Título original: Os segredos da
Finlândia
Os motivos que levam a educação
do país a ser uma das mais reconhecidas do mundo. E os problemas que a
aproximam de outras nações
Beatriz Rey, de
Helsinque*
Alunos na escola Itäkeskus:
imigrantes frequentam escolas regulares e aprendem o finlandês e sua língua
materna "Não!", interrompeu Alfons Tallgreen, 13 anos, ao ouvir que o
finlandês, sua língua materna, tinha raízes semelhantes às da língua russa.
"O estoniano, o húngaro e o finlandês são línguas correlatas. Aconteceu
assim: primeiro, o finlandês começou a ser usado no sul da Finlândia e, aos
poucos, foi ganhando o norte do país", conta o menino ruivo, aluno da 7ª
série da Itäkeskus, em Helsinque, capital da Finlândia. Apesar de já conhecer a
história de sua língua, Alfons quer, no futuro, estudar as propriedades de
plantas e micro-organismos. Pausadamente, explica que sua vontade inicial era
ser dentista - a mãe o demoveu da ideia. Porém, já estava interessado em
biologia nessa época. "Estava pesquisando a floresta aqui do lado da
escola. Mas infelizmente as árvores serão cortadas para a construção de casas
de madeira no lugar", diz.
A escola em que Alfons estuda
tem o foco específico em línguas. Ali, os alunos têm a opção de estudar
diversos idiomas. É o caso de seu colega, Muaad Hussein, cuja família tem
ascendência libanesa. Com a mesma idade de seu colega, o menino já conhece
cinco línguas: árabe, sueco, italiano, francês e finlandês, além de entender também
um pouco de espanhol. "É claro que nem todos os alunos se interessam
assim. Alguns não querem nem ouvir os professores. Não pensam no futuro",
desabafa. Muaad tem razão. Ali, na Finlândia, os meninos e meninas são iguais a
todos os outros no mundo: não gostam de escola, adoram o videogame, o
computador, andam de skate em praças e passeiam em grupos pelos shoppings. O
que leva, então, o país a ser sucessivamente o primeiro colocado nas avaliações
do Pisa? Na última edição, que avaliou ciências, a média finlandesa foi de 563
- o Brasil alcançou 390 (52º de 56 países).
Um documento do próprio
Ministério da Educação, criado para apresentar o sistema educacional finlandês
a estrangeiros, começa a responder à pergunta. Logo no começo, há uma
advertência: o sucesso só pode ser explicado em função de uma conjugação de
fatores, e não por uma única ação. A primeira razão, diz, é que a sociedade
finlandesa valoriza a educação e, portanto, tem uma atitude muito favorável à
área. Os números dão subsídio à frase que, aparentemente, não diz muito:
aproximadamente 75% dos adultos entre 25 e 64 anos têm diploma de ensino
superior. Na Finlândia, o ensino é obrigatório dos 7 aos 16 anos - em outras
palavras, cursa o ensino médio quem quer. Mas apenas 1% dos estudantes da
chamada escola "compreensiva" (equivalente ao nosso ensino
fundamental) não continua os estudos.
Ser professor
Muito dessa atitude favorável à
educação provém de uma cultura desconhecida em terras brasileiras. Na
Finlândia, o professor é visto com respeito - profissionalismo e
responsabilidade envolvem a profissão. Há um componente histórico nessa
valorização: há cem anos, quando o país ainda se configurava como nação, a
pobreza reinava, principalmente no interior. Ali, quem tinha um diploma de
professor era tratado como se fosse rei. Foi esse o relato de um membro do
Conselho Nacional de Educação Finlandês, Reijo Laukkanen, em entrevista à
Educação na edição 150. Hoje, é menos reverenciado, pois divide o conhecimento
com profissionais de outras áreas. Mas nas ruas de Helsinque é possível
perceber a atmosfera positiva que o envolve. Enquanto espera em frente à famosa
loja de departamento Stockmann, Sari Nummila, 41, mãe de dois filhos, é
categórica: "o que posso dizer? Nós precisamos deles. Ficaria feliz se um
dos meus filhos se tornasse professor", diz. Lea Itoonen, 56, mãe de três
filhos e voluntária da Cruz Vermelha Internacional, diz estar satisfeita com a
educação que recebem na escola. Só tem uma reclamação: antigamente, os
professores tinham personalidade mais forte. "Gostaria que eles não apenas
fossem um agrupamento excelente, mas tivessem mais atitude, enfrentassem os
pais e o governo por melhores salários", relata. Mas, de qualquer maneira,
diz: "é uma profissão bonita para se ter aqui". Mesmo entre os mais
jovens, a percepção não se altera. Annette Backman, 21 anos, tem inclusive uma
amiga que quer ser professora. "Eles são competentes e ela gosta da
profissão", relata.
O fato de o professor ter
autonomia para trabalhar em sua sala de aula também colabora com a visão social
tão positiva. Há um currículo nacional básico, que dita as linhas gerais do que
deve ser ensinado, mas o docente pode escolher os métodos, os livros, o tipo de
didática e inclusive optar ou não pelo uso da tecnologia. "O currículo não
é sobre o que se ensina. É sobre o que os alunos devem aprender. Ele define as
capacidades e habilidades que os estudantes devem ter quando terminarem seus
estudos", explica Heljä Misukka, secretária de Estado da Educação. Na
Finlândia, antes de aprenderem os conteúdos, os alunos têm experiências
práticas que auxiliarão no seu entendimento futuro. Um exemplo: na escola
Itäkeskus, estudantes de 10 anos têm aulas de culinária. Mas, ao assistir a uma
aula, percebe-se o motivo da intervenção dos professores quando eles explicam a
reação do fermento em água quente e em água fria. Além disso, os alunos
aprendem a economizar energia e água. É através dos saberes cotidianos, como
fazer uma receita, que os pequenos estudantes já apreendem conceitos para, mais
tarde, aprenderem o conteúdo. Tudo é muito bem amarrado.
Formação
Heljä lembra outro aspecto da
profissão docente: os professores são altamente qualificados. Para começar, a
concorrência nas universidades de pedagogia é enorme. Dados do Ministério da
Educação dão conta de que, na última primavera, havia 6 mil candidatos para 800
vagas. Após ser aceito, o aluno deve completar o mestrado para poder lecionar
em qualquer nível educacional (veja mais sobre formação de professores na
próxima edição de Educação ). "Nós realmente podemos escolher os
melhores", coloca.
Não é difícil encontrar pelas
escolas docentes cujo sonho de ser professor foi realizado. É o caso de Lejeune
Hannele, 42 anos, que leciona apenas para alunos com dificuldade de
aprendizagem na escola Itäkeskus. "Queria ser professora desde os 8 anos.
Estudei seis anos para conseguir. Sempre gostei de estar com crianças",
conta. Lejeune passou seis anos no curso superior porque estudou letras durante
quatro anos e teve um ano extra para ser docente e outro para ser professora de
crianças com necessidades especiais. É importante notar que há um facilitador
para a qualidade docente: os alunos já vêm com repertório e formação
consolidada para a universidade, adquiridos durante o ensino fundamental e
médio. Aliás, eis outro aspecto digno de nota: os ensinos fundamental é
obrigatório e de graça para todos os alunos. Isso inclui materiais escolares,
merenda, atendimento médico, atendimento dentário e transporte. No ensino
médio, só fica a cargo do aluno o material escolar.
Alfons e Muaad, durante o intervalo das aulas: investimento na futura profissão desde os 13 anos Liberdade e liberdade. |
O modelo de gestão educacional
na Finlândia também é diferenciado. O Ministério da Educação não tem as mesmas
funções que o MEC brasileiro. Responsável pela elaboração de políticas públicas
e de legislação, ele as propõe ao Parlamento, que pode aprová-las ou não. É um
órgão de caráter menos executivo. O Conselho Nacional de Educação age mais
efetivamente na implementação das leis. Um exemplo: o Ministério opta pela
existência de um currículo mínimo nacional. O Conselho, então, fica responsável
pelo desenho desse currículo. Abaixo dele, estão os chamados escritórios
estaduais, cuja função na prática é a elaboração de estatísticas sobre
determinadas regiões. Quem realmente executa são os municípios. O material
didático usado por eles não é inspecionado pelo Ministério desde 1990, quando o
processo de autonomia se consolidou. Os municípios e as escolas têm liberdade
para escolher o material didático mais adequado às suas realidades. Geralmente,
os municípios que estão localizados no interior do país e têm menos condição
financeira recebem um repasse de verba do governo central - algo em torno de
42% do orçamento municipal. Helsinque não recebe nenhum tipo de ajuda do
gênero. Todo orçamento provém dos impostos municipais. "As pessoas dizem
que gostariam de pagar mais impostos, já que consideram a escola um serviço
muito importante. Eles são altos, mas eles têm retorno do governo", aponta
Heljä.
O documento do Ministério da
Educação ressalta a existência de um sistema educacional que oferece
oportunidades iguais a todos, independente mente da região em que moram, do
sexo, da situação econômica, da língua ou das origens culturais. A maioria dos
imigrantes que residem na Finlândia é composta por russos, estonianos, chilenos
e chineses. Eles vão para as escolas regulares, onde aprendem o finlandês e a
sua língua materna. Por trás dessa iniciativa está a intenção de que as raízes
culturais não se esvaiam. "Se você não sabe sua própria língua, é muito
difícil aprender outras", coloca Heljä Misukka. A secretária de Estado
enxerga alguns grandes desafios pela frente. Um deles é a discussão do número
de alunos por sala. Quando assumiu o cargo, fez um mapeamento desse número em
todos os municípios - o que não foi bem recebido nas cidades. Como as escolas
são autônomas, há salas de 8 alunos e de 36, o máximo registrado. "Demos
16 milhões a eles neste ano e daremos mais 30 milhões no próximo ano para que deixem
suas salas menores", diz.
Outra questão, a formação
continuada dos professores, toca num ponto importante: tecnologia. Mais uma
vez, a rede autônoma cria sistemas paralelos. Algumas escolas, como a
Itäkeskus, usam lousa digital. Mas os municípios que sofrem com problemas
financeiros não podem arcar com esse custo. Heljä diz que ter medo da
tecnologia não é uma atitude correta. Lembrando que a Nokia é finlandesa,
afirma que grande parte dos alunos do 1º ano já tem celular. "Se vão à
escola e lá não há nenhum tipo de tecnologia, a escola vira um museu. Se o
professor quer ensinar como um aluno deve se comportar no universo on-line e a
escola não puder lidar com isso, temos um problema", levanta. Há um
projeto-piloto no país que usa a tecnologia com crianças que têm necessidades
especiais. Elas aprendem a ler e a escrever primeiro no computador, e depois
vão para o papel. "É mais fácil para eles e não há nada errado com isso.
Há diferentes tipos de aprendizes e diferentes soluções pedagógicas para
eles", afirma.
*A jornalista Beatriz Rey
viajou a Helsinque a convite da Embaixada da Finlândia no Brasil e do
Ministério das Relações Exteriores da Finlândia.
Fonte: Revista
Educação
Nenhum comentário:
Postar um comentário