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domingo, 4 de dezembro de 2011

‘O SEQUESTRO’ DO MEU DIREITO DE FAZER A UNIVERSIDADE

Tânia Regina Braga Torreão Sá*
Há alguns dias atrás, quando iniciávamos as nossas atividades do 2º semestre letivo 2011.2, meus olhos foram enganados por uma mensagem de boas vindas. Enganados porque ainda compondo a paisagem[1], isto é, me aproximando lentamente da tal da mensagem e sem prestar atenção direito no responsável pela sua emissão, pensei tratar-se de uma forma calorosa de recepção que todos nós, docentes, discentes, funcionários e prestadores de serviço, no meu entender, merecíamos receber dos administradores dessa instituição...mas, meus olhos me enganaram porque na realidade, os emissores dessa mensagem, apenas anunciavam que haviam conquistado o meu território e que a partir de agora, eu, bem como, todos que a compõem a Universidade e que realmente fazem valer o sentido de sua existência, que é produzir dissenso, estavam rendidos: haviam seqüestrado de nosso direito de nela estar, para promover a crítica às certezas...porque a certeza, tem seu lugar de destaque e esse espaço certamente não é a Universidade.

Mas que mensagem era essa?: tratava-se de uma faixa colocada na entrada do Campus Universitário da UESB/Jequié, por uma tal Aliança Bíblica Universitária que de forma despudorada e acintosa, inclusive, anunciava o dia e hora de vilipêndio do meu direito de produzir dissenso, no espaço construído para essa finalidade. E para reforçar ainda mais o meu sentimento de desterritorilização, os encontros da tal Aliança Bíblica se realizam bem embaixo da janela da sala aonde dou aulas. E o que me parece curioso em tudo isso é que essa apropriação vergonhosa, constrangedora não provoca o debate. O que me leva a conjecturar: será que de tão aviltados pela perda de direitos elementares, nossa capacidade de produzir a crítica está sendo minada pela recorrência dos sucessivos descasos? Porque não é possível silenciar ante tamanha agressão.
Eu tenho feito a minha parte, porque compreendo que a função de uma professora universitária não se resume a somente cumprir os ritos exigidos pelo cargo/função. Acho que tão ou mais importante que dar aulas, coordenar projetos, orientar monografias, etc, se constitui em minha obrigação, problematizar as questões que se colocam no mundo, posicionando-as sempre “em relação à”. Faço assim, porque compreendo ser ‘a verdade’ um discurso de força, que se sobrepõe sobre outros discursos na intenção de soterrá-los. Faço assim, porque não posso crer que o mundo possui apenas uma via, e de mão única.
Mas não quero perder a oportunidade de dizer como tenho exercitado a minha práxis docente e por isso, nesse momento, narro um evento relativo a presença inoportuna de pregadores religiosos na UESB/Jequié.
Irritada! Após me dar conta da forma brutal pela qual o meu espaço de trabalho foi seqüestrado pela Aliança Bíblica Universitária, coloquei meus argumentos para o debate na sala de aula do 8º semestre Pedagogia. E como é natural, salutar e necessário no processo fazer o que faço, houve um questionamento, que se dirigiu à defesa da permanência do grupo na UESB/Jequié. Alguns diriam: “mas é apenas um, deixe para lá, porque 99,9999% ou se calaram ou concordaram com você”. Eu não, não deixei para lá, porque a contra argumentação da discente me pareceu insustentável, na medida em que se baseia na ideia de uma democracia cujo sentido é destorcido. Esse contra argumento quer fazer crer que a antidemocrática sou eu, porque resisto a aceitar a presença de pregadores religiosos no espaço da Universidade.
Sem deixar por menos, lancei uma provocação: o evolucionismo darwiniano criou a tese da seleção natural das espécies, que ‘rasurou’ a ideia de Deus, e boa parte de nós, intelectuais, nos distanciamos do criacionismo. Hoje até meu filho de 8 anos de idade tem dúvidas acerca da criação do mundo em 7 dias, como o Gênesis prega. Ainda bem, porque a dúvida que ele tem aponta o afloramento de um homem que não é dócil. Boa parte de nós intelectuais, também, construiu argumentos suficientes que tornam crível a tese do Big Bang.
Pois muito bem, para a minha debatedora, questionei o seguinte: se coloque no meu lugar de intelectual e me pense no púlpito da sua congregação a defender a minha verdade evolucionista sobre Deus, ou a tese do Big Bang. O que fariam comigo os religiosos que acreditam nas ideias criacionistas? Certamente eu seria execrada, tida como possuída por 1000 demônios e daí para o processo de exorcismo levaria um pulo. E tudo isso é muito natural nas religiões, porque para ser religioso não precisa se questionar nada, e sim aceitar a ideia de Deus.
Nem sem se essa tréplica convenceu minha aluna. Francamente, não quero operar com esse tipo de práxis – a do convencimento -, porque seria contraditório demais da minha parte querer ser pastora, guia ou algum congênere dos meus alunos. Não me interessa esse horizonte, porque concordando com Abelardo Barbosa, o Chacrinha, me penso como uma pessoa “que veio para confundir, e não para explicar”. Confesso-me, no entanto, gratificada porque quando uma aluna questiona uma professora é sinal que a sua rendição à hierarquia que se institui na Universidade ainda não foi consolidada e isso é muito bom.
Penso que é preciso ter claro: estamos, nós intelectuais e os pregadores da religião numa disputa por territórios e cujo espaço a ser conquistado é o de nossas mentes. Enquanto a religião planeja recolonizá-la, a intelectualidade (ao menos a genuína), deseja o inverso porque crê que a função indelével de todo ser humano é a de exercer a condenação de ser livre para acreditar, fazer e crer no que quiser. Quando cedemos o espaço físico da UESB/Jequié para a pregação religiosa, cedemos ao colonizador, portanto, o lugar para que ali, sob nosso olhar atordoado ele destrua um dos poucos espaços que ainda existem a hegemonia do totalitarismo universal do globalitarismo.
* Professora do DCHL/UESB.

[1]a paisagem a porções do espaço relativamente amplas que se destacavam visualmente por possuírem características físicas e culturais suficientemente homogêneas para assumirem uma individualidade” (Holzer, 1999, p.151)

Um comentário:

  1. Creio que para que realmente haja um espaço democrático é necessário o debate, a exposições e confronto de opiniões e argumentos. Não acredito que um grupo religioso que se reúna dentro da universidade venha causar grandes males desde que, exista dentro desses grupos o debate, e abertura para questionamentos e opiniões contrárias se manifestarem. Se o espaço for aberto para um grupo cristão, todas as outras religiões também devem compartilhar do mesmo espaço para que não haja proselitismo.

    Quando eu cursava o ensino médio, eu tinha que passar pelo constrangimento de participar obrigatoriamente de orações antes do começo das aulas. Detalhe, eu estudava em uma instituição FEDERAL (CEFET-BA, hoje IFBA), mas mesmo assim, alguns professores e alunos se achavam no direito de impor a sua religião dentro da sala de aula, e ai de quem os questionasse ou discordasse do que estava acontecendo.

    Caso haja reuniões de grupos religiosos dentro da universidade, é necessário que exista bom senso por parte desses grupos principalmente no que se refere a escolha do local das reuniões, pois embaixo de uma sala de aula isso é inadmissível.

    O espaço universitário é um espaço para a crítica e para o debate e não do proselitismo religioso ou imposição de ideias.

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