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segunda-feira, 1 de abril de 2013

TRABALHADORES DOMÉSTICOS: novos direitos, velhos conflitos?


Reginaldo de Souza Silva*

Certa vez li uma entrevista com a filosofa Marilena Chauí no qual ela dizia que jamais teria empregada(o) doméstica(o), pois evitava trazer para dentro de sua casa o conflito de classe. E, sem dúvida, esse realmente é um problema enfrentado por todos aquele(a)s que dependem dos serviços dessa categoria de trabalhadores. Em nossa sociedade capitalista, o trabalho manual, rotineiro e de manutenção é considerado menor e, portanto, pouco valorizado. Aqueles que exercem essa função sentem-se às vezes desamparados.

Do outro lado, estão aqueles que contratam os trabalhadores domésticos. Esses abrem sua casa, expõem sua intimidade, arriscam a segurança de sua família, dividem a sua rotina com pessoas estranhas e alheias aos seus hábitos. Esses também se sentem desamparados, pois nunca tem a certeza se o serviço será desenvolvido a contento ou de que não terá o seu patrimônio vilipendiado.

São, portanto, dois lados que entram em conflito de interesses em suas necessidades e na definição dos limites dos direitos e deveres de cada um.

O fato é que os problemas dentro de casa se avolumam. O furto doméstico, por exemplo, é mais comum do que imaginamos: sumiço de objetos de valor ou a postura de “pegar emprestado” sem pedir materiais de uso cotidiano (cotonetes, sabonetes, perfumes, roupas, sapatos, material de limpeza, eletrônicos, copos, pratos, canetas, pilhas e até alimentos). Ao encararmos com naturalidade tais comportamentos, não estaríamos nós referendando o “principio da insignificância” que, segundo o Ministro Celso de Mello (STF, DJ de 19/11/2004), para a sua incidência são necessários “[...] a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.”?

Confesso que não compreendo as razões para esse comportamento: a facilidade de acesso? Vergonha de pedir? Descaso para com o local de trabalho? Desvio de caráter? Não sei… O fato é que, sem provas dos furtos, quem contrata um(a) trabalhador(a) doméstico(a) não tem como se proteger a não ser dispensar o funcionário, arcando com os prejuízos em sua integralidade.

Com o processo de regulamentação jurídica da profissão (medida tardia e mais do que necessária) outra questão também se justapõe à da segurança: a qualificação dos trabalhadores. Como as atividades são manuais, não há uma preocupação de formação do trabalhador para desenvolvê-las. Desta forma, os trabalhadores domésticos chegam sem noções básicas da rotina de seu serviço, de relações interpessoais e, o que mais agravante, de higiene. Sem o apóio de órgãos de controle e de avaliação, a contratação desses serviços se dá mediante as “referências” informais, o que, a meu ver, não garante nem a segurança nem a qualidade dos serviços.

Qual seria, então, diante desse quadro, a diferença entre uma remuneração justa ou o comprimento da lei? Qual seria a melhor forma de se relacionarem (patrão e empregados), com formalidade ou desenvolverem uma relação carinhosa, deixando que participem uns e outros de suas vidas familiares? Sem dúvida essas são questões regidas pelo bom senso, mas o fato é que o respeito precisa imperar entre as duas partes.

Resta-nos, portanto, ao comemorarmos a aprovação da PEC dos trabalhadores domésticos, que segundo o IBGE, no Brasil, são cerca de 9 milhões, refletir a respeito dos conflitos que a nova regulamentação resolverá e quais conflitos ela acentuará. Mas, concordando com Chauí, esses (conflitos) não deixaram nunca de existir. E nós, que ainda não nos educamos a viver rotinas familiares a partir de nossas possibilidades, de as mantermos com nossas próprias mãos e, por isso, precisamos terceirizar o serviço do cuidado de nossos espaços e de nós mesmos, aprendamos a administrar esses conflitos, assegurando os direitos dos nosso(a)s servidore(a)s e nos mantendo alertas contra os maus trabalhadore(a)s.

*Coordenador do Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Email: necauesb@yahoo.com.br

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