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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sobre negros, classe operária e movimento estudantil: um debate estratégico sobre programa para a universidade


por L. Frankel

A universidade não está alheia aos reflexos e contradições de nossa sociedade de classes. Ao contrário, ali se concentram essas contradições, pois é um centro irradiador das ideias da classe dominante, de suas relações sociais, e do qual esta classe se serve para seus fins. O caráter da universidade é definido pelo caráter da classe que a comanda, em nosso caso a burguesia. Não é preciso olhar tão distante para se ver. Falemos um pouco da Unicamp, uma das mais, senão a mais, elitista universidade do país.

Os negros em sua quase totalidade entram pela porta pra limpar o chão e banheiros e quando entram por outro motivo são por “interesses alheios” à universidade, para dizer pouco. Para se ter uma ideia, mesmo na Bahia onde a população negra é cerca de 80% da população total, na UFBA Os números se invertem, cerca de 53% dos estudantes são brancos e somente 43% de negros ou pardos – nas estaduais paulistas nem se fala, os negros são menos 7% dos estudantes universitários, entre os professores não chega a 1%. Os negros são nada mais que a face terceirizada, precarizada da população que ocupam os espaços universitários. Sem meias palavras: os negros são dentro da universidade, da Unicamp em particular, nada mais que suspeitos antes que se prove o contrário. Assim são vistos pela reitoria, pelo governo, pela guarda universitária e, também aí, massacrados pela polícia que tem se tornado tão cotidiana nos corredores acadêmicos.

Pulando o portão, nada tão distinto, senão ainda mais brutalizado. Ocupam os setores mais precários, os salários mais mínimos, e a face mais desumanizada da população e dos trabalhadores em geral. Ocupam as favelas e morros e nelas são mortos (um genocídio declarado!) por essa mesma polícia cotidianamente. No Estado de São Paulo, 91% da juventude negra já foi abordada pela polícia. É disso que estamos falando. De uma polícia racista, homofóbica e machista, que nada, de nada mais serve senão pra reprimir, tratar com fuzil, a juventude e a classe operária em defesa da propriedade capitalista e suas instituições, como é também a universidade. Isso só pra ficar entre os negros, massacrados, mortos e escravizados, desde o primeiro dia que pisaram estas terras.

A situação da classe operária em geral não é tão distinta. Entram pelas portas da universidade pública somente via concurso - ainda assim parte bem restrita dela -, nuca pelo vestibular. A classe operária é aquela que deixa um terço do salário, quando pouco, nas faculdades particulares na ilusão de ascensão social. Dos já poucos 14% dos jovens que chegam à universidade brasileira hoje, destes 74% estão em universidade privadas, ou seja, somente cerca de 4% da juventude entram nas universidades públicas. A classe operária vende o sangue nas fábricas pra encher o bolso dos barões do ensino – em dez anos, de 1991 a 2001, o número de universidades privadas aumentou em 267% no Brasil, e tornou-se um dos negócios mais lucrativos do país - e assim entram no ciclo da produção e reprodução do capital enquanto força de trabalho que se qualifica ao tempo que se endivida. Enquanto nas universidades públicas elitizadas pelo projeto educacional burguês, produz-se mais e mais conhecimento para que os capitalistas possam mais, suguem ainda mais o sangue do operariado. Essa é ou não a realidade da Unicamp? O conhecimento aqui dentro produzido está a serviço de que classe? Experimentem passear pelas grandes indústrias de Campinas e arredores e verão carros e carros de engenheiros, economistas e demais cargos administrativos com o logotipo da Unicamp estampado no vidro dianteiro. As contradições de classe desta sociedade se sentem ou não dentro desta universidade? Donde partimos então para pensar programa para o movimento estudantil pró-operário?


A greve dos trabalhadores e estudantes da Unicamp e o resgate da tradição do movimento estudantil pró-operário


Como há muitos anos não se via, os trabalhadores da Unicamp deflagraram uma forte greve contra a reitoria por isonomia salarial com os trabalhadores da USP. Nada tão justo contra um projeto de universidade das reitorias e governo que tenta se afirmar para tornar estas instituições ainda mais voltadas para o interesse privado e os grandes monopólios capitalistas brasileiros e internacionais. Que, para ser implementado, precisa quebrar toda a mola que resiste. Atacar a isonomia significa tentar impor a divisão entre os trabalhadores das três universidades estaduais paulistas que há anos vêm resistindo, lutando e usando métodos radicais para combater este projeto de universidade. Assim, defender a greve destes trabalhadores significa defender, dotado de programa e estratégia corretos, a universidade para os trabalhadores.

Também resgatando uma tradição que foi totalmente viva dentro desta universidade, os estudantes do IFCH aprovaram greve estudantil em apoio aos trabalhadores. Um passo importantíssimo para reavivar a aliança operário-estudantil e um ótimo momento pra se debater estratégia e programa. Não só a greve, mas também as eleições do CACH deste ano colocaram sobre a mesa a necessidade premente desta discussão.

A solidariedade à greve dos trabalhadores é o começo de uma tradição que deve se aprofundar. Ser dentro da universidade a voz dos que estão dela excluídos, um movimento estudantil que seja tribuno do povo: eis o ponto de partida para a construção de um movimento estudantil de fato pró-operário. Esse debate queremos fazer com os ativistas que hoje estão se expressando ativamente nesta luta.


Que programa para qual universidade?


Um movimento estudantil que esteja colado aos trabalhadores e aos jovens excluídos desta realidade, só pode partir de um programa que tenha sua base na realidade concreta da universidade brasileira, tal qual analisamos anteriormente, e das necessidades reais dos que nela nunca entraram. Trata-se, portanto, de uma combinação dos elementos reais da universidade que temos para a universidade e sociedade que queremos construir. Reafirmamos: nosso método é o dos estudantes que se ligaram aos trabalhadores no Maio de 68 francês, “do questionamento da universidade de classes ao questionamento da sociedade de classes”.

Nosso programa só pode ser a expressão, assim sendo, de um diálogo não só com os que estão dentro da universidade, mas tão ou mais importante quanto (dependendo do patamar do desenvolvimento da luta que passamos) com os que estão fora dela.

O movimento estudantil que dentro de uma universidade extremamente elitista, racista e excludente se limita ao diálogo em geral com os estudantes, se limita à paralisia dos pequenos objetivos. Os estudantes “em geral” não é um terreno de classe e de interesses de classe homogêneo – a universidade é policlassista, portanto seus distintos setores se confrontarão e haverá polarizações (basta ver o debate da PM na USP agora). Pequenos objetivos pressupõem métodos pequenos, sem audácia. E reside aqui também a falácia do programa mínimo para dialogar com a consciência de todos, pois não se liga às necessidades reais, um programa com claro recorte de defesa de classe pela positiva, não se pode chegar aos elementos e exemplos mais avançados e audazes do movimento estudantil e operário combativos, que é onde queremos chegar. O que atrai o Movimento Estudantil para os grandes debates nos organismos de democracia direta – assembleias e comandos – não são questões “administrativas” de gestão ou convivência, mas sim a “grande política” como tem sido irradiada pela greve dos trabalhadores da Unicamp e a greve geral da USP contra a polícia e em defesa dos 73 presos políticos.

Para ser bem claro e direto, qualquer programa que se pretenda à transformação radical da universidade, que abra suas portas para os trabalhadores, negros e a juventude explorada, que não questione de fundo o acesso e sua estrutura de poder – que mantém e aprofunda o elitismo da universidade – é uma utopia irrealizável e não o contrário. Qualquer programa que não ponha em xeque as relações da estrutura social de classes, que deu origem à universidade, é incapaz de questionar essa universidade de classes.

Esse modelo de universidade se baseia na exclusão da juventude pobre e trabalhadora para usar o conhecimento produzido dentro dela pelas grandes corporações para melhor submetê-la. Mudar pela raiz significa torna-la acessível a todos que sintam necessidade de cursá-la; significa massificá-la. Somos, portanto, radicais e contundentes no programa de fim do vestibular, única maneira de acabar com este filtro social, que cria, mantém e legitima esta universidade elitista e branca. Só abrindo irrestritamente a porta das universidades públicas, permitindo igualmente o irrestrito acesso é que podemos garantir que toda a juventude trabalhadora e negra possa estudar e assim permitir a educação plena. Para isso temos que acabar com os lucros dos barões do ensino estatizando os grandes monopólios educacionais, colocando todas as universidades a serviço da educação pública e garantindo suas vagas totais para os jovens que estão excluídos deste direito democrático elementar. Como a juventude no Chile que não se cala, somos pela educação pública total!

Para avançar nesta conquista precisamos, entretanto, acabar com os interesses de classe dominante nas universidades, que é mantido pela estrutura de poder extremamente anti-democrática. Sãos os reitores e Conselhos Universitários, um grupo estrito de burocratas acadêmicos e professores “ de alta patente” que refletem os interesses dos governos e dos capitalistas dentro das universidades, decidindo sobre os investimentos, os contratos de trabalho terceirizados, a repressão e a perseguição aos que resistem, e todo o resto da regência acadêmica. Nossos interesses são opostos e, portanto, só podemos nos contrapor e derrubar esta estrutura de poder igualmente elitista. Levantamos o fim do vestibular ao tempo que levantamos o voto universal nos conselhos deliberativos da universidade, uma cabeça um voto. A universidade só pode estar aberta à classe trabalhadora e regida pelos seus interesses se esta classe decide sobre seus rumos. De nada adiantaria acabar com o vestibular e manter os interesses capitalistas encastelados nas reitorias e conselhos da universidade.

Não se debate, portanto, financiamento da universidade sem saber a serviço de que e de quais interesses estará. Não debatemos conhecimentos produzidos na universidade sem saber a serviço de quais interesses estão sendo produzidos ou queremos produzir. As aspirações por segurança, também dentro da universidade – principalmente contra as opressões – são demandas legítimas: e por isso mesmo a maneira de torná-la “segura” não é mantendo-a elitizada, mas sim franqueando seu acesso às massas trabalhadoras. Não debatemos segurança na universidade por fora dos projetos burgueses de universidade, que procuram “alternativas de segurança” para salvaguardar os privilégios de seus mandarins burocráticos, e para melhor desativar a organização operário-estudantil, perseguindo e punindo as forças transformadoras dentro da universidade. Somos e queremos ser representantes das vozes dos morros e favelas, da classe operária e toda a juventude dentro da universidade. Não é possível compactuar com universidades que exploram e organizam “com excelência” a fome da imensa maioria da população que dela é repelida. Nosso programa deve ser grandioso, por isso temos grandiosos métodos.
Fonte: CEPHS

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