Postado em 16/08/2013
No dia 31 de julho meu destino
de alguma forma cruzou com o de Elvira Ferreira da Silva. Quando eu estava
chegando na universidade com muita fome só pensando se daria tempo de encontrar
as portas do Restaurante Universitário abertas, me deparei com uma cena de
filme de terror, Ricardo Ferreira Gama estava jogado no chão todo
ensanguentado, com três monstros em cima dele, muitas/os estudantes e
trabalhadores/as estavam indignados/as em volta, mas ninguém conseguia impedir
as agressões. Toda a fome desapareceu e eu só sentia indignação, raiva e muita
vontade de gritar.
Não pensei duas vezes quando
gritei, ameacei e tentei proteger com minha própria vida a vida de um
companheiro, não sei se foi solidariedade de classe, se foi solidariedade de
mulher com a Elvira, se foi “loucura”, apenas sei que o que senti naquele
momento foi mais animal do que humano, uma vontade imensa de pegar o Ricardo e
sumir com ele dali e protegê-lo, como Elvira faria.
Quando falamos de direitos
humanos, vejo nisso um conceito vazio, defender um “politicamente correto”,
quando nos indignamos e lutamos com toda paixão por uma causa não é luta por
direitos, é luta por sobrevivência, e isso tem mais relação com o animal do que
com o humano. E é essa luta que a maioria das/os militantes dos direitos
humanos fazem, por isso são perseguidos/as, chamados/as de loucos/as, ou
defensores/as de bandidos/as, porque reproduzimos a ideia que nesse Estado quem
é da classe trabalhadora ou está “bem comportado” ou é bandido/a.
Mas o que quis dizer quando
falei que minha vida cruzou com a de dona Elvira. Não conheço essa mulher
pessoalmente, mas sei que sua dor é a minha, seus pesadelos nos últimos dias
são os meus, tenho uma vontade enorme de voltar no tempo e reverter essa
história. Mas não podemos voltar no tempo, não podemos construir lutas no
passado, podemos olhar para o passado e construir lutas no presente, e muitos
Ricardos ainda estão por aí, na favela, nos centros, nas faxinas e nas
fábricas. A luta de classes é isso: amar quem a gente não conhece, lutar por
aquele que sem dúvidas sabemos é igual a nós. Naquela quarta-feira, não tive
nenhuma dúvida de que lado estava, sabia que não era do lado daqueles homens
fardados e armados que ameaçavam a todos e principalmente ao Ricardo, não só eu
como outros/as companheiros/as defendemos com nossas vidas, hoje eu só tenho
uma certeza e é a mesma de Elvira:
“É muita coincidência uma coisa acontecer
em um dia, e no outro o meu filho ser baleado, ser morto daquele jeito. Ele não
tinha inimigos para ser morto daquele jeito. Não tem outra explicação, foi a
polícia que matou o meu filho” Elvira Ferreira da Silva.
Quem matou Ricardo foi a
Polícia Militar e o Estado brasileiro apoiou, e todos/as que se calarem serão
cúmplices.
Somos todas/os Mães de Maio e vamos
transformar o LUTO em LUTA.
(*preservamos a identidade para
não expor a pessoa. Os relatos podem ser enviados para o e-mail
quemmatouricardo@riseup.net)
Fonte: quemmatouricardo.noblogs.org
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