(InformANDES/2011 9)
As mudanças que atingiram o chão das fábricas no século passado também chegaram à universidade. Principalmente na década de 1990, tida como auge do neoliberalismo no Brasil, a imposição de metas produtivistas e precarização do trabalho atingiram o meio acadêmico como uma bomba. Hoje, com o distanciamento que só o tempo permite, é possível observar as conseqüências dessas mudanças, inclusive, na saúde física e mental dos docentes.
As pesquisas são esporádicas e pontuais, mas comprovam o quanto o professor universitário está sofrendo. “Antes, nós éramos pagos para pensar. Agora, somos pagos para produzir. Precisamos discutir como lidar com isso. Essa é uma tarefa política que se impõe o nosso Sindicato”, provoca o professor da Universidade do Oeste do Paraná – Unioeste, Antônio Bosi. De acordo com ele, até meados da década de 1980, o desenvolvimento da pesquisa acadêmica não era gerido por prazos rígidos pré-fixados e pela obrigação de publicar resultados. “Nos últimos 20 ou 25 anos, introduziram as atividades de captação de recursos, realização e participação em eventos, publicação, consultorias, produção de patentes, prestação de diversos serviços etc. Exemplo são as avaliações sobre os cursos de mestrado e doutorado, realizadas pela Capes. Atualmente, o mérito de um programa não é mensurado por sua capacidade de formar bons profissionais, mas pelo volume e ‘qualificação’ das publicações docentes. Como é que nosso trabalho adquiriu este sentido?”, questiona.
O crescimento da pós-graduação brasileira, mesmo sem a devida e necessária contrapartida financeira e com a redução dos prazos das bolsas, explica em parte a nova cultura acadêmica. Em 1965, havia no país 27 cursos de mestrado e 11 de doutorado. Em 1996, já eram 1.083 de mestrado e 541 de doutorado. “Antes da última avaliação trienal feita pela Capes em 2010, havia 2.594 cursos de mestrado, 1.516 cursos de doutorado e 284 cursos de mestrado profissionalizante. Estes números representam um crescimento de 139,5% para os cursos de mestrado e de 180,2% para os cursos de doutorado nos últimos 14 anos. Foi neste território que se construiu os valores estruturantes de uma cultura voltada para a produtividade acadêmica e científica”.
Diagnósticos
De acordo com a professora do Departamento de Ciências Sociais da UFES, Izabel Cristina Borsoi, que desenvolve uma pesquisa sobre precarização do trabalho e suas implicações no modo de vida e nos docentes da instituição, a cultura acadêmica está baseada na lógica mercantil e a excelência não significa alta qualidade, mas sim quantidade. “Os relatos da pesquisa demonstram que o docente se sente improdutivo mesmo que produza muito. Há uma naturalização da produtividade”, explica.
O depoimento de um professor da UFES que passa por problemas psicológicos e, por causa disso, deixou de produzir em ritmo frenético, atesta a conclusão da pesquisadora. “Me senti alguém sem valor, sem chances de sobreviver em um ambiente tão hostil que hoje considero a universidade”, destaca ele que, por motivos óbvios, terá sua identidade preservada.
O docente explicou que, apesar de não publicar conforme exigem, ele produz muito conhecimento. “Não registro mais meus trabalhos, embora produza muito.
Compartilho meu conhecimento com os meus alunos, que são minha fonte de inspiração e não exigem uma produção que me cause exaustão”, relata.
A pesquisa realizada pela professora demonstrou que 81,3% dos docentes entrevistados procuraram atendimento médico nos últimos dois anos, sendo 36% por problemas psicoemocionais, como ansiedade e depressão. Outros 14% queixavam-se de enxaqueca, cistite, crise gástrica e 12,8% apresentavam afecções osteomusculares, como LER/DORT, lombalgias, cervicalgias, hérnias de disco em diferentes regiões da coluna e fibromialgias, entre outras. Em relação à atividade sexual, 41,1% dos homens apontaram mal-estares, desconfortos, cansaço, fadiga, insônia, estresse e dores o corpo.
Outro dado interessante da pesquisa, é que dos docentes que são medicados com remédios prescritos, 57,5% são mulheres e 42,9% são homens.
Professora da PUC/SP, Margarida Barreto, lembra que uma pesquisa realizada pela UFRN, em 2006, mostra a prevalência de LER/Dort em 93% dos docentes. Segundo ela, outro grande estudo da década de 1990, realizado por pesquisadores da UNB, aponta a Síndrome de Burnout como dominante entre professores. “Em 2003, uma ampla pesquisa da APEOESP demonstrou que o estresse é a principal causa do adoecimento dos professores, associado à perda de voz, tendinite, nervoso, dores generalizadas e ansiedade, dentre outros”, acrescenta. Conforme Margarida, a pesquisa foi refeita em 2010, com 1821 professores. Nos resultados, fica evidenciada a relação entre adoecimento e condições de trabalho: 63,2% dos pesquisados se referiram às jornadas prolongadas e extenuantes.
Do debate à ação
Na avaliação de uma das coordenadoras do Grupo de Seguridade Social e Aposentadoria do ANDES-SN, Bartira Silveira Grandi, o III Encontro Nacional do
ANDES-SN sobre saúde do trabalhador, realizado de 13 a 15/5, apresentou uma estrutura de discussão que possibilitou uma melhor compreensão do debate e subsidiou os docentes para o enfrentamento da questão. “Há um forte posicionamento dos professores de que, além de aprofundar o tema, é preciso transformar essa discussão em ação”, observou.
O assunto estará em pauta durante o 56º Conad, que será realizado em Maringá, de 14 a 17/7. O texto de Resolução da diretoria do ANDES-SN propõe que a categoria delibere a elaboração de material sobre o tema que possa contribuir para o aprofundamento da questão na base da categoria, até setembro de 2011. Sugere também que as Seções Sindicais realizem, com o apoio das Secretarias Regionais do ANDES-SN, eventos para discutir a saúde docente ao longo do segundo semestre do ano que vem.
Colaborou: Luciana Silvestre (Adufes)
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