As
gerações mais antigas se lembram de que os prédios que alojavam as escolas
públicas de São Paulo se distinguiam em todo o Estado pela solidez e pela
arquitetura que, além de tudo, abrigava um ensino considerado de qualidade.
Talvez o exemplo mais emblemático seja o da Escola Caetano de Campos, na cidade
de São Paulo. Era uma época de poucas escolas, que atendiam um público
restrito. Com a democratização e a obrigatoriedade do ensino público, as
urgências das construções escolares levaram à sua padronização, agravada pela
escassez de recursos. Estudos têm mostrado que esses edifícios nem sempre
apresentam desempenho satisfatório para abrigarem as atividades de ensino,
conforme recomendado na literatura especializada.
A
professora Doris C.C.K. Kowaltowski, da Faculdade de Engenharia Civil,
Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp mantém linha de pesquisa que procura
oferecer subsídios para a resolução do problema.
O
interesse da professora pela arquitetura escolar remonta à sua graduação, na
Austrália, quando abordou o tema em seu trabalho de conclusão de curso. É pois
recorrente, em sua trajetória, a dedicação ao estudo da arquitetura escolar no
Brasil e no mundo.
Entre
as várias razões que justificam esse interesse, ela destaca a necessidade de
construções que atendam cada vez mais às dinâmicas que ocorrem na educação em
face das novas tecnologias, das mudanças de conteúdos, das alterações
pedagógicas e sociais, e realistas em relação às possibilidades econômicas do
país. Para atender a esses requisitos e às sucessivas gerações de professores e
alunos, a escola precisa dispor de uma estrutura física sustentável e
pedagógica.
No
Brasil, a escola pública ostenta uma arquitetura bastante padronizada, até
muito simples, desprovida, em muitos casos, de encantamento, diferente do que
se esperaria oferecer às crianças e aos jovens. De certa forma, esta situação
decorre do célere crescimento e atendimento da demanda e à limitação de
recursos.
Os
trabalhos orientados pela professora Doris têm procurado contribuir mais
especificamente para a melhora da arquitetura escolar no Estado de São Paulo,
em que os projetos de edificações escolares são gerenciados pela Fundação para
o Desenvolvimento da Educação (FDE), responsável por mais de cinco mil prédios
escolares do Estado.
Em
mestrado por ela orientado, que se deteve em caracterizar o processo de projeto
de edifícios escolares entrevistando 44 arquitetos, ficou demonstrado que havia
necessidade de apoiar esses profissionais, fornecendo um método que ampliasse
os repertórios de análise e estimulasse reflexões sobre projetos em andamento.
Essas
constatações, corroboradas por dados da literatura, mostravam que a Fundação
apresenta um processo de projeto linear e com poucas fases de análise. Além
disso, resultados de avaliações pós-ocupação permitem constatar que os prédios
escolares apresentam desempenho em geral insatisfatório, principalmente em
relação às questões de conforto ambiental (térmico, acústico e luminoso).
Com
base nesses elementos, a arquiteta Paula Roberta Pizarro Pereira se propôs a
criar uma metodologia que pudesse servir de apoio ao desenvolvimento de
projetos de edificações escolares da FDE, dentro da sua pesquisa de doutorado
no novo programa de pós-graduação da FEC denominado Arquitetura, Tecnologia e
Cidade (ATC).
Ela
partiu da hipótese de que, por meio do conhecimento adquirido sobre a
morfologia de métodos de avaliação e análise de projetos disponíveis na
literatura, é possível desenvolver um método que seja compatível com o contexto
da FDE e também com as necessidades específicas evidenciadas pelos arquitetos.
A partir de um levantamento foram selecionados três métodos para análise que
serviram de suporte para o desenvolvimento do método destinado a FDE.
Paula
considera que o processo a partir daí desenvolvido constitui um instrumento
favorável para sistematizar a tomada de decisão e escolher melhores soluções
para determinados aspectos de projetos escolares da FDE. Com base em estudos
futuros, ela prevê a inserção do método em um sistema de banco de dados para
projetos de edificações escolares que, além de tudo, venha a ser constantemente
realimentado com o emprego da metodologia.
Partida
e chegada
Com
base nas solicitações da Secretaria da Educação do Estado, que define
previamente os parâmetros básicos a serem observados na elaboração de cada
projeto escolar – com áreas e ambientes pré-determinados, como local, tamanho e
forma do terreno, pátios e áreas para esporte, salas de aulas e de suporte, entre
outros –, a FDE elabora edital convidando arquitetos interessados no
desenvolvimento do projeto do prédio a ser construído. Os projetos apresentados
são então examinados pelos analistas da Fundação para a escolha do mais
adequado.
Com a
metodologia criada, Paula espera oferecer subsídios alicerçados em bases
científicas para que essas análises possam ser realizadas com mais acuidade.
Pretende, também, que ela possibilite aos projetistas o enfrentamento dos
desafios decorrentes das condições impostas e possibilite a criação de projetos
mais consistentes.
Comumente,
o profissional selecionado se defronta com a rigidez das imposições e exíguo
prazo de execução, o que faz a professora Doris constatar que “mesmo
profissionais experientes e qualificados necessitam de um método que otimize
suas tarefas, estimule a reflexão e permita uma pesquisa com base em um
repertório mais amplo. As nossas pesquisas mostram que esses profissionais
precisam dessas ferramentas e estão abertos a elas”.
Nessa
perspectiva, a docente propôs à sua orientanda o desenvolvimento de um trabalho
que de alguma maneira torne o processo dos projetistas mais ricos e que lhes
ofereça a oportunidade de refletir sobre questões da arquitetura escolar. “O
que a Paula fez foi desenvolver um método que possibilitasse análise e reflexão
de projetos. Enquanto o projetista está procurando uma solução, ele deveria
fazer pausas de reflexão sobre o que está propondo. O método desenvolvido por
ela serve para que essa reflexão tenha mais consistência”, diz ela.
Para a
execução do trabalho, foi feita uma varredura nos métodos e ferramentas de
análise e avaliação existentes na literatura, selecionados três aplicados em
projetos da FDE e em precedentes com vistas a investigar a morfologia desses
métodos e extrair deles o que fosse de interesse no desenvolvimento de sua
proposta.
Os três
métodos escolhidos foram: Design Quality Indicator (DQI for Schools), a
Metodologia de avaliação de conforto ambiental de projetos escolares –
otimização multicritério, e o Comparative Floorplan-Analysis (CFA).
Com
efeito, o inglês DQI traz uma matriz conceitual de requisitos e de seus
conteúdos especificados para a área da arquitetura escolar, que foi analisado
pela autora. Ela selecionou os mais adequados à realidade brasileira.
Já na
metodologia de otimização de multicritérios – também desenvolvida por uma aluna
da professora – a pesquisadora observou como um arquiteto corrige um projeto
durante sua elaboração, fazendo uso de elementos gráficos de variações de
tipologia, combinadas com índices. Doris esclarece que ele permite a otimização
da questão de conforto através dos parâmetros térmico, acústico e luminoso e de
funcionalidade. Aplicável desde os primeiros esboços do projetista, apresenta
tabelas em que esses indicadores de conforto possam ser considerados em
conjunto e corrigidos ainda nas primeiras etapas de projeto.
O CFA,
desenvolvido na Holanda, propõe que o profissional decida sobre a melhor
solução comparando soluções de mesma natureza de um conjunto de plantas. Como
mesmo os arquitetos mais experientes, ao iniciarem um projeto, partem de várias
soluções, o método oferece possibilidades de reflexão sobre a escolha da melhor
decisão.
Valendo-se
dos elementos que lhe pareceram úteis nesses três métodos e de outras propostas
encontradas na literatura, Paula elaborou um método, constituído de requisitos
funcionais, estrutura e procedimentos para análise de soluções, que pudesse ser
utilizado pela FDE. Aplicou o método em 17 projetos elaborados pela Fundação e
em 17 projetos precedentes.
Para
ela, o método permite uma análise conjunta de uma série de elementos que
participam de um projeto. Paula explicita: “Analiso basicamente cinco
parâmetros: acessos e facilidades – que envolvem entradas principais
estacionamentos e facilidades encontradas na implantação do projeto; tipologia
– que no caso das escolas apresenta características específicas em que se
destacam salas e corredores; setorização – determinada pela localização dos
vários ambientes específicos; volume e composição – que se atém aos elementos
das fachadas, número de pavimentos, materiais usados, tipos de proteção solar;
e ambientes e componentes – que envolvem a resolução dos limites dos vários
ambientes dentro do edifício e o mobiliário. Esse quadro de análises me
permite, a partir soluções encontradas, buscar as mais adequadas ao projeto”.
O
método de análise de projetos escolares desenvolvido por Paula é uma
contribuição importante para o desenvolvimento do conhecimento em metodologia
de projeto. Desta maneira, a professora Doris considera que de alguma forma seu
grupo de pesquisa tem estimulado a discussão da arquitetura escolar,
questionando e demonstrando que existem novos caminhos a serem trilhados.
“Existe
muita gente no Brasil que começa a se interessar pelo assunto e é bastante
gratificante saber que os trabalhos dos meus alunos e alunas estão produzindo
resultados e os questionamentos por eles levantados estão muito presentes nas
discussões atuais. Não aceitamos mais a arquitetura escolar fora do seu
contexto local e temporal. Queremos demonstrar que, mesmo com poucos recursos,
é possível oferecer um ambiente escolar mais rico e aberto a novas demandas
sociais e pedagogias”, conclui a docente.
Publicação
Tese:
“Métodos de análise de precedentes para apoio ao projeto da arquitetura escolar
pública do Estado de São Paulo”
Autora:
Paula Roberta Pizarro PereiraOrientadora: Doris C.C.K. Kowaltowski
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
Fotos: Extraída do livro "Arquitetura escolar paulista - estruturas pré-fabricadas" (FDE, 2006)
Antoninho PerriEdição de Imagens:
Diana Melo
Fonte: Unicamp
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