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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Um olhar sobre a arquitetura escolar

CARMO GALLO NETTO

As gerações mais antigas se lembram de que os prédios que alojavam as escolas públicas de São Paulo se distinguiam em todo o Estado pela solidez e pela arquitetura que, além de tudo, abrigava um ensino considerado de qualidade. Talvez o exemplo mais emblemático seja o da Escola Caetano de Campos, na cidade de São Paulo. Era uma época de poucas escolas, que atendiam um público restrito. Com a democratização e a obrigatoriedade do ensino público, as urgências das construções escolares levaram à sua padronização, agravada pela escassez de recursos. Estudos têm mostrado que esses edifícios nem sempre apresentam desempenho satisfatório para abrigarem as atividades de ensino, conforme recomendado na literatura especializada.

A professora Doris C.C.K. Kowaltowski, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp mantém linha de pesquisa que procura oferecer subsídios para a resolução do problema.

O interesse da professora pela arquitetura escolar remonta à sua graduação, na Austrália, quando abordou o tema em seu trabalho de conclusão de curso. É pois recorrente, em sua trajetória, a dedicação ao estudo da arquitetura escolar no Brasil e no mundo.

Entre as várias razões que justificam esse interesse, ela destaca a necessidade de construções que atendam cada vez mais às dinâmicas que ocorrem na educação em face das novas tecnologias, das mudanças de conteúdos, das alterações pedagógicas e sociais, e realistas em relação às possibilidades econômicas do país. Para atender a esses requisitos e às sucessivas gerações de professores e alunos, a escola precisa dispor de uma estrutura física sustentável e pedagógica.

No Brasil, a escola pública ostenta uma arquitetura bastante padronizada, até muito simples, desprovida, em muitos casos, de encantamento, diferente do que se esperaria oferecer às crianças e aos jovens. De certa forma, esta situação decorre do célere crescimento e atendimento da demanda e à limitação de recursos.

Os trabalhos orientados pela professora Doris têm procurado contribuir mais especificamente para a melhora da arquitetura escolar no Estado de São Paulo, em que os projetos de edificações escolares são gerenciados pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), responsável por mais de cinco mil prédios escolares do Estado.

Em mestrado por ela orientado, que se deteve em caracterizar o processo de projeto de edifícios escolares entrevistando 44 arquitetos, ficou demonstrado que havia necessidade de apoiar esses profissionais, fornecendo um método que ampliasse os repertórios de análise e estimulasse reflexões sobre projetos em andamento.

Essas constatações, corroboradas por dados da literatura, mostravam que a Fundação apresenta um processo de projeto linear e com poucas fases de análise. Além disso, resultados de avaliações pós-ocupação permitem constatar que os prédios escolares apresentam desempenho em geral insatisfatório, principalmente em relação às questões de conforto ambiental (térmico, acústico e luminoso).

Com base nesses elementos, a arquiteta Paula Roberta Pizarro Pereira se propôs a criar uma metodologia que pudesse servir de apoio ao desenvolvimento de projetos de edificações escolares da FDE, dentro da sua pesquisa de doutorado no novo programa de pós-graduação da FEC denominado Arquitetura, Tecnologia e Cidade (ATC).

Ela partiu da hipótese de que, por meio do conhecimento adquirido sobre a morfologia de métodos de avaliação e análise de projetos disponíveis na literatura, é possível desenvolver um método que seja compatível com o contexto da FDE e também com as necessidades específicas evidenciadas pelos arquitetos. A partir de um levantamento foram selecionados três métodos para análise que serviram de suporte para o desenvolvimento do método destinado a FDE.

Paula considera que o processo a partir daí desenvolvido constitui um instrumento favorável para sistematizar a tomada de decisão e escolher melhores soluções para determinados aspectos de projetos escolares da FDE. Com base em estudos futuros, ela prevê a inserção do método em um sistema de banco de dados para projetos de edificações escolares que, além de tudo, venha a ser constantemente realimentado com o emprego da metodologia.

Partida e chegada


Com base nas solicitações da Secretaria da Educação do Estado, que define previamente os parâmetros básicos a serem observados na elaboração de cada projeto escolar – com áreas e ambientes pré-determinados, como local, tamanho e forma do terreno, pátios e áreas para esporte, salas de aulas e de suporte, entre outros –, a FDE elabora edital convidando arquitetos interessados no desenvolvimento do projeto do prédio a ser construído. Os projetos apresentados são então examinados pelos analistas da Fundação para a escolha do mais adequado.

Com a metodologia criada, Paula espera oferecer subsídios alicerçados em bases científicas para que essas análises possam ser realizadas com mais acuidade. Pretende, também, que ela possibilite aos projetistas o enfrentamento dos desafios decorrentes das condições impostas e possibilite a criação de projetos mais consistentes.

Comumente, o profissional selecionado se defronta com a rigidez das imposições e exíguo prazo de execução, o que faz a professora Doris constatar que “mesmo profissionais experientes e qualificados necessitam de um método que otimize suas tarefas, estimule a reflexão e permita uma pesquisa com base em um repertório mais amplo. As nossas pesquisas mostram que esses profissionais precisam dessas ferramentas e estão abertos a elas”.
Nessa perspectiva, a docente propôs à sua orientanda o desenvolvimento de um trabalho que de alguma maneira torne o processo dos projetistas mais ricos e que lhes ofereça a oportunidade de refletir sobre questões da arquitetura escolar. “O que a Paula fez foi desenvolver um método que possibilitasse análise e reflexão de projetos. Enquanto o projetista está procurando uma solução, ele deveria fazer pausas de reflexão sobre o que está propondo. O método desenvolvido por ela serve para que essa reflexão tenha mais consistência”, diz ela.

Para a execução do trabalho, foi feita uma varredura nos métodos e ferramentas de análise e avaliação existentes na literatura, selecionados três aplicados em projetos da FDE e em precedentes com vistas a investigar a morfologia desses métodos e extrair deles o que fosse de interesse no desenvolvimento de sua proposta.

Os três métodos escolhidos foram: Design Quality Indicator (DQI for Schools), a Metodologia de avaliação de conforto ambiental de projetos escolares – otimização multicritério, e o Comparative Floorplan-Analysis (CFA).

Com efeito, o inglês DQI traz uma matriz conceitual de requisitos e de seus conteúdos especificados para a área da arquitetura escolar, que foi analisado pela autora. Ela selecionou os mais adequados à realidade brasileira.

Já na metodologia de otimização de multicritérios – também desenvolvida por uma aluna da professora – a pesquisadora observou como um arquiteto corrige um projeto durante sua elaboração, fazendo uso de elementos gráficos de variações de tipologia, combinadas com índices. Doris esclarece que ele permite a otimização da questão de conforto através dos parâmetros térmico, acústico e luminoso e de funcionalidade. Aplicável desde os primeiros esboços do projetista, apresenta tabelas em que esses indicadores de conforto possam ser considerados em conjunto e corrigidos ainda nas primeiras etapas de projeto.

O CFA, desenvolvido na Holanda, propõe que o profissional decida sobre a melhor solução comparando soluções de mesma natureza de um conjunto de plantas. Como mesmo os arquitetos mais experientes, ao iniciarem um projeto, partem de várias soluções, o método oferece possibilidades de reflexão sobre a escolha da melhor decisão.

Valendo-se dos elementos que lhe pareceram úteis nesses três métodos e de outras propostas encontradas na literatura, Paula elaborou um método, constituído de requisitos funcionais, estrutura e procedimentos para análise de soluções, que pudesse ser utilizado pela FDE. Aplicou o método em 17 projetos elaborados pela Fundação e em 17 projetos precedentes.

Para ela, o método permite uma análise conjunta de uma série de elementos que participam de um projeto. Paula explicita: “Analiso basicamente cinco parâmetros: acessos e facilidades – que envolvem entradas principais estacionamentos e facilidades encontradas na implantação do projeto; tipologia – que no caso das escolas apresenta características específicas em que se destacam salas e corredores; setorização – determinada pela localização dos vários ambientes específicos; volume e composição – que se atém aos elementos das fachadas, número de pavimentos, materiais usados, tipos de proteção solar; e ambientes e componentes – que envolvem a resolução dos limites dos vários ambientes dentro do edifício e o mobiliário. Esse quadro de análises me permite, a partir soluções encontradas, buscar as mais adequadas ao projeto”.

O método de análise de projetos escolares desenvolvido por Paula é uma contribuição importante para o desenvolvimento do conhecimento em metodologia de projeto. Desta maneira, a professora Doris considera que de alguma forma seu grupo de pesquisa tem estimulado a discussão da arquitetura escolar, questionando e demonstrando que existem novos caminhos a serem trilhados.

“Existe muita gente no Brasil que começa a se interessar pelo assunto e é bastante gratificante saber que os trabalhos dos meus alunos e alunas estão produzindo resultados e os questionamentos por eles levantados estão muito presentes nas discussões atuais. Não aceitamos mais a arquitetura escolar fora do seu contexto local e temporal. Queremos demonstrar que, mesmo com poucos recursos, é possível oferecer um ambiente escolar mais rico e aberto a novas demandas sociais e pedagogias”, conclui a docente.

Publicação

Tese: “Métodos de análise de precedentes para apoio ao projeto da arquitetura escolar pública do Estado de São Paulo”
Autora: Paula Roberta Pizarro Pereira
Orientadora: Doris C.C.K. Kowaltowski
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

Fotos: Extraída do livro "Arquitetura escolar paulista - estruturas pré-fabricadas" (FDE, 2006)
Antoninho Perri
Edição de Imagens:
Diana Melo
Fonte: Unicamp

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