Jair Pinheiro 06/10/2011 22:34:41
“Durante a noite do dia 6 de setembro, dois homens armados invadiram a casa de Edson Francisco, membro da coordenação nacional do MTST em Brazlândia – DF. Os homens arrombaram o portão, entraram na casa e dispararam vários tiros contra Edson que conseguiu fugir sem ferimentos graves.”. Assim a coordenação do MTST denuncia mais um ataque àqueles que levam a vida por um fio.
Pode-se morrer a qualquer momento pelas más condições de vida e/ou de trabalho (ou pela da falta dele), causas disfarçadas nos atestados de óbito sob o registro de doenças infectocontagiosas, típicas daquelas condições, ou por causas externas, nome genérico para designar a violência que afeta mais as pessoas que vivem na insalubridade urbana e envergam o peso da construção da pujante riqueza dessa máquina de crescimento, que é a cidade capitalista, sem dela desfrutar; mas também se morre por ousar lutar contra tais condições, é o recado que os atiradores queriam dar aos que lutam com o cadáver que, felizmente, não conseguiram fazer de Edson.
Um dos efeitos ideológicos mais perniciosos das décadas de neoliberalismo foi a naturalização da pobreza; esta, que nas décadas de 1970 e 1980 provocava indignação moral e política e mobilizava a luta contra a ditadura porque ninguém duvidava que suas causas eram sociais. Havia, portanto, que mudar a sociedade.
Entretanto, uma nova abordagem da pobreza, cultivada em certos círculos supostamente esclarecidos, deslocou do modelo social para o desempenho individual o debate sobre as causas da pobreza e, com isso, passou-se a apregoar como tratamento para o problema a caridade pública ou privada.
A individualização da pobreza abriu uma larga vereda onde vicejou o culto ao indivíduo apto à competição no mercado e, figura complementar, o indivíduo disponível para o trabalho de preparação dos inaptos para a competição, a que se deu o nome de inclusão social. A isto se reduziu o sentido de solidariedade. Neste clima ideológico, a luta contra as causas sociais da pobreza passou a ser apresentada como geradora de violência, como se não fosse violência a pobreza, e cruel, pois negação cotidiana dos direitos humanos básicos por um ente sem rosto, o modelo social, que não pode ser interpelado judicialmente, só politicamente.
Mas como este aspecto da pobreza é obscurecido, atentados contra militantes, como o que abre este artigo, adquire a aparência de consequência natural a que se expõem aqueles que escolhem o caminho errado para lutar contra a pobreza; sentido sub-repticiamente transmitido pela nova abordagem da pobreza.
Interditado o caminho da luta política contra as causas sociais da pobreza, está aberto o espaço para o Estado democrático de exceção, expresso, sobretudo, na complacência do Estado com os autores desses atentados, do que dá mostra o número de assassinatos de trabalhadores no campo desde 1985 (1.186 casos com 1.580 vítimas) em contraste com o de condenações (92 casos julgados, 21 mandantes e 74 executores condenados), e na ação ilegal de forças policiais contra acampamentos, como ocorrido no dia 12/09/11, em Americana, no interior de São Paulo.
Nisso consiste o Estado democrático de exceção: complacência com as milícias privadas, com as ações de provocação das forças oficiais e judicialização da política, até que todos se acostumem com a redução seus direitos políticos e civis à regulação pelo código penal, e a exceção se torne a regra, se já não o é.
*Professor do Depto. de Ciências Sociais/Unesp-Marília. Pesquisador do NEILS (Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais).
Fonte: Jornal Diário de Marília
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