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domingo, 9 de outubro de 2011

As duas cores de Machado de Assis

por Carlos Nobre
Em 2008, o Brasil os 100 anos da morte de Machado de Assis, mulato que se tornou o maior escritor brasileiro de todos os tempos. No entanto, Machado nunca quis ser afrodescendente. Sempre teve duas "cores".
"Mulato, ele foi de fato, um grego da melhor época. Eu não teria chamado Machado de Assis de mulato e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. (...) O Machado para mim era um branco e creio que por tal se tornava; quando houvesse sangue estranho isso nada alterava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só via nele o grego" (Joaquim Nabuco, em carta a José Veríssimo, após a morte de Machado de Assis).
Em 30 de setembro de 1933, o escritor Humberto de Campos, ao escrever um artigo para o " Diário de Notícias", traçou o seguinte perfil do colega Machado de Assis, a maior glória da literatura nacional de todos os tempos:
"Era miúdo de figura, mulato de sangue, escuro de pele, e usava uma barba curta e de tonalidade confusa, que dava ares de antigo escravo brasileiro, filho do senhor e criado na casa de boa família. Era gago de boca, límpido de espírito e manso de coração. E tornara-se pelo estudo e pelo trabalho o mais belo nome, e a glória pura e mais legítima, das letras nacionais".
No entanto, 25 anos antes desta classificação racial empreendida por Campos, Machado de Assis era considerado um integrante da elite carioca, e portanto, um homem branco. Isto foi o quê anotou no atestado de óbito de Machado de Assis, o escrivão Olimpio da Silva Pereira. Esta anotação fora feita, após a morte do autor de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em sua casa, no Cosme Velho, em 29 de setembro de 1908.
O fato é muito significativo, pois, a obrigatoriedade do registro cor nos documentos fúnebres só fora estabelecida 75 anos mais tarde, em 1973, em função provavelmente da luta dos movimentos negros. Por que, então, o escrivão se apressou em acrescentar o item cor no atestado de óbito de Machado de Assis, se tal prática inexistia na época? Seria uma tentativa para impedir no futuro qualquer polêmica em relação a cor de nosso maior escritor? Qual das duas cores - a citada por Campos e a anotada pelo escrivão - valeria hoje, depois de 100 anos da morte de Machado?
Quem responde a este dilema racial é a cientista social Simone da Conceição Silva, em sua monografia final de curso ( 2001), intitulada O preto-e-branco do escritor brasileiro. Machado de Assis, no plural ou no singular?, apresentada, no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Origem afro
Simone mostra que, paralelo à consagração do escritor dos "Contos Fluminenses", "Dom Casmurro" e "Iaia Garcia", e outras obras de vulto, ocorreu um processo de embranquecimento da figura de Machado. O atestado de óbito, segundo ela, é um dos exemplos flagrantes deste processo. Segundo Simone, as elites intelectuais da época em que viveu Machado - entre meados do século XIX e início do século XX - não admitiam que o maior nome das letras nacionais fosse de origem africana já que as ideologias racistas em plena voga na época mostravam o negro adaptado para o trabalho manual e incapaz para o trabalho intelectual.
Filho do pintor de paredes mulato Francisco José de Assis e da lavadeira portuguesa Maria Leopoldina Machado, o escritor nasceu em 21 de junho de 1839, no morro do Livramento, na Saúde , isto é, na " Pequena África", local de forte presença de africanos, cujo denominação fora dada pelo sambista Heitor dos Prazeres, filho de uma das famosas tias baianas que habitavam o local.
Epiléptico e gago, Machado de Assis foi vendedor de balas e sacristão da Igreja Nossa Senhora da Lampadosa, uma irmandade negra, na Avenida Passos, no Centro. Ele nunca freqüentou escola ou faculdade, mas foi considerado um dos mais brilhantes autodidatas do seu tempo. A imagem de um escritor elegante, fino, bem vestido, cabelos ondulados, brilhantes, pela embranquecida - que aparece numa fotografia de Machado, quando ele, está, por volta dos 60 anos - e que é a mesma anexada em milhares de escolas, bibliotecas e livros didáticos - não corresponde com a história de um mulato pobre, órfão na adolescência, bisneto de escravos e que ascendeu nas letras e no serviço público a custa somente de seu talento. Segundo Simone, havia uma intenção de esconder o passado de Machado. Ele reforça seus argumentos citando um articulista da "Gazeta de Notícias", que, após a morte do escritor, escreveu a frase que procura legitimar a supressão do passado pobre e negro de Machado: "Do morto de ontem não se precisa fazer biografia".
Para ler a matéria por inteiro, clique ALDEIAGRIOT

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