A turma de Arquitetura e Urbanismo: foco na responsabilidade social. |
Ana Carolina Pinto
Em um ano marcado por
manifestações populares em todo o país, os 16 jovens formandos de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostraram que estão
antenados com os acontecimentos no Brasil e escolheram como patrono da turma o
pedreiro Amarildo de Souza, torturado e morto por policiais da UPP da Rocinha,
comunidade carioca onde morava.
- A gente não pode fechar os
olhos para o que está acontecendo. Escolher um arquiteto seria a escolha de
qualquer turma de Arquietetura. Os jovens estao acordando e achamos que essa
colação seria um bom momento de mostrar que nós também temos esse foco. Os
professores tentam deixar isso bem presente para a gente. A paraninfa,
professora Sonia Ferraz, de Teoria da Habitação, foi escolhida por este
trabalho também, de reflexão. Os dois formam um conjunto da crítica
politcosocial da turma - conta Amanda Barros Ferreira, de 24 anos, formanda que
participou da organização da cerimônia.
Luana Fonseca Damásio,
responsável pelo discurso junto com Bruno Amadei, enfatiza ainda a tradição de
pensamento crítico da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF.
- Escolhemos o pedreiro
Amarildo pois muitos de nós não estão satisfeitos com o modo como a arquitetura
do mercado e das instituições corrobora com um modelo de cidade excludente e
baseado nos interesses do capital. Essa tradição de pensamento crítico é
mantida por uma série de professores ao longo dos anos, inclusive o falecido
professor Carlos Nelson Ferreira dos Santos, uma referência nacional.
A escolha do patrono foi feita
no grupo que a turma mantém no Facebook, através de uma enquete. Vários nomes
foram sugeridos, mas o de Amarildo foi o que teve maior força.
Confira o discurso na íntegra: "O patrono desta turma foi
auxiliar de pedreiro. Dedicava-se a executar, com mente, mãos e músculos, o que
nós, arquitetos, planejávamos em nossas telas de computador. Seu nome era
Amarildo. Pensar no pedreiro Amarildo é pensar no trabalho alienante (no
escritório e no canteiro), na divisão social do trabalho, na mão-de-obra
executora, afastada do conhecimento... Em uma realidade que reserva a nós,
arquitetos, um diploma em mãos, e a ele sacos de cimento nos ombros. Mas é
também pensar na potência da autoconstrução, do conhecimento encarnado de quem
todos os dias experimenta, improvisa, se desdobra e constrói um saber
arquitetônico que a academia não ensina. Ser o homem Amarildo é viver na favela
da Rocinha, que, como o professor Gerônimo nos lembra, tem o mais alto índice
de tuberculose da cidade. É habitar uma casa e percorrer ruas sem condições
básicas de habitabilidade, de segurança, de salubridade. É saber que a Rocinha
não precisa de teleférico. Talvez precise, mas antes precisa de coleta de lixo
e saneamento de qualidade, dos quais se tem direito apenas na limpa cidade dos
ricos. Falar em Amarildo é falar do Morro da Catacumba, na Lagoa, da Praia do
Pinto, no Leblon, do Morro do Pasmado, em Botafogo; algumas das favelas
apagadas da paisagem carioca. É falar, mais recentemente, da Vila Autódromo e
das portas marcadas do Morro da Providência. É falar da gestão municipal que
mais removeu no último século e dos tantos mil cariocas que, às custas de um
sonho olímpico, têm ameaçado o seu inalienável direito à moradia. É falar do
déficit habitacional e, ao mesmo tempo, da política de governo que há décadas
vem esvaziando os centros e lotando as favelas e periferias das grandes
cidades. É falar dos sem-teto, das ocupações Machado de Assis, Zumbi dos
Palmares, Quilombo das Guerreiras, removidas ou ameaçadas de remoção. Saber da
prisão, tortura e morte de Amarildo implica em ter o dever de saber da política
pública de segurança higienista, da violência policial injustificada e
injustificável. Do projeto de segurança e de cidade que extermina a juventude
pobre, negra e favelada. Amarildo não foi o primeiro. É saber que estamos a
mercê dos desmandos de um Estado que aumenta a cada dia o efetivo policial,
constrói mais prisões, instala mais câmeras e atira mais balas de borracha nos
professores em greve; ao passo que destrói casas e bairros construidos com suor
e autonomia corajosa. Escolher como patrono um pedreiro é apenas um lembrete
acerca do compromisso ético que firmamos enquanto arquitetos, de entender quem
são os Amarildos, onde moram, como moram, porque moram. Mais que fazer uma
homenagem, afirmamos: somos também Amarildos e seguiremos perguntando por ele e
por todos os outros."
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