem todos gostamos de
escrever, que não temos o mesmo domínio da escrita e aptidão. Não é melhor
resguardar o direito de quem não quer publicar ou escrever de acordo com a
capacidade e condições?
Por que e prá quê publicar? Por
que obrigar o pós-graduando a isto? Não é suficiente que conclua a
pós-graduação da melhor forma possível? Que ele publique, mas se for capaz e
desejar. Da mesma forma, por que exigir do seu orientador a publicação de
artigos? Também ele não tem o direito de ser “improdutivo”? As exigências
produtivistas nos cegam diante de um simples fato: escrever não é fácil e nem
está automaticamente vinculado à titulação. Publicar e escrever bem não são
sinônimos. Escrever deveria ser um exercício prazeroso e não um tormento!
[1] MACHADO, Ana Maria Netto. A
relação entre autoria e a orientação no processo de elaboração de teses e
dissertações. In: BIANCHETTI, Lucídio e MACHADO, Ana Maria Netto (orgs.) (2002)
A bússola do escrever: desafios na orientação de teses e dissertações.
Florianópolis: Editora da UFSC; São Paulo: Cortez Editora, p.52
[2] Id., p. 53.
*Professor do Departamento de
Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da
Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social
Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária
(Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
Fonte: Blog
do Ozaí
Nenhum comentário:
Postar um comentário