Reginaldo de Souza Silva*
Certa vez li uma entrevista com
a filosofa Marilena Chauí no qual ela dizia que jamais teria empregada(o)
doméstica(o), pois evitava trazer para dentro de sua casa o conflito de classe.
E, sem dúvida, esse realmente é um problema enfrentado por todos aquele(a)s que
dependem dos serviços dessa categoria de trabalhadores. Em nossa sociedade
capitalista, o trabalho manual, rotineiro e de manutenção é considerado menor
e, portanto, pouco valorizado. Aqueles que exercem essa função sentem-se às
vezes desamparados.
Do outro lado, estão aqueles
que contratam os trabalhadores domésticos. Esses abrem sua casa, expõem sua
intimidade, arriscam a segurança de sua família, dividem a sua rotina com
pessoas estranhas e alheias aos seus hábitos. Esses também se sentem desamparados,
pois nunca tem a certeza se o serviço será desenvolvido a contento ou de que
não terá o seu patrimônio vilipendiado.
São, portanto, dois lados que
entram em conflito de interesses em suas necessidades e na definição dos
limites dos direitos e deveres de cada um.
O fato é que os problemas
dentro de casa se avolumam. O furto doméstico, por exemplo, é mais comum do que
imaginamos: sumiço de objetos de valor ou a postura de “pegar emprestado” sem
pedir materiais de uso cotidiano (cotonetes, sabonetes, perfumes, roupas,
sapatos, material de limpeza, eletrônicos, copos, pratos, canetas, pilhas e até
alimentos). Ao encararmos com naturalidade tais comportamentos, não estaríamos
nós referendando o “principio da insignificância” que, segundo o Ministro Celso
de Mello (STF, DJ de 19/11/2004), para a sua incidência são necessários “[...]
a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da
ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade
da lesão jurídica provocada.”?
Confesso que não compreendo as
razões para esse comportamento: a facilidade de acesso? Vergonha de pedir?
Descaso para com o local de trabalho? Desvio de caráter? Não sei… O fato é que,
sem provas dos furtos, quem contrata um(a) trabalhador(a) doméstico(a) não tem
como se proteger a não ser dispensar o funcionário, arcando com os prejuízos em
sua integralidade.
Com o processo de
regulamentação jurídica da profissão (medida tardia e mais do que necessária)
outra questão também se justapõe à da segurança: a qualificação dos
trabalhadores. Como as atividades são manuais, não há uma preocupação de
formação do trabalhador para desenvolvê-las. Desta forma, os trabalhadores
domésticos chegam sem noções básicas da rotina de seu serviço, de relações
interpessoais e, o que mais agravante, de higiene. Sem o apóio de órgãos de
controle e de avaliação, a contratação desses serviços se dá mediante as
“referências” informais, o que, a meu ver, não garante nem a segurança nem a
qualidade dos serviços.
Qual seria, então, diante desse
quadro, a diferença entre uma remuneração justa ou o comprimento da lei? Qual
seria a melhor forma de se relacionarem (patrão e empregados), com formalidade
ou desenvolverem uma relação carinhosa, deixando que participem uns e outros de
suas vidas familiares? Sem dúvida essas são questões regidas pelo bom senso,
mas o fato é que o respeito precisa imperar entre as duas partes.
Resta-nos, portanto, ao
comemorarmos a aprovação da PEC dos trabalhadores domésticos, que segundo o
IBGE, no Brasil, são cerca de 9 milhões, refletir a respeito dos conflitos que
a nova regulamentação resolverá e quais conflitos ela acentuará. Mas,
concordando com Chauí, esses (conflitos) não deixaram nunca de existir. E nós,
que ainda não nos educamos a viver rotinas familiares a partir de nossas
possibilidades, de as mantermos com nossas próprias mãos e, por isso,
precisamos terceirizar o serviço do cuidado de nossos espaços e de nós mesmos,
aprendamos a administrar esses conflitos, assegurando os direitos dos nosso(a)s
servidore(a)s e nos mantendo alertas contra os maus trabalhadore(a)s.
*Coordenador do Núcleo de
Estudos da Criança e do Adolescente, Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia. Email: necauesb@yahoo.com.br
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