Crianças em escola | Foto: BBC |
Daniela Fernandes
De Paris para a BBC Brasil
em 29 de janeiro,
2014
Projeto do governo quer ensinar
que não existem atividades específicas para meninos ou meninas
Alunos de escolas primárias
francesas estão boicotando aulas, por iniciativa dos pais, após rumores
difundidos por veículos de comunicação de que o governo criou um programa de
ensino que visaria "negar as diferenças sexuais entre homens e mulheres".
Uma centena de escolas na
França sofrem com um índice elevado de alunos ausentes desde a sexta-feira.
A polêmica surgiu após a
criação recente do "ABCD Igualdade", um programa dos ministérios da
educação e dos direitos das mulheres e testado em mais de 600 salas de aula em
todo o país, com o objetivo de transmitir às crianças o conceito de igualdade
entre homens e mulheres e lutar contra os estereótipos que envolvem ambos os
sexos.
O programa pretende pôr fim a
ideias homofóbicas e misóginas e mostrar que não existem atividades, inclusive
recreativas, específicas para meninos ou meninas - que uma garota pode desejar
ser engenheira ou bombeira e um garoto pode querer ser parteiro, por exemplo.
Mas grupos ligados à extrema
direita difundiram na internet rumores de que o governo teria tornado
obrigatório nas escolas primárias o suposto ensino da "teoria do
gênero", interpretado por eles como sendo algo que visa eliminar as
diferenças biológicas e sociais entre os homens e mulheres e promover a
homossexualidade.
Igualdade
Especialistas ressaltam que não
existe uma "teoria do gênero" e sim os estudos sobre gênero (gender
studies), iniciados nos Estados Unidos nos anos 60 e 70, que analisam a construção
social da identidade sexual e a questão das desigualdades entre homens e
mulheres.
O ministro da Educação, Vincent
Peillon, declarou que o ministério "rejeita totalmente a teoria do gênero
e a instrumentalização feita por pessoas da extrema direita, que estão
difundindo uma ideia que causa medo aos pais de alunos".
"Queremos promover a
igualdade entre homens e mulheres", afirmou Peillon.
Nesta quarta-feira, o ministro
pediu a diretores de escolas para convocar os pais que não levaram seus filhos
às aulas após o início dos rumores.
Muitos pais receberam mensagens
pelo celular pedindo que não levassem seus filhos à escola na sexta-feira
passada e também na segunda-feira desta semana para protestar contra o ensino
da "teoria do gênero" e publicaram as mensagens nas redes sociais.
"Eles vão ensinar aos
nossos filhos que eles não nascem meninos ou meninas, mas sim que eles
escolherão seu sexo depois. Isso sem mencionar a educação sexual desde a escola
maternal", diz uma mensagem reproduzida pelo jornal francês Le Monde.
O Instituto Civitas, ligado a
católicos conservadores, também apoia o boicote às aulas, afirmando que o
ministério da Educação estaria difundindo a "ideologia do gênero às
escondidas sob pressão de movimentos gays e lésbicos".
Os boatos chegaram a afirmar
ainda que o governo estaria promovendo nas escolas primárias uma introdução à
sexualidade, com aulas que fariam demonstrações "explícitas" às
crianças.
"Nós não falamos nada
sobre sexualidade no primário. Na escola, ensinamos a igualdade entre garotos e
garotas e não a teoria do gênero", declarou nesta quarta-feira Najat
Vallaud-Belkacem, porta-voz do governo e ministra dos Direitos das Mulheres.
"Falamos que os meninos e
meninas podem ter ambições de igualdade em relação às suas escolhas
profissionais e aos seus sonhos", diz a ministra, se referindo ao programa
"ABCD Igualdade".
Boicote organizado
A ideia dos opositores que difundiram os rumores é lançar um dia de boicote às aulas por mês. Na próxima semana, pedidos para faltar às aulas em algumas escolas já foram lançados.
O rumor teria ganhado força,
segundo a imprensa francesa, principalmente junto aos pais com baixo nível de
instrução e de religião muçulmana.
Em uma escola em Estrasburgo,
no leste da França, um terço dos alunos faltou às aulas, sendo quase 90 turcos,
ciganos e de origem árabe, segundo o jornal Le Figaro.
Em Meaux, periferia pobre nos
arredores de Paris, considerada "zona urbana sensível", 20% dos
alunos faltaram na sexta-feira, segundo a imprensa.
O governo minimiza o impacto
dos rumores, afirmando que apenas uma centena das 48 mil escolas francesas foi
afetada. Mas o assunto vem ganhando força no país.
Fonte: BBC
Brasil
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