Estudantes, professores e funcionários
estão em greve, à qual a maioria dos cursos, departamentos e campi da
universidade aderiram; o motivo foi a nomeação, pelo cardeal dom Odilo Scherer,
da professora Anna Cintra como reitora da universidade, em vez de Dirceu de
Mello, que venceu as eleições
José Coutinho Júnior
02/12/2012
“É uma etapa triste da nossa
história, pois perdemos alguém muito importante: nossa democracia.” Mais de 500
pessoas se reuniram na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
na noite de sexta (29) para protestar contra o processo de nominação da nova
reitora na universidade, tido pela comunidade puquiana como um dos maiores
golpes contra a autonomia da instituição.
A comunidade da PUC-SP,
composta por estudantes, professores e funcionários, está em greve geral, à
qual a maioria dos cursos, departamentos e campi da universidade aderiram. O
motivo foi a nomeação, no dia 13 de novembro, pelo cardeal Dom Odilo Pedro Scherer,
da professora Anna Cintra como reitora da universidade, em vez do professor
Dirceu de Mello, que venceu as eleições.
Segundo a professora e diretora
da Associação dos Professores da PUC-SP (APROPUC), Beatriz Abramides, o
movimento de greve está muito forte. “Os estudantes entraram em greve não só no
campus Monte Alegre, mas também em Barueri, Marquês de Paranaguá, Santana e os
professores em suas assembleias deliberaram pelo movimento grevista. Durante
esses dias, tivemos verdadeiros momentos coletivos, com aulas públicas,
manifestações culturais, debates sobre o sentido de universidade, a retomada de
uma perspectiva democrática.”
Lista
tríplice
O processo de nomeação do
reitor se dá por meio de uma lista tríplice: após as eleições, os três candidatos
mais votados são apresentados ao cardeal, que nomeia um para ser reitor. Desde
que a universidade tem eleições diretas para reitor, a vontade da comunidade
sempre foi respeitada, com o cardeal homologando a decisão da comunidade.
Considerando que nessas
eleições só existiram três candidatos, e que a professora Anna Cintra foi a
menos votada, sua nomeação, além de ferir pela primeira vez a soberania da
comunidade em escolher seu reitor, demonstra que o processo eleitoral foi uma
fraude.
“A PUC-SP vem de uma tradição
democrática: em 1980, tivemos a primeira eleição direta para reitor, e de lá
até hoje, embora estatutariamente exista a prerrogativa do cardeal indicar um
candidato, todos eles indicaram quem a comunidade escolheu, referendando a
soberania das urnas e da comunidade; porque a democracia foi algo conquistado
na PUC-SP. Essa foi a primeira vez que de fato a democracia do ponto de vista
do processo eleitoral é anulada violentamente, sem qualquer diálogo com a
comunidade. A lista tríplice em si é um limite à democracia, porque se há um
processo democrático legítimo, deve ser eleito quem ganhou a eleição”, defende
Beatriz Abramides.
Além disso, Anna Cintra, assim
como os outros candidatos a reitor, se comprometeu em debate com a comunidade,
a não aceitar o cargo caso não vencesse as eleições, assinando documento no
qual prometia respeitar a democracia da universidade.
A decisão do cardeal, no
entanto, não pode ser vista como um fato isolado; pelo contrário, ela é parte
de uma conjuntura que está mudando a PUC-SP, e segundo professores, estudantes
e funcionários, para pior.
Em
nome do pai
Para Beatriz Abramides, “O que
ocorre nesse momento é o coroamento de um conjunto de elementos que vêm
destruindo a democracia dentro da universidade. Esse processo já vem desde o
final de 2005, com a intervenção da igreja na PUC, à época com conivência da
reitora Maura Véras, dizendo que ou a Igreja entrava, ou era o colapso
financeiro da universidade. A Igreja entra, e a primeira atitude tomada é a
demissão de mil professores e funcionários”.
A intervenção da Igreja na
universidade se fortaleceu em 2007, com o processo de Redesenho Institucional,
cuja principal medida era criar o Conselho Administrativo (Consad), órgão
composto pelo reitor e dois representantes da Fundação São Paulo (mantenedora
da PUC), que passou ser a instância maior de decisões administrativas.
Segundo Henrique, estudante do
quarto ano de Direito, “as questões administrativas deliberadas pelo Consad
dizem respeito a contratos e demissões de professores e funcionários, aumentos
de mensalidades, ou seja, às decisões importantes na universidade”.
A autonomia de produção do
conhecimento sobre qualquer assunto também está ameaçada devido à intervenção
eclesiástica.
“Há graves problemas na
produção de conhecimento. A Igreja se posiciona contra o aborto, por exemplo,
mas numa universidade esse tema deve ser debatido, e deve-se produzir
conhecimento sobre ele. A intervenção da Igreja vem no sentido de acabar com
essas possibilidades. A universidade não é um espaço exclusivo da Igreja: ela
pode fazer parte da PUC, mas o debate e as respostas à sociedade precisam ser
dadas dentro da universidade a partir da produção de conhecimento livre",
argumenta o estudante.
Henrique cita o caso da
professora Silvia Pimentel, do curso de Direito, que, por fazer debates e ser a
favor da legalização do aborto, quase foi demitida da universidade, chegando a
ser desligada por um tempo.
Além disso, a comunidade foi
excluída do processo de construção e votação do Redesenho; diante da falta de
diálogo, os estudantes ocuparam a reitoria em 2007. A atitude da reitora Maura
Véras, em vez de abrir o diálogo, foi a de chamar a tropa de choque para
retirar os estudantes de lá.
“A mesma tropa de choque que
tinha invadido a PUC em 1977 e a reitora Nadir Kfouri disse que ‘não dava a mão
a assassinos’, se referindo a Erasmo Dias, entra na universidade em 2007 com
aprovação da reitora”, diz Beatriz Abramides.
Que
comunidade?
O processo de mercantilização das relações
universitárias se agrava a cada ano. Os professores tiveram seus contratos de
trabalho “maximizados”, o que na prática significa que seus salários dependem
da quantidade de aulas dadas. Isso aumentou o número de turmas e disciplinas que
os professores ministram, dando menos tempo para os profissionais prepararem
aulas de melhor qualidade e investir em sua própria formação pessoal.
Os funcionários da limpeza e
segurança, antes trabalhadores contratados pela PUC, foram demitidos e contratou-se
empresas terceirizadas para executar os serviços. Por conta dos salários
baixos, das condições de trabalhos precárias e da falta de vínculos
empregatícios com a universidade, os funcionários terceirizados não tem nenhuma
relação com a comunidade: os funcionários da segurança, por exemplo, são
contratados da empresa Graber, especializada em segurança de bancos.
Os estudantes se deparam com
uma universidade cada vez mais voltada para os princípios do mercado do que
para com o ensino crítico, que deve visar o interesse público que marcou a PUC
durante tanto tempo.
Mensalidades altas, o
fechamento de turmas e cursos que não dão lucro e o cerceamento da liberdade no
próprio campus, que impede estudantes de filmar, realizar uma manifestação
artística ou fazer uma festa caso não haja autorização são exemplos de que a
direção da universidade ignora as demandas de sua comunidade.
Diálogo
zero
A truculência das instâncias
administrativas em relação à comunidade só aumenta. Após a nomeação de Anna
Cintra, a comunidade realizou audiência pública e convidou dom Odilo e sua
escolhida para participarem dela, o que não aconteceu; em reunião do Conselho
Universitário (Consun), no dia 27 de novembro, Anna Cintra foi convidada para
justificar o porquê de ter aceitado o cargo, mas também não compareceu.
O Conselho então decidiu pela
suspensão temporária de sua nomeação para que ela apresentasse uma defesa, mas
dom Odilo enviou uma carta anulando a decisão do Conselho e empossando a nova
reitora. Anna Cintra só deu as caras na universidade na sexta-feira (28), para
tentar entrar na reitoria, sendo barrada pelos estudantes.
“Sempre houve uma busca de
diálogo por parte da comunidade; por parte da Fundasp/Anna Cintra, só recebemos
bilhetes dizendo que ela está aberta ao diálogo, o que nos parece um
contrasenso, porque ela nunca de fato apareceu para dialogar com a universidade.
Nossa luta é para que ela não seja a nossa reitora, até porque nós não a
reconhecemos como tal. Se tentarem impor de forma autoritária que ela seja
reitora, não vamos aceitar”, afirma Henrique.
Fonte: Brasil
de Fato
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