Por Antonio Ozaí da
Silva
postado
em 07/12/2013
Avaliar é
sempre algo muito complexo. Como mensurar conhecimento? Isto não parece um
problema em áreas exatas ou nas chamadas “provas objetivas”. Contudo, mesmos
nestas situações manifestam-se relações de poder* – as questões formuladas
podem ter um grau maior ou menor de dificuldade e quem decide é o professor ao
elaborar a “prova”; ou seja, mesmo quando se enfatiza a objetividade, a
subjetividade não está ausente. Imaginemos, então, os processos avaliativos nas
Ciências Humanas. Por mais que os professores definam critérios objetivos, os
aspectos subjetivos são ainda mais enfáticos. A mesma resposta do aluno pode
ser avaliada diferentemente por docentes da mesma área disciplinar. É justo
avaliar o aluno apenas pelo texto, pelo que ele apresenta? Sabemos que o
domínio da linguagem formal e a capacidade de escrever são profundamente
influenciados pelo capital cultural, social e econômico acumulados, pelo habitus adquirido.
Uns tem mais dificuldades de
dissertar de maneira adequada e coerentemente que outros e isto está vinculado
ao domínio da escrita. É correto avaliar considerando-se apenas este aspecto ou
devemos levar em conta outros fatores? Talvez o aluno domine o conteúdo, apenas
não consegue demonstrar por escrito. Seria o caso de fazer “prova oral”? Mas,
se tomarmos estas precauções não somos injustos com o aluno que consegue
atender aos critérios do habitus
acadêmico?
De qualquer forma, como
converter conhecimento em medida matemática? Como definir, por exemplo, que o
conhecimento do aluno vale 6 e não 8, ou mesmo 10? Como explicar a matemática
decimal professoral dos números quebrados? Por que um aluno X é avaliado como
9.7 e não 10, ou 5.5 e não 6.0? Como se justifica que, por alguns décimos, o
aluno não atinja a nota necessária para a aprovação direta? Como neutralizar os
aspectos subjetivos que podem influenciar decisões punitivas não assumidas?
Ainda que seja apresentado como o resultado meramente formal da média
matemática, o que prova que o aluno que conseguiu 6.0 e foi aprovado sabe o
mais do que aquele que ficou com média 5.7, ou mesmo, no limite, 5.9, e deve
fazer a avaliação final (exame) sob pena de ser reprovado?
O sistema avaliativo é
positivista – e o interessante que mesmo nós, críticos do positivismo, o
adotamos acriticamente. Claro, somos condicionados pelo aparato institucional;
ainda que não concordemos, temos que definir notas. Assim, ainda que
involuntariamente, reproduzimos e reforçamos práticas avaliativas que expressam
muito mais as relações de poder, prêmios ou punições. Como evitar cair na
armadilha do positivismo avaliativo? É necessária a reflexão crítica sobre a
nossa práxis docente, o habitus e
campo acadêmico. É preciso, também, desenvolver a sensibilidade e orientar-se
pelo agir crítico e a busca de coerência entre a prática e o discurso – pois
muitas vezes questionamos os grandes poderes, mas nos calamos ou mesmo fazemos
uso consciente, e nem sempre de maneira ética, dos pequenos poderes que nos são
instituídos pela posição que ocupamos no sistema educacional.
Sou favorável à eliminação da
nota – segundo a aferição matemática – e à adoção da pura e simples decisão:
aprovado ou reprovado. Ou seja, de acordo com critérios bem definidos e
democraticamente decididos, conclui-se que o aluno alcançou desempenho
satisfatório ou insatisfatório, o que determina sua aprovação ou reprovação.
Não estou advogando nada que seja absurdo ou novidade. De fato, muitos
programas de pós-graduação já eliminaram a nota e adotaram o conceito de
“aprovado” ou “reprovado”. Por que não também na graduação? Claro, este
critério também apresenta problemas, mas me parece melhor do que reforçar a
ilusão de que o conhecimento pode ser quantificado e traduzido em números.
Talvez um dos efeitos deletérios seja o fortalecimento do “poder professoral”,
mas penso que isto pode ser contrabalanceado pela adoção da auto-avaliação
discente e, claro, a afirmação e aperfeiçoamento de canais institucionais que
permitam o questionamento e possibilitem sanar eventuais injustiças.
Sei que isto não é fácil nem
simples. Estamos tão acostumados com as velhas práticas que naturalizamos os
processos avaliativos. Além disso, na medida em que o controle de instrumentos
avaliativos expressa posições de poder, nem todos estamos dispostos a repensar
práticas e conceitos. Por outro lado, há que se levar em conta a resistência
dos alunos, habituados, desde o ensino fundamental e médio, às práticas
avaliativas fundadas em valores competitivos.
* Sugiro a leitura de Avaliação
discente no Ensino Superior, publicado em 02-06-2012.
Fonte: Blog
do Ozaí
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