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terça-feira, 2 de abril de 2013

A escola para ser pública não basta ser gratuita


Por Ruy Medeiros* 

A escola pública está muito parecida com a escola particular, sob certos aspectos; mas cumpre distanciá-las. E o professor, sobre isso, tem muito a dizer e muito que fazer. 
O diferencial entre uma e outra, costuma-se dizer, é a gratuidade da escola pública diante da escola privada. Seria bem assim?
A iniciativa particular pode gerar escola não paga, por conta da filantropia ou do assistencialismo; a iniciativa pública pode estimular (como tem feito) escolas da iniciativa privada, por meio de bolsas, subsídios, etc. Mas esse argumento – o pago e o não-pago – muito importante por seu caráter inclusivo, ou excludente, a depender do caso, não é tudo. Pelo menos não é bastante para caracterizar a escola pública.
A escola pública deve ser gratuita sim, mas deve preencher outros requisitos.
Em primeiro lugar, a escola pública deve ter qualidade, se não a tem, passa a justificar o não-público (a escola privada), tomando aspecto autodestrutivo. Há pessoas que, por conta da não qualidade da escola, transferem seus filhos para escolas particulares, com sacrifício, amesquinhando outros aspectos de sua existência por falta de recursos. A escola pública sem qualidade aponta para cenários de sua destruição: descrédito, esvaziamento, ou subsídios a escolas privadas, podendo chegar mesmo o Estado a contratar com a iniciativa privada a pretensão da atividade educacional. Em outras palavras: o controle, pelo capital, de um direito social – o direito social subsumido pelo capital, como uma mercadoria qualquer. Mas o ensino público pode ser mercadoria? Longe disso, ele é expressão de um direito conquistado, como os direitos o são. Se nós, professores, não cuidamos da qualidade do ensino que ministramos, não temos postura de defesa da escola pública. Não se trata do discurso ingênuo da vocação ou do sacerdócio. Em verdade, qualidade de ensino depende de nós, mas diz respeito igualmente a recursos e ambiente adequados. Infelizmente a degradação do ensino chegou a tal ponto que, para termos qualidade somos obrigados a lutar por recursos e melhores condições ambientais de trabalho. Muitas vezes ficamos no dilema: ensinar sem recurso e ambiente, ou recusar a ensinar enquanto estes não chegam? Não podemos ter dúvida de que as pressões do capital o qual elege outras prioridades é componente dessa falta de qualidade e de nosso dilema.
A escola, para ser pública, precisa ser democrática. Não se pode imaginar uma escola pública não democrática. O paradoxo a que a afirmação chagaria diante da escola gratuita mantida por Estados ditatoriais, não pode ser acenado para recusar a assertiva. Em verdade, a ditaduras podem ter suas escolas gratuitas, mas essas não são escolas públicas, pois aí as diversas vozes não se exprimem e os ditadores moldam currículos, objetivos e métodos, tirando do ensino o seu conteúdo principal: a liberdade. Será que alguns estão dispostos a ter uma escola gratuita, bem equipada, mas sem liberdade? Mas de que liberdade se trata? – Trata-se da liberdade que busca sempre ampliar-se. Não é naturalmente a liberdade para apenas autocensurar-se, pois a autocensura significa o dobrar-se diante da potencial censura do exterior.
A educação pública deve romper (sob pena de não ser pública) com duas amarras (dentre outras): a alienação e o medo das ruas. Toda educação não crítica, alienante, aponta para a privatização, pelo menos dos resultados: homens e mulheres vistos apenas como força de trabalho (a burguesia brasileira é namorada da educação sulcoreana exatamente por isso!). Todos nós somos mais que força de trabalho, somos dignidade e futuro. E, desde já, não podemos, com a educação, limitar nosso futuro e nossa dignidade. O capital já o faz e não podemos auxiliá-lo nesse mister. Devemos recusá-lo, mesmo sabendo que muitos estarão treinados ao trabalho, mas que também necessitarão romper as amarras do capital, e precisarão fazê-lo.
A educação pública não tem medo das ruas. Dizer isso é bravata? Afinal vivemos num mundo das cercas elétricas, do monitoramento, dos vigilantes, enfim do mundo da violência. E como não ter medo das ruas?
É preciso pensar: o atual modelo com que o Estado trata a violência é o modelo de sua territorialização e do cárcere. A segurança, ao invés de ser pensada e executada como direito, é mercantilizada: armas, monitoramento, guardas privados, cercas elétricas, grades. Além desse cárcere, podemos observar sua territorialização: as UPP e modelos semelhantes. Trata-se de ocupar espaço e nesse, trocar a violência do traficante e outros pela violência do Estado. E a escola tem sido expressão dessa territorialização da segurança: espaços reservados, tornados cárcere, onde a violência é “sentida” como medo, e não “discutida” como fato social. À medida que um território é controlado, a violência transfere-se para outro. Como se trata de controlar espaço, o ideal desse tipo de segurança é o estado policial, onipresente.
Será que entendemos porque a política de territorialização da segurança e de seu não tratamento como direito explica por que as escolas estão se tornando cárceres independentemente de nossa vontade? – E nós, prisioneiros? Por que a alternativa para a população pobre deve ser o cárcere ou o tráfico?
Vivemos num momento difícil de fazer a escola encontrar as ruas, com viver com as ruas, ao invés de ser prisão nossa e dos estudantes. No entanto, não podemos temer as ruas, que são espaços públicos (não exatamente espaços estatais). Para isso é necessário ampliar a autonomia de cada estabelecimento escolar e o professor tornar-se agente social de educação: buscar as ruas, seus sinais. Não render-se à privatização nem à estatização policialesca do espaço público. Partir para o diálogo e a luta.
Bem difícil está a nossa vida, não é? – Terrível. Temos que voltar às questões que discutíamos em tempos tão difíceis como os tempos atuais: Vale a pena pensar, sonhar, lutar? Se quisermos ser escravos, não vale a pena.
Vale a pena também lembrar: A educação é feita hoje, mas nossa mão e nosso caminhar buscam o futuro.
* Advogado, Historiador e Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Um comentário:

  1. Se alguém, com a seriedade do professor Ruy Medeiros, quizesse usar o mesmo espaço para comentar a cerca da Saúde Pública neste país,poderíamos colocar um e outro comentário lado a lado, e teríamos, assim, um diagnostico sobre a "Chilenisacão da educação, e a Americanisação da saúde pública", ou seja, a privatização, pela "ex- esquerda",dessas duas conquistas sociais,pela A estratégia de "Espanta usuário", em ambos os casos é a mesma. A diferença é que na educação alguns se tornarão ignorantes( ou permanecerão nela), na saúde pública as pessoas, simplismente morrem.

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