A partitura é desafiante, rica em vozes dissonantes e solistas virtuoses. Na pauta, a intelectualidade sob a batuta de dez “maestros” das ideias. Resumo da ópera: Onde estão os intelectuais brasileiros?
No Brasil do século XIX, não havia espaços “próprios” para a intelectualidade. Já durante o Império, uma alternativa dos pensadores de então era a carreira na diplomacia, posto público que garantia ganho financeiro, permitindo atividade intelectual paralela. Só no século XX se dá a consolidação de instituições “propriamente intelectuais”, como as universidades, abrindo “carreiras” autônomas e, a partir disso, a “profissionalização” do mister. Por fim, no século XXI, a diversidade de funções desempenhadas pelos intelectuais abre espaço para novas e diferentes compreensões, o que pode confundir a sociedade no que diz respeito aos papéis representados por eles na atualidade.
O papel dos intelectuais – ou intelectuais de papel
O Caso Dreyfus é emblemático para se buscar as raízes da expressão “intelectual”. Nascida na França no início do século XX, a ideia de intelectual é do indivíduo que sai ocasionalmente da sua esfera de competências para se engajar no espaço público a favor de causas universais, como foi o caso de Émile Zola em favor de Dreyfus, de Jean-Paul Sartre pela libertação da Argélia e de Michel Foucault sobre as condições de vida nas prisões francesas.
Na perspectiva de Edward Said, deve-se “insistir no fato de o intelectual ser um indivíduo com um papel público na sociedade, que não pode ser reduzido simplesmente a um profissional sem rosto”. Em Representações do Intelectual (Companhia das Letras, 2005), Said diz que o intelectual deve articular um ponto de vista, uma atitude e uma opinião para e por um público: “E esse papel encerra uma certa agudeza, pois não pode ser desempenhado sem a consciência de se ser alguém cuja função é levantar publicamente questões embaraçosas, confrontar ortodoxias e dogmas (mais do que produzi-los); isto é, alguém que não pode ser facilmente cooptado por governos ou corporações, e cuja raison d’être é representar todas as pessoas e todos os problemas que são sistematicamente esquecidos ou varridos para debaixo do tapete”.
Para a socióloga Angela Alonso (USP), há duas interpretações possíveis para o papel dos intelectuais no Brasil contemporâneo: há os “profissionais do conhecimento”, vinculados à universidade “da porta para dentro”; e há “intelectuais públicos”, empenhados na enunciação e posicionamento político. Muitos entendem que a universidade passou por um processo de burocratização, tornando-se um lócus de habilitações, mais instrumental do que especulativo. É o que pondera o jornalista Bernardo Kucinski, para quem a fase da grande sociologia se foi. “Não é mais a ciência dos gênios, é a ciência das carreiras”, argumenta. O status da carreira passa a se nortear por requisitos da universidade, como a “produtividade” mediante publicações, títulos, orientações. “Se quer ter uma trajetória bem-sucedida na academia, há pouco tempo e espaço para organizar manifestações a favor dos países do Terceiro Mundo”, provoca o jornalista Fábio Henrique Pereira (UnB).
“No Brasil, infelizmente, há intelectuais que simplesmente fazem seu trabalho acadêmico. Eles estão pensando, produzindo novas ideias, livros, teses, mas não se envolvem em questões amplas, não estão preocupados com engajamento. Contudo, um outro setor assume a disposição de responder às inquietações muitas vezes causadas pela sua própria realidade, pelo tempo presente, com atitudes políticas mais explícitas”, sustenta a historiadora Sílvia Miskulin (USP).
* Jornalista, mestre e doutoranda em História Social na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Publicado originalmente na Revista Fórum, em maio de 2009.
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