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domingo, 8 de dezembro de 2013

Lições Pedagógicas (3)



Por Antonio Ozaí da Silva
postado em 07/12/2013


Avaliar é sempre algo muito complexo. Como mensurar conhecimento? Isto não parece um problema em áreas exatas ou nas chamadas “provas objetivas”. Contudo, mesmos nestas situações manifestam-se relações de poder* – as questões formuladas podem ter um grau maior ou menor de dificuldade e quem decide é o professor ao elaborar a “prova”; ou seja, mesmo quando se enfatiza a objetividade, a subjetividade não está ausente. Imaginemos, então, os processos avaliativos nas Ciências Humanas. Por mais que os professores definam critérios objetivos, os aspectos subjetivos são ainda mais enfáticos. A mesma resposta do aluno pode ser avaliada diferentemente por docentes da mesma área disciplinar. É justo avaliar o aluno apenas pelo texto, pelo que ele apresenta? Sabemos que o domínio da linguagem formal e a capacidade de escrever são profundamente influenciados pelo capital cultural, social e econômico acumulados, pelo habitus adquirido.

Uns tem mais dificuldades de dissertar de maneira adequada e coerentemente que outros e isto está vinculado ao domínio da escrita. É correto avaliar considerando-se apenas este aspecto ou devemos levar em conta outros fatores? Talvez o aluno domine o conteúdo, apenas não consegue demonstrar por escrito. Seria o caso de fazer “prova oral”? Mas, se tomarmos estas precauções não somos injustos com o aluno que consegue atender aos critérios do habitus acadêmico?

De qualquer forma, como converter conhecimento em medida matemática? Como definir, por exemplo, que o conhecimento do aluno vale 6 e não 8, ou mesmo 10? Como explicar a matemática decimal professoral dos números quebrados? Por que um aluno X é avaliado como 9.7 e não 10, ou 5.5 e não 6.0? Como se justifica que, por alguns décimos, o aluno não atinja a nota necessária para a aprovação direta? Como neutralizar os aspectos subjetivos que podem influenciar decisões punitivas não assumidas? Ainda que seja apresentado como o resultado meramente formal da média matemática, o que prova que o aluno que conseguiu 6.0 e foi aprovado sabe o mais do que aquele que ficou com média 5.7, ou mesmo, no limite, 5.9, e deve fazer a avaliação final (exame) sob pena de ser reprovado?

O sistema avaliativo é positivista – e o interessante que mesmo nós, críticos do positivismo, o adotamos acriticamente. Claro, somos condicionados pelo aparato institucional; ainda que não concordemos, temos que definir notas. Assim, ainda que involuntariamente, reproduzimos e reforçamos práticas avaliativas que expressam muito mais as relações de poder, prêmios ou punições. Como evitar cair na armadilha do positivismo avaliativo? É necessária a reflexão crítica sobre a nossa práxis docente, o habitus e campo acadêmico. É preciso, também, desenvolver a sensibilidade e orientar-se pelo agir crítico e a busca de coerência entre a prática e o discurso – pois muitas vezes questionamos os grandes poderes, mas nos calamos ou mesmo fazemos uso consciente, e nem sempre de maneira ética, dos pequenos poderes que nos são instituídos pela posição que ocupamos no sistema educacional.

Sou favorável à eliminação da nota – segundo a aferição matemática – e à adoção da pura e simples decisão: aprovado ou reprovado. Ou seja, de acordo com critérios bem definidos e democraticamente decididos, conclui-se que o aluno alcançou desempenho satisfatório ou insatisfatório, o que determina sua aprovação ou reprovação. Não estou advogando nada que seja absurdo ou novidade. De fato, muitos programas de pós-graduação já eliminaram a nota e adotaram o conceito de “aprovado” ou “reprovado”. Por que não também na graduação? Claro, este critério também apresenta problemas, mas me parece melhor do que reforçar a ilusão de que o conhecimento pode ser quantificado e traduzido em números. Talvez um dos efeitos deletérios seja o fortalecimento do “poder professoral”, mas penso que isto pode ser contrabalanceado pela adoção da auto-avaliação discente e, claro, a afirmação e aperfeiçoamento de canais institucionais que permitam o questionamento e possibilitem sanar eventuais injustiças.

Sei que isto não é fácil nem simples. Estamos tão acostumados com as velhas práticas que naturalizamos os processos avaliativos. Além disso, na medida em que o controle de instrumentos avaliativos expressa posições de poder, nem todos estamos dispostos a repensar práticas e conceitos. Por outro lado, há que se levar em conta a resistência dos alunos, habituados, desde o ensino fundamental e médio, às práticas avaliativas fundadas em valores competitivos.

* Sugiro a leitura de Avaliação discente no Ensino Superior, publicado em 02-06-2012.

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